sexta-feira, 13 de março de 2009

ARTE ROCOCÓ

PREFEITURA DE SÃO GONÇALO
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

HISTORIANDO AS ARTES III

ARTE ROCOCÓ

O rococó não produziu uma teoria estética própria, orgânica. Nem tão pouco arranjou um nome. O que hoje tem foi-lhe dado, por uma larga experiência, pelos seus detratores, que deformaram num sentido depreciativo e caricatural o termo rocaille, palavra francesa usada para indicar o principal motivo ornamental das grutas então em moda, as conchas.
A sua delimitação é, com muita freqüência, estabelecida em termos de gosto: sublinha-se como o rococó visava a graça, a elegância, o requinte, a alegria, o brincar, o exuberante. De uma maneira mais filosófica procura-se fazer a distinção entre o rococó e o barroco, que utilizaram um aparelho formal e decorativo para muitos objetivos diferentes e que muitas vezes estiveram presentes, ao mesmo tempo, no mesmo país, até na mesma obra, notando-se como o rococó procurava o bellum, ou seja, o agradável, o requintado, o desenvolto, sutilmente sensual, enquanto que o barroco se inclinava para o pulchrum, isto é, para o imponente, o sublime, o palaciano, o grandiloquente.
Na arquitetura, o freqüente abandono das ordens clássicas ou, pelo menos, das regras de ferro que regiam o seu uso; a diferenciação dos edifícios conforme as suas funções; o nascimento do conceito do “interior”, como definição unitária, indiferente ao resto do edifício, de um ambiente, da ornamentação geral em favor dos pormenores minuciosos.
Na escultura e na pintura, o abandono dos temas grandiosos de proporções majestosas, em benefício de temas mais “ligeiros” e agradáveis, de pequenas dimensões e requintados, de cores suaves e etéreas.
Foi a França quem iniciou o processo. Mas foi, pelo menos na arquitetura, a Alemanha que produziu o maior número de realizações, alargando também o estilo – que no país de origem se limitou às moradias senhoriais à arquitetura monumental, civil e religiosa.
Mas não foram só a Alemanha e a França as pátrias únicas do estilo: os outros países juntaram a estes expoentes uma constelação de florescimentos menores.
É incontestável que se pode ver no novo estilo que começou a afirmar-se em França no princípio dos séculos XVIII uma reação contra o passado recente.
Sentia-se a necessidade, depois de tanta palaciana e austera grandeza, de uma maior intimidade, leveza e conforto. O gosto tende a preferir o requinte aristocrático à majestade real.
Um dos elementos centrais do movimento, aquele que acabará por dar o nome à sua parte central, é precisamente um elemento decorativo, o rocaille, uma ornamentação com motivos e formas derivados de conchas de vieiras.
As fachadas conheceram um decidido processo de alisamento e achatamento. Tudo quanto criava um forte contraste foi abolido.
Foi eliminada ou reduzida ao máximo possível a presença de esculturas monumentais, limitando-as à ornamentação de jardins.
A elaboração do interior diverge da do exterior. Enquanto que na fachada se assiste a uma radical diminuição dos ornamentos, no interior, o ponto de partida é uma riquíssima ornamentação. O novo estilo, em concordância com os seus próprios princípios, dá origem a uma substancial independência entre o exterior e o interior. As duas estruturas não possuem, como ponto de contato, senão as amplas e numerosas aberturas que rasgam a fachada.
Esta ornamentação é inspirada no rocaille, isto é, no motivo das conchas de vieiras. Os elementos de partida são poucos: a forma ondulada das conchas, a curva em S, a curva em C, o arco quebrado numa série de curvas. Mas as variações que os artistas do rococó saberiam dar-lhes são inumeráveis, variadíssimas. E não só: as formas criadas com estes motivos viriam a ser usadas a todas as escalas pelos artistas da época: tanto na ornamentação miniatural do objeto, como da decoração do conjunto arquitetônico. E será isto que constituirá um dos elementos característicos do estilo.
Também a iluminação é profundamente modificada, em relação à época precedente. À janela de sacada, característica do barroco, prefere-se agora a porta-janela. Deste modo, entra muito mais luz, e, ao mesmo tempo evita-se que a janela surja como um “buraco” na parede, transformando-a pelo contrário, num harmonioso vão. Mas, acima de tudo, permite a entrada de uma luz rasante, e que permite a eliminação de ângulos mortos, não iluminados: uma coisa que o rococó tem enorme horror.
Esta luz clara, difusa, vai então iluminar paredes brancas: a mais clara e luminosa de todas as cores. A isto acrescenta-se o tênue esbatido de outras tintas, numa sinfonia sempre suave. Virá também a moda, um pouco mais tarde, de substituir o branco por outras cores, mas muitíssimo tênues e esfumadas: azul claro, amarelo claro, rosa, às quais se unem também, mas parcimoniosamente, o ouro e a prata, para sublinhar os ornamentos e os relevos.
A isto junta-se o uso, e por vezes o abuso, dos grandes espelhos. Já eram usados na época precedente e a Galerie dês Glacês de Versalhes é disto o exemplo mais flagrante. Mas agora tornam-se num elemento essencial de todos os interiores. Multiplicam-se e refratam-se as luzes e realçam-lhe os efeitos. De resto, integram-se no gosto mais geral da época por tudo que é brilhante: móveis de superfície brunidas e polidas a cera, sedas luzidias e veludos para os vestidos e os estofos, o esplendor perolífero das porcelanas, dos vernizes e das incrustações de madrepérola, o esplendor dos brilhantes, usados a toda a hora e a qualquer pretexto.
Evidentemente, trata-se da mesma maneira a iluminação superficial. Esta é sempre dada por velas de cera, de luz suave e cálida, postas a meia altura para não ferir os olhos e para não criar contrastes de luz sobre os rostos. A disposição clássica compreende numerosos appliques nas paredes, ou grandes lustres centrais. E naturalmente, os lustres preferidos são os venezianos, de pingentes de vidro que refratam a luz das velas.
O rococó não gosta nada de elementos pesadões. É por isso que se renuncia ao uso, típico do barroco, de grandes pinturas em trompe l’oeil.
Este estilo dominou a França na primeira metade do século XVIII, com gradações que vão da fase primitiva da Regência ao apogeu do rocaille e à fase tardia do estilo Pompadour: respectivamente, entre 1715 e 1730, entre 1730 e cerca de 1745 e entre esta última data e 1756. Mas bem depressa se espalhou também para além das fronteiras francesas. O seu sucesso foi, porém, notavelmente diverso de país para país. E isto devido ao seu próprio e peculiar caráter.
Dadas as suas origens e características, o rococó não foi um estilo favorável à escultura monumental. Tanto nos interiores como nos exteriores, a decoração plástica como ornamento ou como parte integrante da arquitetura (estátuas, cariátides, atlantes) recobre a quase totalidade das superfícies. Os únicos locais em que se manterá o uso de composições escultóricas de grande porte serão os jardins.
Atualmente, não era possível, nem foi desejada, a completa desaparição do gênero. Apareceram sempre imponentes esculturas nos edifícios oficiais, ou a ornamentar as grandes praças nas cidades assinalavam as freqüentes iniciativas urbanísticas da época.
Se desprezou, ou, pelo menos, descurou a plástica de grandes dimensões, o rococó valorizou muitíssimo a de menor escala, bastante mais consoante com a sua arquitetura e as suas salas. E também muito mais fácil de transformar segundo o novo espírito: sofisticado, galante. Realmente, modificam-se os temas da escultura: Pan, deus pastoril, e Vênus, deusa da beleza e da graça, substituem as divindades maiores utilizadas nas alegorias da época precedente. E assim todos os seus temas “menores”, descomprometidos, como diríamos hoje, triunfam sobre os “sérios”.
Para dizer a verdade, esta é a tendência francesa. Na Alemanha, os cânones do rococó (graça formal, leveza de tratamento, graciosidade nas poses e atitudes) foram igualmente aplicados na escultura religiosa. Aqui, será preferido este gênero ao profano, de inspiração mitológica.
Um outro “gênero” que continuou a ser muito apreciado foi o retrato de meio corpo, exemplo clássico daquela plasticidade “móvel” e a que se confiava a tarefa de personalizar e enriquecer o mobiliário. Com a mesma finalidade, o retrato passou a ser ladeado por um grande mostruário de pequenas esculturas de diversos formatos e de diversos materiais, mas de temas amavelmente graciosos, sutilmente sensuais. Por exemplo, o tema da jovem mulher, ou da adolescente, que brinca com um cachorrinho, mantido no ar com os seus próprios pés, espalhou-se largamente na escultura da época.
O material favorito é, para a escultura monumental, o chumbo (e o bronze, devido à sua qualidade representativa). Isto principalmente no que respeita as estátuas dos jardins e das fontes, nas quais o cair e movimentação da água se casa bem com a sua falta de brilho. Quanto ao retrato, domina o mármore. Este, na época do rococó, é tratado de maneira a retirar-lhe peso aligeiramento da superfície, até lhe fazer assumir a macieza (e o brilho) da seda. Nas esculturas menores, utilizam-se o chumbo, a argila e o gesso. Na Alemanha, com muita freqüência, a madeira. Mais tarde, em França, afirmar-se-á o biscuit, ou seja, um tipo especial de porcelana, cozida por duas vezes e sem vidrado.
Aqui, chegamos ao ponto fulcral. Porque o verdadeiro, o inato material do rococó é a porcelana. O seu uso é de tal forma ligado ao estilo que já houve quem chegasse a justificar com ela o próprio nascimento do movimento rococó, ou, ao menos, das suas formas. Claro que se trata de um exagero. Mas a verdade é que não foi por acaso que o rococó descobriu a porcelana (graças ao alemão Böttger, na primeira década do século XVIII), invenção chinesa que até aquele momento a Europa se mostrara incapaz de imitar. Ela correspondia ao gosto, próprio do novo estilo, pelos objetos pequenos, graciosos, frágeis, elaborados e requintados. E punha à disposição da escultura de pequenas dimensões um material muito seu, libertando-a do emprego dos mesmos materiais utilizados nas esculturas maiores. Com ele, a pequenina escultura podia tornar-se em algo de fino em si mesmo, num brinquedinho, e não numa réplica em pequena escala de um tema monumental.
O sucesso do novo material foi enorme. À inicial manufatura de Meissen bem depressa se juntaram outras, as de Nymphenburg, de Berlim, de Capodimonte, de Chelsea, do Buen Retiro, de Sèvres, de Viena. Cada corte tinha a sua e cada uma delas produzia um tipo característico de porcelana, com temas galantes, requintados, que talvez sejam os melhores representantes do rococó e do seu gosto sem fronteiras. Nestes ateliers, trabalharam os mais geniais escultores da época. Ao princípio (e sobretudo na produção de Meissen), usaram-se as cores vivas, com combinações arrojadas. Mas depressa se afirmaram paletas mais esbatidas, tons delicados ou simplesmente o branco, uma maior graça, sobriedade e ligeireza.
Aplicou-se às porcelanas, como é natural, o grande amor que na época do rococó se nutria pelas chinoiseries, pelos aspectos exóticos e pela representação de assuntos e motivos não europeus. Tendência ativa a todos os níveis, tanto na arquitetura como na ornamentação miniatural, mas evidentemente mais fácil de aplicar nas realizações menores e num material que era de origem, em si mesmo, exótico.
A grande produção de porcelanas era, como já dissemos, de “côrte”, ou seja, por encomenda e com temas aristocráticos. Mas também se afirmou ao lado desta uma farta produção de cerâmica de gosto populista, que encontrou grande aceitação nos países meridionais (sobretudo em Itália) e foi aplicada, tipicamente, na arte sacra, em especial em presépios. Foi ainda na Itália que a ornamentação em estuque alcançou o maior apogeu.
Mas vale a pena notar como mesmo a ornamentação em estuque, tradicionalmente confiada a companhias de artesãos que viajavam de terra em terra, foi um dos maiores veículos, em toda a Europa, do gosto rococó e um dos principais fatores determinantes de que esse gosto fosse muito mais nivelado nesta arte do que o foi nas artes maiores, a arquitetura e a pintura.
Se do panorama das realizações passarmos à temática formal, verificaremos que também na escultura, como já acontecera na arquitetura, uma transbordante variedade de efeitos deriva de uma reduzidíssima gama de temas inspiradores. As linhas mestras são as do rocaille: a curva em S, a curva em C. É sobretudo a linha em S que se aplica constantemente e com infinita doçura, requinte e fluidez. Mas uma escultura rococó mostra uma acentuação no ritmo das curvas que a identifica. A curvatura também é, tipicamente, bastante acentuada, a ponto de chamar sobre si as farpas dos críticos que vieram depois.
Pelo contrário, trata-se de estátuas sinuosas, infinitamente desenvoltas, quase dançando. Por vezes, caprichosas. Freqüentemente maliciosas. A pose pode ser lânguida, mas é sempre medida, espontânea ou tão elegante que não trai o quão estudada foi. A atitude cortesã é, por via de regra, predominante. Diferem, por vezes, como já acentuamos, os temas. Em França, de acordo com a origem e o desenvolvimento profano do rococó, a escultura é, na sua maior parte, mitológica, com preferência pelos aspectos menores da mitologia. Nos países de língua alemã, e sobretudo naqueles da Alemanha meridional, apresentam-se também temas religiosos. Por outro lado, sem renunciar ao espírito, muito mais que transcendente, do novo estilo. O resultado foi “um contraste entre o tema e a forma galante” com que o próprio assunto era tratado: e era mesmo sobre este contraste que insistiam os artistas, fazendo com que ele se tornasse o ponto fulcral das suas criações.
Outras características deverão ser ao menos afloradas. A teatralidade do novo estilo, por exemplo. Ou seja, em muitas configurações, um recordar, e mesmo uma abordagem do mundo do teatro. Não só pela recuperação dos personagens característicos do teatro, como também pela utilização de artifícios teatrais.
A majestade e o dinamismo do barroco começavam a dar lugar à agilidade, ao gracioso jogo de linhas e de superfícies dos novos tempos.
Na decoração dos edifícios, os grandes frescos em trompe l’oeil desapareceram. De ora em diante, a presença da pintura nos edifícios ficará circunscrita às grandes telas inseridas nos panneaux, ou nas lunetas, como elementos estáveis. E também às pequenas telas de cavalete, isoladas ou recolhidas nos cabinets, nas pequenas galerias especiais, como elementos móveis dispostos conforme o gosto dos seus proprietários. Os “gêneros” em voga também mudaram. Desenvolviam-se outros novos, até então inexistentes. Outros ainda modificavam-se e eram executados segundo novos métodos.
Uma das invenções é a da fête galante, do idílio festivo e aristocrático-pastoril, na qual sobressai o gênio pictórico do rococó inicial. Gênero já existente, mas agora amplamente revalorizado é o quadro paisagístico a “vista”. Um gênero já há longo tempo usado, mas agora profundamente modificado na sua expressão e na maneira como é executado, é o retrato. Uma época intimista e individualista como o rococó fará dele um dos seus tipos favoritos, numa vasta gama de expressões: do retrato ágil e coloristicamente festivo, até ao clássico, ao retrato em vestes históricas ou historicizantes, ao sereno e “burguês”, aos cálidos e festivos aos apologéticos, aos sfumati e sensíveis, aos retratos de chave psicológica.
No retrato (mas não apenas no retrato), será muito bem acolhido o pastel, técnica especial de pintura. A meio caminho entre o desenho e a pintura, com resultados ao mesmo tempo vivamente impressionísticos e (devido aos tons esbatidos da cor) singularmente artificiais, estilizados, semelhantes aos de uma porcelana colorida, o pastel é, tal como a porcelana, uma técnica artística o mais coerente possível com o rococó.
A simbologia também muda. Os grandes temas, os dos mestres, os conteúdos palacianos, cedem o terreno a assuntos mais superficiais e alegres. As divindades menores, ninfas, sátiros, náiades (ninfas dos rios e das fontes), bacantes, substituem Júpiter, Juno e Apolo. Os mesmos coloridos e ornamentos típicos da divindade marinha tornam-se nos mais utilizados para os acordos cromáticos e os repertórios ornamentais: o rosa das conchas e o branco da madrepérola, o azul do mar e o branco da espuma, composições que seguem o ritmo da ligeireza das ondas, ornamentações inspiradas em conchas e em corais.
O divertimento é um dos elementos essenciais, fundamentais, do rococó. O divertimento nas formas, no amor, nas relações humanas. É também o divertimento na sua essência. E isto desencadeou a aproximação ao mundo dos adolescentes e, desse modo, a simpatia com que esse mundo é sempre olhado, retratado, até mesmo imitado. Um outro aspecto, igualmente fundamental, é o da ornamentação exuberante, devoradora, inexaurível tendência decorativa que é o motor de todo o estilo. Torna-se comum, o “quadro sem molduras”, delimitado por um sempre crescente entrelaçamento de ornamentação rocaille. Até que elas, pouco a pouco, acabaram por se tornar em todo o quadro, reduzido a apresentar a ornamentação: ornamento e objeto, ao mesmo tempo.
A esta visão de conjunto, cada país acrescenta toques e enriquecimentos particulares. A França, centro impulsionador do estilo na pintura como nas outras artes, talvez seja, neste período, a nação mais rica de pintores talentosos.

Fonte:

Ø CONTI, Flávio. Como reconhecer a arte Rococó. Livraria Martins Fontes Editora Ltda. S.P

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

ARTE BARROCA

HISTORIANDO AS ARTES III

A ARTE BARROCA EM ITÁLIA

A origem e o processo de formação da arte barroca são ainda mal conhecidos, tendo sido necessário retificar muitos dos conceitos ainda há bem pouco correntes acerca dos fatos e dos homens dessa época e opiniões erradas por carência de fundamento ou por viciada interpretação.
Decadência moral, crise religiosa e outros males graves foram assacados a esses tempos, em que viveram afinal figuras escritores, artistas e santos da maior grandeza que na Europa nasceram.
Não só é imprecisa a fronteira entre o Renascimento e o Barroco, como também não se chegou a um acordo definitivo quanto ao sentido deste conceito ou da própria palavra que o exprime.
Uns afirmam que deriva de baroco, termo escolástico (relativo à escola); outros entendem que provém do latim verruca, “verruga”, “saliência ou defeito ligeiro”; com mais verossimilhança, deu-se como raiz a palavra portuguesa barroco, com que se designavam as pérolas de superfície irregular. Apesar de ser bastante empregada no século XVII, com o sentido de coisa singular, bizarra ou caprichosa, foram os tratadistas neoclássicos do século XVIII que lhe deram ampla circulação, como sinônimo de estilo extravagante e decadente, artificioso e sobrecarregado. Só em 1888 o grande historiador da arte Heinrich Wölfflin, num livro famoso, Renascimento e Barroco, estabeleceu as bases para uma apreciação mais justa do alcance e do sentido desse período histórico-cultural que sucede ao Maneirismo e se lhe opõe intelectual e esteticamente.
Também se discute o local e a data da sua aparição, sempre difíceis de estabelecer para qualquer movimento artístico de raízes complexas. Enquanto o Barroco foi considerado uma continuação ou um desenvolvimento das concepções maneiristas podia-se considerá-lo já formado nas duas últimas décadas do século XVI. Mas esta relação foi negada pela maioria dos historiadores atuais, em cuja opinião o Barroco apenas se afirma com caracteres bem definidos cerca de 1630, nas primeiras obras de Gian Lorenzo Bernini (1598-1680). É uma arte que se desenvolve num panorama cultural em que os fatores religiosos exerceram um papel preponderante. A grande crise da Reforma dissociara o mundo cristão ocidental: a Dinamarca, a Suécia, a Inglaterra, os Países Baixos e grande parte da Alemanha tinham quebrado os laços com o papado, enquanto as hostes (tropas) turcas de Solimão ocupavam a Hungria e levavam o estandarte do Islã até as portas de Viena.
A igreja católica atravessou neste período uma situação dificílima, a que não foi estranha a corrupção de alguns dos seus responsáveis. Mas o Concílio de Trento e uma nova ordem religiosa, a Companhia de Jesus, reforçaram o catolicismo e deram-lhe meios e um estilo de combate que lhe permitiu não só consolidar as posições que ainda mantinha, mas também recuperar muito do terreno perdido.
Haviam passado os dias da requintada e calma análise intelectual ou da contemplação individualista, visando à perfeição pessoal; afirmam-se novas atitudes, de combate e propaganda, de conversão e polêmica, alargada a mais vastos setores. As forças inconsistentes e afetivas, não racionais, ganharam então novas dimensões e os homens da Contra-Reforma tiveram nítida consciência destes estados de sensibilidade coletiva. Com suprema habilidade, souberam aproveitá-los para os seus fins, bem cientes da eficácia de uma propaganda apoiada em fatores emocionais habilmente dirigidos.
Pelos caminhos do sentimento se alcançava a inteligência e a adesão das vontades. E por isso assistimos ao desenvolvimento de uma arte religiosa emotiva e teatral, ordenada pelos conceitos de ordem espiritual e social que se encontram na base da Contra-Reforma e utilizando sobremaneira o poder da sugestão e força do prestígio, nas mais variadas formas.
Os fundamentos da arquitetura barroca, essencialmente religiosa e palaciana, estão ligados à grande transformação urbanista da Roma do século XVII e às obras de dois arquitetos geniais, Bernini e Borromini. Mas as origens do Barroco vêm de mais longe, da própria crise do classicismo renascentista, logo nos primeiros decênios do século XVI, chegando alguns até ao exagero de atribuir a Miguel Ângelo a paternidade dessas novas concepções formais.
Novas famílias entram em cena na vida social e política de Roma, pois as fortunas mudaram. Aos Colonna, Orsini e Farnésio sucedem os Borghese, Doria, Pamphili e Barberini.
Estas são as linhagens dos papas dos tempos barrocos enriquecidos pelo nepotismo (favoritismo) desenfreado. E por isso os palácios Borghese, Barberini e Doria-Pamphili são as grandes residências desta época.
O grande período barroco, o que produziu as obras arquitetônicas mais admiráveis, situa-se aproximadamente entre 1625 e 1675 e está dominado pelos nomes de três grandes arquitetos: Pietro da Cortona (1596-1669), Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) e Francesco Borromini (1599-1667).
Não só as zonas próximas de São Pedro, mas toda a cidade de Roma, sofreram grandes obras de urbanização, dirigidas por arquitetos e escultores barrocos. A Roma monumental dos nossos dias é essencialmente a dos cardeais e papas dos tempos do Barroco; cada príncipe da Igreja embelezou os arredores do seu palácio com avenidas, praças e fontes.
As fontes barrocas de Roma são um dos seus mais atraentes adornos. Por vários aquedutos da Roma dos Césares continuavam fluindo abundantes caudais para o interior da cidade, trazendo muito mais água que a necessária para a população, menos numerosa que na Antiguidade.
Das sobras se aproveitaram os arquitetos dos séculos XVI e XVII para embelezar Roma com magníficas fontes, que são ainda hoje o seu melhor ornamento e que foram imitadas em toda parte. As duas mais célebres são a de Trevi e a Acqua Paola.
Outra das fontes afamadas de Roma é a da Fontana dei Quattro Fiumi.
Mas já é tempo de nos referirmos às artes plásticas da época barroca italiana, e em primeiro lugar à pintura. Os pintores de maior reputação nos fins do século XVI não foram romanos, nem florentinos, mas bolonheses.
Quanto à escultura, não se pode negar que foram criadas neste período obras de tanto interesse como as do século anterior.

A ARTE BARROCA EM ESPANHA

Não há dúvida de que, durante o século XVII, tanto na Itália como na Espanha, o Barroco se encontrava num ambiente propício.
A escultura religiosa dessa época, a imaginária policromada, revela uma tendência geral muito pronunciada, afastando-se dos traços anteriores de renascentismo, para representar direta e simplesmente a qualidade humana, com expressões patéticas. Isso é característico da sensibilidade do Barroco, que foge das formas clássicas, de invenção nacional e se impressiona com as formas complexas e emocionantes e as visões da morte, da miséria, do heroísmo e da glória. A transição da morte para a glória está representada pelas cenas sangrentas dos martírios.
Jamais se fez uma escultura que de modo tão direto se destinasse a despertar ou a evocar o sentimento. É de uma sinceridade absoluta no seu patetismo, e daí a grande força que possui.
A pintura espanhola do século XVII é fundamentalmente realística. Apesar de continuarem a predominar os temas religiosos, todos os aspectos desta arte se encontram marcados pela tendência para a reprodução integral de quaisquer aspectos da realidade visível.

O “GRAND SIÈCLE” FRANCÊS

A obra de consolidação e engrandecimento da monarquia francesa empreendida por Henrique IV teve eficazes continuadores nos grandes ministros de seu filho e de seu neto, Luís XIII e Luís XIV. Sully e Richelieu, Mazarino e Colbert foram gigantes que se revelaram capazes de sustentar o peso enorme daquele governo absolutista. E Colbert pode ser considerado como o grande homem de Estado que levou a França àquele período de grandeza política e cultural a que se chamou, significativamente, o grand siècle - as glórias de uma época que, no século XVIII, Voltaire, compararia à de Péricles, em Atenas, e à de Augusto, em Roma. Pelo seu governo pessoal, Luís XIV identificou-se com o Estado: <<>> Todas as grandes iniciativas públicas partem do trono.
Sendo a arte uma força ativa, Colbert também quis aproveitá-la a serviço do Estado. São criadas no século XVIII as Academias: Académie Française (1635 ), Académie de Sculpture et de Peinture (1648 e reorganizada em 1664), Académie d’Árchitecture (1665). A arte oficial francesa daquela época é, portanto, uma arte dirigida, à qual se pretendeu dar, para maior grandeza, uma feição inteiramente clássica, regressando aos grandes mestres do século XVI e aos antigos.
Apesar de toda a ambiguidade de que se padece o adjetivo clássico, é evidente que se manifesta na arte francesa do século XVII uma resistência ao Barroco e aos seus valores retóricos, de fantasia e de exaltação sentimental.
A regra de ouro desse classicismo pode ser resumida, segundo: Clareza sutil, riqueza e sobriedade, obediência inteligente a uma norma, mas sem escravidão às regras, concentração pela eliminação do supérfluo; tudo isso define esta doutrina racionalista.
Todavia, não se pode dizer que a França tenha permanecido à margem do desenvolvimento do barroquismo, o que é amplamente demonstrado pelas hesitações entre o Barroco e o <> patentes nos edifícios da primeira metade do século XVII.
Sob Henrique IV e Luís XIII, Paris começou a ganhar a sua fisionomia atual, graças a grandes obras de reforma urbana.
O château por excelência - o palácio, que resume as características do classicismo francês do grand siècle, com seu ingrediente de força cenográfica barroca, é o que foi construído em Versailles. Quando Luís XIII comprou aquelas terras, em Versailles, edificou o palacete que mais tarde, foi transformado de modesta residência no faustoso palácio que hoje conhecemos, por Luís XIV, seu sucessor.
Uma famosa tradição de busto-retrato, solenemente enfático, mas de inegável elegância e, por vezes, de grande penetração psicológica, nasce na França por esses dias, sob a proteção oficial da Academia. A tendência dominante na escultura era, pois, de um Classicismo de cunho francês, na sua feição cortesã.
Quanto a pintura francesa, é mais difícil traçar um resumo da sua evolução a partir do reinado de Luís XIII, porque, depois de um prolongado marasmo, esta arte ressurge com aspectos que dificilmente encontrariam acolhimento na escultura <> da época, mantida em submissão obediente às diretrizes emanadas da Academia.
Pelo menos uma parte dos pintores franceses do século XVII manteve-se alheia por completo àquelas diretrizes unificadoras, num ambiente de liberdade artística avesso à altissonante (pomposa) exaltação do rei e do Estado ou aos temas da arte áulica (cortesã), mitológicos, simbólicos ou outros.
Evoca-se na pintura o interesse pelas intimidades familiares ou pelas cenas do meio rural. Arte franca e austera, não pôde ficar alheia ao fervor religioso que inquieta e apaixona tantos generosos e nobres espíritos, depois das ferozes guerras de religião da época anterior.
Sucedeu no campo da pintura francesa da época um fenômeno análogo ao que descrevemos na evolução da arquitetura, pois em ambas se manifestou, numa primeira fase, nítida indecisão entre o Barroquismo e os conceitos “clássicos” do espírito antibarroco.

A ARTE BARROCA NA FLANDRES E NA HOLANDA

A escola artística que florescera nos Países Baixos durante o século XV, época em que estas regiões pertenciam ao ducado de Borgonha, acabou por se cindir em dois ramos cada vez mais divergentes: o flamengo e o holandês.
Na arquitetura, Flandres mostrou-se receptiva ao Barroco. Na segunda metade do século XVI, o Renascimento de inspiração italiana afirmara-se. Este “romanismo” arquitetural e a ocupação espanhola facilitaram a adoção do Barroco, difundido pelos Jesuítas como estilo romano da Contra-Reforma.
Na Holanda, pelo contrário, verifica-se neste período uma indiferença às formas barrocas. A rica burguesia protestante holandesa em dinâmica ascensão amava a simplicidade estrutural dos edifícios de tijolo.
Por volta de 1630 difunde-se pela Holanda, talvez por influência inglesa, um novo estilo clássico que corresponde perfeitamente ao gosto pela simplicidade, manifestado pelos abastados burgueses holandeses.
A escultura flamenga do século XVII, acentuadamente barroca, chega a extremos de agitação, quase teatral. A matéria preferida é a madeira não policromada, em contraste com as grandes massas pétreas das igrejas. Os púlpitos e os confessionários, sobretudo, enchem o espaço sagrado formal, grandiloquente.
Nos templos holandeses, ao contrário das igrejas de Flandres, a escultura é rara, vítima da iconoclastia puritana do calvinismo, limitando-se às representações funerárias, de um realismo áspero, sem que deslumbra qualquer decoração alegórica.
Tal como sucede na arquitetura e na escultura, também a pintura flamenga e a holandesa seguirão por caminhos diferentes. Em Flandres, se afirmavam as características nacionais ao ritmo da prosperidade econômica.
A plenitude da pintura holandesa começou a afirmar-se, quase em coincidência, com o reconhecimento da independência nacional em 1609, manifestando logo os traços nacionais deste povo: o amor à terra natal e ao lar, a aversão a toda espécie de pomposidade áulica, um protestantismo puritano, o amor às instituições republicanas que tinham assegurado-depois de uma longa e terrível luta – a independência da nação.
O espírito da arte holandesa manifestou-se de modo muito original num gênero novo que não pode ter outro nome senão o de “retrato coletivo”. São as chamadas doelen stukken, com temas de comemoração ou festividade. Outro tipo de retrato é o individual e o grupo familiar com temas da rotineira intimidade familiar.
O “retrato” da Holanda que nos legaram estes pintores do século XVII é completado pela evocação dos seus panoramas. Foi aqui, e nesta época, que a paisagem ganhou a verdadeira independência como gênero pictural. Pouco a pouco, o fundo paisagístico que aparecia nos quadros do século XV foi ocupando um espaço crescente nas telas, até o ponto de atrair toda a atenção do artista, enquanto as figuras vão ficando menores e mais raras. Chega até a desaparecer o assunto anedótico, que dominara os primeiros planos das pinturas destinadas a evocar cenas ao ar livre.
Afins dos paisagistas são os pintores de marinha. O mar, designado por “segunda pátria dos Holandeses”, proporciona numerosos e variados temas que foram cultivados a fundo pelos artistas do século XVII.
Finalmente, devemos referir-nos aos pintores de naturezas-mortas, que – diferentemente do que encontramos na natureza-morta à maneira flamenga – representavam mesas com frutos diversos junto de vários objetos, em composições ricas que se prestavam em alto grau à perícia artística na difícil reprodução de peças de cristal, de taças e jarros de prata ou de vasilhas e pratos de porcelana chinesa. Estes artistas converteram em tema preferido dos seus quadros o que até então fora tido por acessório. Assim alcançou a sua emancipação definitiva o objeto, que fora ganhando mais e mais importância.

A ARTE BARROCA EM INGLATERRA, NA EUROPA CENTRAL E NA RÚSSIA

Em nenhum período da história da Inglaterra ocorreram transformações políticas tão radicais como no século XVII. Esta revolução – conhecida como a <> - definiu as instituições britânicas em moldes que perdurariam até hoje: governo parlamentar, o anglicanismo como religião do Estado, tolerância religiosa e liberdade de imprensa.
Como se esperava, estas mudanças refletiram-se nas transformações da arte inglesa do século XVII, que, por fatores de ordem religiosa – como a fanática oposição puritana à escultura e à pintura nos preceitos do culto anglicano -, ou por circunstâncias acidentais – como o incêndio de Londres em 1666 -, teria a sua expressão mais notável no campo da arquitetura.
Durante as quatro primeiras décadas do século – nos reinados de Jaime I e Carlos I – a arquitetura prosseguiu pelas veredas do Gótico tardio. Foi um estilo de longa vida na Inglaterra: apesar das mudanças estilísticas posteriores, iria manifestar-se em muitas construções até o final do século XIX. Todavia, a arquitetura desta época não mereceria atenção especial se não tivesse aparecido a figura do londrino Inigo Jones (1573-1652), introdutor do classicismo italiano.
A escultura inglesa dos começos do século XVII acompanhou, com variada fortuna, os postulados estilísticos italianos. A escultura sofreu um eclipse total, devido à hostilidade dos puritanos às imagens e retratos. Só nos finais do século XVII, por influência do classicismo francês, a escultura inglesa começou a dar sinais de certa vitalidade.
Tal como a escultura, também a pintura britânica do século XVII teve uma existência frustrante.
Na Europa central, o desenvolvimento artístico foi quase nulo na primeira metade do século XVII, por causa da Guerra dos Trinta anos (1618-1648). O fim do estado de guerra (1648) e o regresso à normalidade permitiram o renascimento das atividades artísticas. A arquitetura romana de Bernini, Borromini e Guarini encontrou na Europa central um acolhimento entusiástico, surgindo nesta região algumas das mais esplêndidas interpretações do Barroco italiano, especialmente no período a que os historiadores chamam de Barroco tardio (1680-1750). Só no período tardio do Barroco, o spätbarock dos tratadistas alemães, se tornou possível o desenvolvimento desta arquitetura aparatosa, que virá fundir-se, já avançado o século XVIII, com o brilhante Rococó germânico. Os núcleos mais representativos deste movimento encontram-se espalhados por uma vasta área da Europa central: Áustria, Boêmia, Francônia, Baviera, Suábia, e Suíça oriental, regiões onde o domínio ou a influência da igreja católica favoreceram um surto notável da arquitetura criada pelos mestres italianos do Barroco. Igrejas, catedrais, mosteiros, são erguidos ou reconstruídos por toda parte. Mas não se deve identificar Barroco com catolicismo, porque também houve uma notável arquitetura civil. Os príncipes desta Europa procuraram exaltar o seu diminuto poder com obras que lhes perpetuasse a memória, tal como Luís XIV fizera em Versailles. E algo de semelhante aconteceu nas regiões protestantes – mais ligadas ao gosto rococó – do Wurtemberg, da Saxônia e da Prússia, onde, se os monumentos religiosos são escassos, os príncipes protestantes rivalizaram com os católicos pelo luxo e magnificência dos seus palácios.
A partir de 1683, data do cerco da cidade e do segundo retrocesso dos Turcos, Viena tornou-se o centro do barroquismo austríaco.
As destruições da Guerra dos Trinta Anos refletiram-se ainda por muito tempo no período subsequente, de lenta recuperação. Populações arruinadas não podiam proporcionar, no século XVII, um mercado capaz de manter uma pintura alemã florescente. A maioria dos pintores emigraram.
Na Rússia repetiu-se com o Barroco o mesmo fenômeno sucedido nos tempos do Renascimento: também vieram artistas de fora, sobretudo italianos e franceses, mas não tardou que as suas teorias se fundissem com as tradições artísticas locais.
Só no fim do século (1699), a arte russa sofreu mudanças radicais - Revolução ocidentalizante. As tradições mais arraigadas, artísticas ou outras, foram combatidas pelos mais variados meios.

Fonte:

Ø História da Arte. Salvat Editores Editora do Brasil Ltda. Tomo 7. Capítulos 1, 3, 5, 6 e 10. S.P.