sexta-feira, 13 de março de 2009

ARTE ROCOCÓ

PREFEITURA DE SÃO GONÇALO
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

HISTORIANDO AS ARTES III

ARTE ROCOCÓ

O rococó não produziu uma teoria estética própria, orgânica. Nem tão pouco arranjou um nome. O que hoje tem foi-lhe dado, por uma larga experiência, pelos seus detratores, que deformaram num sentido depreciativo e caricatural o termo rocaille, palavra francesa usada para indicar o principal motivo ornamental das grutas então em moda, as conchas.
A sua delimitação é, com muita freqüência, estabelecida em termos de gosto: sublinha-se como o rococó visava a graça, a elegância, o requinte, a alegria, o brincar, o exuberante. De uma maneira mais filosófica procura-se fazer a distinção entre o rococó e o barroco, que utilizaram um aparelho formal e decorativo para muitos objetivos diferentes e que muitas vezes estiveram presentes, ao mesmo tempo, no mesmo país, até na mesma obra, notando-se como o rococó procurava o bellum, ou seja, o agradável, o requintado, o desenvolto, sutilmente sensual, enquanto que o barroco se inclinava para o pulchrum, isto é, para o imponente, o sublime, o palaciano, o grandiloquente.
Na arquitetura, o freqüente abandono das ordens clássicas ou, pelo menos, das regras de ferro que regiam o seu uso; a diferenciação dos edifícios conforme as suas funções; o nascimento do conceito do “interior”, como definição unitária, indiferente ao resto do edifício, de um ambiente, da ornamentação geral em favor dos pormenores minuciosos.
Na escultura e na pintura, o abandono dos temas grandiosos de proporções majestosas, em benefício de temas mais “ligeiros” e agradáveis, de pequenas dimensões e requintados, de cores suaves e etéreas.
Foi a França quem iniciou o processo. Mas foi, pelo menos na arquitetura, a Alemanha que produziu o maior número de realizações, alargando também o estilo – que no país de origem se limitou às moradias senhoriais à arquitetura monumental, civil e religiosa.
Mas não foram só a Alemanha e a França as pátrias únicas do estilo: os outros países juntaram a estes expoentes uma constelação de florescimentos menores.
É incontestável que se pode ver no novo estilo que começou a afirmar-se em França no princípio dos séculos XVIII uma reação contra o passado recente.
Sentia-se a necessidade, depois de tanta palaciana e austera grandeza, de uma maior intimidade, leveza e conforto. O gosto tende a preferir o requinte aristocrático à majestade real.
Um dos elementos centrais do movimento, aquele que acabará por dar o nome à sua parte central, é precisamente um elemento decorativo, o rocaille, uma ornamentação com motivos e formas derivados de conchas de vieiras.
As fachadas conheceram um decidido processo de alisamento e achatamento. Tudo quanto criava um forte contraste foi abolido.
Foi eliminada ou reduzida ao máximo possível a presença de esculturas monumentais, limitando-as à ornamentação de jardins.
A elaboração do interior diverge da do exterior. Enquanto que na fachada se assiste a uma radical diminuição dos ornamentos, no interior, o ponto de partida é uma riquíssima ornamentação. O novo estilo, em concordância com os seus próprios princípios, dá origem a uma substancial independência entre o exterior e o interior. As duas estruturas não possuem, como ponto de contato, senão as amplas e numerosas aberturas que rasgam a fachada.
Esta ornamentação é inspirada no rocaille, isto é, no motivo das conchas de vieiras. Os elementos de partida são poucos: a forma ondulada das conchas, a curva em S, a curva em C, o arco quebrado numa série de curvas. Mas as variações que os artistas do rococó saberiam dar-lhes são inumeráveis, variadíssimas. E não só: as formas criadas com estes motivos viriam a ser usadas a todas as escalas pelos artistas da época: tanto na ornamentação miniatural do objeto, como da decoração do conjunto arquitetônico. E será isto que constituirá um dos elementos característicos do estilo.
Também a iluminação é profundamente modificada, em relação à época precedente. À janela de sacada, característica do barroco, prefere-se agora a porta-janela. Deste modo, entra muito mais luz, e, ao mesmo tempo evita-se que a janela surja como um “buraco” na parede, transformando-a pelo contrário, num harmonioso vão. Mas, acima de tudo, permite a entrada de uma luz rasante, e que permite a eliminação de ângulos mortos, não iluminados: uma coisa que o rococó tem enorme horror.
Esta luz clara, difusa, vai então iluminar paredes brancas: a mais clara e luminosa de todas as cores. A isto acrescenta-se o tênue esbatido de outras tintas, numa sinfonia sempre suave. Virá também a moda, um pouco mais tarde, de substituir o branco por outras cores, mas muitíssimo tênues e esfumadas: azul claro, amarelo claro, rosa, às quais se unem também, mas parcimoniosamente, o ouro e a prata, para sublinhar os ornamentos e os relevos.
A isto junta-se o uso, e por vezes o abuso, dos grandes espelhos. Já eram usados na época precedente e a Galerie dês Glacês de Versalhes é disto o exemplo mais flagrante. Mas agora tornam-se num elemento essencial de todos os interiores. Multiplicam-se e refratam-se as luzes e realçam-lhe os efeitos. De resto, integram-se no gosto mais geral da época por tudo que é brilhante: móveis de superfície brunidas e polidas a cera, sedas luzidias e veludos para os vestidos e os estofos, o esplendor perolífero das porcelanas, dos vernizes e das incrustações de madrepérola, o esplendor dos brilhantes, usados a toda a hora e a qualquer pretexto.
Evidentemente, trata-se da mesma maneira a iluminação superficial. Esta é sempre dada por velas de cera, de luz suave e cálida, postas a meia altura para não ferir os olhos e para não criar contrastes de luz sobre os rostos. A disposição clássica compreende numerosos appliques nas paredes, ou grandes lustres centrais. E naturalmente, os lustres preferidos são os venezianos, de pingentes de vidro que refratam a luz das velas.
O rococó não gosta nada de elementos pesadões. É por isso que se renuncia ao uso, típico do barroco, de grandes pinturas em trompe l’oeil.
Este estilo dominou a França na primeira metade do século XVIII, com gradações que vão da fase primitiva da Regência ao apogeu do rocaille e à fase tardia do estilo Pompadour: respectivamente, entre 1715 e 1730, entre 1730 e cerca de 1745 e entre esta última data e 1756. Mas bem depressa se espalhou também para além das fronteiras francesas. O seu sucesso foi, porém, notavelmente diverso de país para país. E isto devido ao seu próprio e peculiar caráter.
Dadas as suas origens e características, o rococó não foi um estilo favorável à escultura monumental. Tanto nos interiores como nos exteriores, a decoração plástica como ornamento ou como parte integrante da arquitetura (estátuas, cariátides, atlantes) recobre a quase totalidade das superfícies. Os únicos locais em que se manterá o uso de composições escultóricas de grande porte serão os jardins.
Atualmente, não era possível, nem foi desejada, a completa desaparição do gênero. Apareceram sempre imponentes esculturas nos edifícios oficiais, ou a ornamentar as grandes praças nas cidades assinalavam as freqüentes iniciativas urbanísticas da época.
Se desprezou, ou, pelo menos, descurou a plástica de grandes dimensões, o rococó valorizou muitíssimo a de menor escala, bastante mais consoante com a sua arquitetura e as suas salas. E também muito mais fácil de transformar segundo o novo espírito: sofisticado, galante. Realmente, modificam-se os temas da escultura: Pan, deus pastoril, e Vênus, deusa da beleza e da graça, substituem as divindades maiores utilizadas nas alegorias da época precedente. E assim todos os seus temas “menores”, descomprometidos, como diríamos hoje, triunfam sobre os “sérios”.
Para dizer a verdade, esta é a tendência francesa. Na Alemanha, os cânones do rococó (graça formal, leveza de tratamento, graciosidade nas poses e atitudes) foram igualmente aplicados na escultura religiosa. Aqui, será preferido este gênero ao profano, de inspiração mitológica.
Um outro “gênero” que continuou a ser muito apreciado foi o retrato de meio corpo, exemplo clássico daquela plasticidade “móvel” e a que se confiava a tarefa de personalizar e enriquecer o mobiliário. Com a mesma finalidade, o retrato passou a ser ladeado por um grande mostruário de pequenas esculturas de diversos formatos e de diversos materiais, mas de temas amavelmente graciosos, sutilmente sensuais. Por exemplo, o tema da jovem mulher, ou da adolescente, que brinca com um cachorrinho, mantido no ar com os seus próprios pés, espalhou-se largamente na escultura da época.
O material favorito é, para a escultura monumental, o chumbo (e o bronze, devido à sua qualidade representativa). Isto principalmente no que respeita as estátuas dos jardins e das fontes, nas quais o cair e movimentação da água se casa bem com a sua falta de brilho. Quanto ao retrato, domina o mármore. Este, na época do rococó, é tratado de maneira a retirar-lhe peso aligeiramento da superfície, até lhe fazer assumir a macieza (e o brilho) da seda. Nas esculturas menores, utilizam-se o chumbo, a argila e o gesso. Na Alemanha, com muita freqüência, a madeira. Mais tarde, em França, afirmar-se-á o biscuit, ou seja, um tipo especial de porcelana, cozida por duas vezes e sem vidrado.
Aqui, chegamos ao ponto fulcral. Porque o verdadeiro, o inato material do rococó é a porcelana. O seu uso é de tal forma ligado ao estilo que já houve quem chegasse a justificar com ela o próprio nascimento do movimento rococó, ou, ao menos, das suas formas. Claro que se trata de um exagero. Mas a verdade é que não foi por acaso que o rococó descobriu a porcelana (graças ao alemão Böttger, na primeira década do século XVIII), invenção chinesa que até aquele momento a Europa se mostrara incapaz de imitar. Ela correspondia ao gosto, próprio do novo estilo, pelos objetos pequenos, graciosos, frágeis, elaborados e requintados. E punha à disposição da escultura de pequenas dimensões um material muito seu, libertando-a do emprego dos mesmos materiais utilizados nas esculturas maiores. Com ele, a pequenina escultura podia tornar-se em algo de fino em si mesmo, num brinquedinho, e não numa réplica em pequena escala de um tema monumental.
O sucesso do novo material foi enorme. À inicial manufatura de Meissen bem depressa se juntaram outras, as de Nymphenburg, de Berlim, de Capodimonte, de Chelsea, do Buen Retiro, de Sèvres, de Viena. Cada corte tinha a sua e cada uma delas produzia um tipo característico de porcelana, com temas galantes, requintados, que talvez sejam os melhores representantes do rococó e do seu gosto sem fronteiras. Nestes ateliers, trabalharam os mais geniais escultores da época. Ao princípio (e sobretudo na produção de Meissen), usaram-se as cores vivas, com combinações arrojadas. Mas depressa se afirmaram paletas mais esbatidas, tons delicados ou simplesmente o branco, uma maior graça, sobriedade e ligeireza.
Aplicou-se às porcelanas, como é natural, o grande amor que na época do rococó se nutria pelas chinoiseries, pelos aspectos exóticos e pela representação de assuntos e motivos não europeus. Tendência ativa a todos os níveis, tanto na arquitetura como na ornamentação miniatural, mas evidentemente mais fácil de aplicar nas realizações menores e num material que era de origem, em si mesmo, exótico.
A grande produção de porcelanas era, como já dissemos, de “côrte”, ou seja, por encomenda e com temas aristocráticos. Mas também se afirmou ao lado desta uma farta produção de cerâmica de gosto populista, que encontrou grande aceitação nos países meridionais (sobretudo em Itália) e foi aplicada, tipicamente, na arte sacra, em especial em presépios. Foi ainda na Itália que a ornamentação em estuque alcançou o maior apogeu.
Mas vale a pena notar como mesmo a ornamentação em estuque, tradicionalmente confiada a companhias de artesãos que viajavam de terra em terra, foi um dos maiores veículos, em toda a Europa, do gosto rococó e um dos principais fatores determinantes de que esse gosto fosse muito mais nivelado nesta arte do que o foi nas artes maiores, a arquitetura e a pintura.
Se do panorama das realizações passarmos à temática formal, verificaremos que também na escultura, como já acontecera na arquitetura, uma transbordante variedade de efeitos deriva de uma reduzidíssima gama de temas inspiradores. As linhas mestras são as do rocaille: a curva em S, a curva em C. É sobretudo a linha em S que se aplica constantemente e com infinita doçura, requinte e fluidez. Mas uma escultura rococó mostra uma acentuação no ritmo das curvas que a identifica. A curvatura também é, tipicamente, bastante acentuada, a ponto de chamar sobre si as farpas dos críticos que vieram depois.
Pelo contrário, trata-se de estátuas sinuosas, infinitamente desenvoltas, quase dançando. Por vezes, caprichosas. Freqüentemente maliciosas. A pose pode ser lânguida, mas é sempre medida, espontânea ou tão elegante que não trai o quão estudada foi. A atitude cortesã é, por via de regra, predominante. Diferem, por vezes, como já acentuamos, os temas. Em França, de acordo com a origem e o desenvolvimento profano do rococó, a escultura é, na sua maior parte, mitológica, com preferência pelos aspectos menores da mitologia. Nos países de língua alemã, e sobretudo naqueles da Alemanha meridional, apresentam-se também temas religiosos. Por outro lado, sem renunciar ao espírito, muito mais que transcendente, do novo estilo. O resultado foi “um contraste entre o tema e a forma galante” com que o próprio assunto era tratado: e era mesmo sobre este contraste que insistiam os artistas, fazendo com que ele se tornasse o ponto fulcral das suas criações.
Outras características deverão ser ao menos afloradas. A teatralidade do novo estilo, por exemplo. Ou seja, em muitas configurações, um recordar, e mesmo uma abordagem do mundo do teatro. Não só pela recuperação dos personagens característicos do teatro, como também pela utilização de artifícios teatrais.
A majestade e o dinamismo do barroco começavam a dar lugar à agilidade, ao gracioso jogo de linhas e de superfícies dos novos tempos.
Na decoração dos edifícios, os grandes frescos em trompe l’oeil desapareceram. De ora em diante, a presença da pintura nos edifícios ficará circunscrita às grandes telas inseridas nos panneaux, ou nas lunetas, como elementos estáveis. E também às pequenas telas de cavalete, isoladas ou recolhidas nos cabinets, nas pequenas galerias especiais, como elementos móveis dispostos conforme o gosto dos seus proprietários. Os “gêneros” em voga também mudaram. Desenvolviam-se outros novos, até então inexistentes. Outros ainda modificavam-se e eram executados segundo novos métodos.
Uma das invenções é a da fête galante, do idílio festivo e aristocrático-pastoril, na qual sobressai o gênio pictórico do rococó inicial. Gênero já existente, mas agora amplamente revalorizado é o quadro paisagístico a “vista”. Um gênero já há longo tempo usado, mas agora profundamente modificado na sua expressão e na maneira como é executado, é o retrato. Uma época intimista e individualista como o rococó fará dele um dos seus tipos favoritos, numa vasta gama de expressões: do retrato ágil e coloristicamente festivo, até ao clássico, ao retrato em vestes históricas ou historicizantes, ao sereno e “burguês”, aos cálidos e festivos aos apologéticos, aos sfumati e sensíveis, aos retratos de chave psicológica.
No retrato (mas não apenas no retrato), será muito bem acolhido o pastel, técnica especial de pintura. A meio caminho entre o desenho e a pintura, com resultados ao mesmo tempo vivamente impressionísticos e (devido aos tons esbatidos da cor) singularmente artificiais, estilizados, semelhantes aos de uma porcelana colorida, o pastel é, tal como a porcelana, uma técnica artística o mais coerente possível com o rococó.
A simbologia também muda. Os grandes temas, os dos mestres, os conteúdos palacianos, cedem o terreno a assuntos mais superficiais e alegres. As divindades menores, ninfas, sátiros, náiades (ninfas dos rios e das fontes), bacantes, substituem Júpiter, Juno e Apolo. Os mesmos coloridos e ornamentos típicos da divindade marinha tornam-se nos mais utilizados para os acordos cromáticos e os repertórios ornamentais: o rosa das conchas e o branco da madrepérola, o azul do mar e o branco da espuma, composições que seguem o ritmo da ligeireza das ondas, ornamentações inspiradas em conchas e em corais.
O divertimento é um dos elementos essenciais, fundamentais, do rococó. O divertimento nas formas, no amor, nas relações humanas. É também o divertimento na sua essência. E isto desencadeou a aproximação ao mundo dos adolescentes e, desse modo, a simpatia com que esse mundo é sempre olhado, retratado, até mesmo imitado. Um outro aspecto, igualmente fundamental, é o da ornamentação exuberante, devoradora, inexaurível tendência decorativa que é o motor de todo o estilo. Torna-se comum, o “quadro sem molduras”, delimitado por um sempre crescente entrelaçamento de ornamentação rocaille. Até que elas, pouco a pouco, acabaram por se tornar em todo o quadro, reduzido a apresentar a ornamentação: ornamento e objeto, ao mesmo tempo.
A esta visão de conjunto, cada país acrescenta toques e enriquecimentos particulares. A França, centro impulsionador do estilo na pintura como nas outras artes, talvez seja, neste período, a nação mais rica de pintores talentosos.

Fonte:

Ø CONTI, Flávio. Como reconhecer a arte Rococó. Livraria Martins Fontes Editora Ltda. S.P

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

ARTE BARROCA

HISTORIANDO AS ARTES III

A ARTE BARROCA EM ITÁLIA

A origem e o processo de formação da arte barroca são ainda mal conhecidos, tendo sido necessário retificar muitos dos conceitos ainda há bem pouco correntes acerca dos fatos e dos homens dessa época e opiniões erradas por carência de fundamento ou por viciada interpretação.
Decadência moral, crise religiosa e outros males graves foram assacados a esses tempos, em que viveram afinal figuras escritores, artistas e santos da maior grandeza que na Europa nasceram.
Não só é imprecisa a fronteira entre o Renascimento e o Barroco, como também não se chegou a um acordo definitivo quanto ao sentido deste conceito ou da própria palavra que o exprime.
Uns afirmam que deriva de baroco, termo escolástico (relativo à escola); outros entendem que provém do latim verruca, “verruga”, “saliência ou defeito ligeiro”; com mais verossimilhança, deu-se como raiz a palavra portuguesa barroco, com que se designavam as pérolas de superfície irregular. Apesar de ser bastante empregada no século XVII, com o sentido de coisa singular, bizarra ou caprichosa, foram os tratadistas neoclássicos do século XVIII que lhe deram ampla circulação, como sinônimo de estilo extravagante e decadente, artificioso e sobrecarregado. Só em 1888 o grande historiador da arte Heinrich Wölfflin, num livro famoso, Renascimento e Barroco, estabeleceu as bases para uma apreciação mais justa do alcance e do sentido desse período histórico-cultural que sucede ao Maneirismo e se lhe opõe intelectual e esteticamente.
Também se discute o local e a data da sua aparição, sempre difíceis de estabelecer para qualquer movimento artístico de raízes complexas. Enquanto o Barroco foi considerado uma continuação ou um desenvolvimento das concepções maneiristas podia-se considerá-lo já formado nas duas últimas décadas do século XVI. Mas esta relação foi negada pela maioria dos historiadores atuais, em cuja opinião o Barroco apenas se afirma com caracteres bem definidos cerca de 1630, nas primeiras obras de Gian Lorenzo Bernini (1598-1680). É uma arte que se desenvolve num panorama cultural em que os fatores religiosos exerceram um papel preponderante. A grande crise da Reforma dissociara o mundo cristão ocidental: a Dinamarca, a Suécia, a Inglaterra, os Países Baixos e grande parte da Alemanha tinham quebrado os laços com o papado, enquanto as hostes (tropas) turcas de Solimão ocupavam a Hungria e levavam o estandarte do Islã até as portas de Viena.
A igreja católica atravessou neste período uma situação dificílima, a que não foi estranha a corrupção de alguns dos seus responsáveis. Mas o Concílio de Trento e uma nova ordem religiosa, a Companhia de Jesus, reforçaram o catolicismo e deram-lhe meios e um estilo de combate que lhe permitiu não só consolidar as posições que ainda mantinha, mas também recuperar muito do terreno perdido.
Haviam passado os dias da requintada e calma análise intelectual ou da contemplação individualista, visando à perfeição pessoal; afirmam-se novas atitudes, de combate e propaganda, de conversão e polêmica, alargada a mais vastos setores. As forças inconsistentes e afetivas, não racionais, ganharam então novas dimensões e os homens da Contra-Reforma tiveram nítida consciência destes estados de sensibilidade coletiva. Com suprema habilidade, souberam aproveitá-los para os seus fins, bem cientes da eficácia de uma propaganda apoiada em fatores emocionais habilmente dirigidos.
Pelos caminhos do sentimento se alcançava a inteligência e a adesão das vontades. E por isso assistimos ao desenvolvimento de uma arte religiosa emotiva e teatral, ordenada pelos conceitos de ordem espiritual e social que se encontram na base da Contra-Reforma e utilizando sobremaneira o poder da sugestão e força do prestígio, nas mais variadas formas.
Os fundamentos da arquitetura barroca, essencialmente religiosa e palaciana, estão ligados à grande transformação urbanista da Roma do século XVII e às obras de dois arquitetos geniais, Bernini e Borromini. Mas as origens do Barroco vêm de mais longe, da própria crise do classicismo renascentista, logo nos primeiros decênios do século XVI, chegando alguns até ao exagero de atribuir a Miguel Ângelo a paternidade dessas novas concepções formais.
Novas famílias entram em cena na vida social e política de Roma, pois as fortunas mudaram. Aos Colonna, Orsini e Farnésio sucedem os Borghese, Doria, Pamphili e Barberini.
Estas são as linhagens dos papas dos tempos barrocos enriquecidos pelo nepotismo (favoritismo) desenfreado. E por isso os palácios Borghese, Barberini e Doria-Pamphili são as grandes residências desta época.
O grande período barroco, o que produziu as obras arquitetônicas mais admiráveis, situa-se aproximadamente entre 1625 e 1675 e está dominado pelos nomes de três grandes arquitetos: Pietro da Cortona (1596-1669), Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) e Francesco Borromini (1599-1667).
Não só as zonas próximas de São Pedro, mas toda a cidade de Roma, sofreram grandes obras de urbanização, dirigidas por arquitetos e escultores barrocos. A Roma monumental dos nossos dias é essencialmente a dos cardeais e papas dos tempos do Barroco; cada príncipe da Igreja embelezou os arredores do seu palácio com avenidas, praças e fontes.
As fontes barrocas de Roma são um dos seus mais atraentes adornos. Por vários aquedutos da Roma dos Césares continuavam fluindo abundantes caudais para o interior da cidade, trazendo muito mais água que a necessária para a população, menos numerosa que na Antiguidade.
Das sobras se aproveitaram os arquitetos dos séculos XVI e XVII para embelezar Roma com magníficas fontes, que são ainda hoje o seu melhor ornamento e que foram imitadas em toda parte. As duas mais célebres são a de Trevi e a Acqua Paola.
Outra das fontes afamadas de Roma é a da Fontana dei Quattro Fiumi.
Mas já é tempo de nos referirmos às artes plásticas da época barroca italiana, e em primeiro lugar à pintura. Os pintores de maior reputação nos fins do século XVI não foram romanos, nem florentinos, mas bolonheses.
Quanto à escultura, não se pode negar que foram criadas neste período obras de tanto interesse como as do século anterior.

A ARTE BARROCA EM ESPANHA

Não há dúvida de que, durante o século XVII, tanto na Itália como na Espanha, o Barroco se encontrava num ambiente propício.
A escultura religiosa dessa época, a imaginária policromada, revela uma tendência geral muito pronunciada, afastando-se dos traços anteriores de renascentismo, para representar direta e simplesmente a qualidade humana, com expressões patéticas. Isso é característico da sensibilidade do Barroco, que foge das formas clássicas, de invenção nacional e se impressiona com as formas complexas e emocionantes e as visões da morte, da miséria, do heroísmo e da glória. A transição da morte para a glória está representada pelas cenas sangrentas dos martírios.
Jamais se fez uma escultura que de modo tão direto se destinasse a despertar ou a evocar o sentimento. É de uma sinceridade absoluta no seu patetismo, e daí a grande força que possui.
A pintura espanhola do século XVII é fundamentalmente realística. Apesar de continuarem a predominar os temas religiosos, todos os aspectos desta arte se encontram marcados pela tendência para a reprodução integral de quaisquer aspectos da realidade visível.

O “GRAND SIÈCLE” FRANCÊS

A obra de consolidação e engrandecimento da monarquia francesa empreendida por Henrique IV teve eficazes continuadores nos grandes ministros de seu filho e de seu neto, Luís XIII e Luís XIV. Sully e Richelieu, Mazarino e Colbert foram gigantes que se revelaram capazes de sustentar o peso enorme daquele governo absolutista. E Colbert pode ser considerado como o grande homem de Estado que levou a França àquele período de grandeza política e cultural a que se chamou, significativamente, o grand siècle - as glórias de uma época que, no século XVIII, Voltaire, compararia à de Péricles, em Atenas, e à de Augusto, em Roma. Pelo seu governo pessoal, Luís XIV identificou-se com o Estado: <<>> Todas as grandes iniciativas públicas partem do trono.
Sendo a arte uma força ativa, Colbert também quis aproveitá-la a serviço do Estado. São criadas no século XVIII as Academias: Académie Française (1635 ), Académie de Sculpture et de Peinture (1648 e reorganizada em 1664), Académie d’Árchitecture (1665). A arte oficial francesa daquela época é, portanto, uma arte dirigida, à qual se pretendeu dar, para maior grandeza, uma feição inteiramente clássica, regressando aos grandes mestres do século XVI e aos antigos.
Apesar de toda a ambiguidade de que se padece o adjetivo clássico, é evidente que se manifesta na arte francesa do século XVII uma resistência ao Barroco e aos seus valores retóricos, de fantasia e de exaltação sentimental.
A regra de ouro desse classicismo pode ser resumida, segundo: Clareza sutil, riqueza e sobriedade, obediência inteligente a uma norma, mas sem escravidão às regras, concentração pela eliminação do supérfluo; tudo isso define esta doutrina racionalista.
Todavia, não se pode dizer que a França tenha permanecido à margem do desenvolvimento do barroquismo, o que é amplamente demonstrado pelas hesitações entre o Barroco e o <> patentes nos edifícios da primeira metade do século XVII.
Sob Henrique IV e Luís XIII, Paris começou a ganhar a sua fisionomia atual, graças a grandes obras de reforma urbana.
O château por excelência - o palácio, que resume as características do classicismo francês do grand siècle, com seu ingrediente de força cenográfica barroca, é o que foi construído em Versailles. Quando Luís XIII comprou aquelas terras, em Versailles, edificou o palacete que mais tarde, foi transformado de modesta residência no faustoso palácio que hoje conhecemos, por Luís XIV, seu sucessor.
Uma famosa tradição de busto-retrato, solenemente enfático, mas de inegável elegância e, por vezes, de grande penetração psicológica, nasce na França por esses dias, sob a proteção oficial da Academia. A tendência dominante na escultura era, pois, de um Classicismo de cunho francês, na sua feição cortesã.
Quanto a pintura francesa, é mais difícil traçar um resumo da sua evolução a partir do reinado de Luís XIII, porque, depois de um prolongado marasmo, esta arte ressurge com aspectos que dificilmente encontrariam acolhimento na escultura <> da época, mantida em submissão obediente às diretrizes emanadas da Academia.
Pelo menos uma parte dos pintores franceses do século XVII manteve-se alheia por completo àquelas diretrizes unificadoras, num ambiente de liberdade artística avesso à altissonante (pomposa) exaltação do rei e do Estado ou aos temas da arte áulica (cortesã), mitológicos, simbólicos ou outros.
Evoca-se na pintura o interesse pelas intimidades familiares ou pelas cenas do meio rural. Arte franca e austera, não pôde ficar alheia ao fervor religioso que inquieta e apaixona tantos generosos e nobres espíritos, depois das ferozes guerras de religião da época anterior.
Sucedeu no campo da pintura francesa da época um fenômeno análogo ao que descrevemos na evolução da arquitetura, pois em ambas se manifestou, numa primeira fase, nítida indecisão entre o Barroquismo e os conceitos “clássicos” do espírito antibarroco.

A ARTE BARROCA NA FLANDRES E NA HOLANDA

A escola artística que florescera nos Países Baixos durante o século XV, época em que estas regiões pertenciam ao ducado de Borgonha, acabou por se cindir em dois ramos cada vez mais divergentes: o flamengo e o holandês.
Na arquitetura, Flandres mostrou-se receptiva ao Barroco. Na segunda metade do século XVI, o Renascimento de inspiração italiana afirmara-se. Este “romanismo” arquitetural e a ocupação espanhola facilitaram a adoção do Barroco, difundido pelos Jesuítas como estilo romano da Contra-Reforma.
Na Holanda, pelo contrário, verifica-se neste período uma indiferença às formas barrocas. A rica burguesia protestante holandesa em dinâmica ascensão amava a simplicidade estrutural dos edifícios de tijolo.
Por volta de 1630 difunde-se pela Holanda, talvez por influência inglesa, um novo estilo clássico que corresponde perfeitamente ao gosto pela simplicidade, manifestado pelos abastados burgueses holandeses.
A escultura flamenga do século XVII, acentuadamente barroca, chega a extremos de agitação, quase teatral. A matéria preferida é a madeira não policromada, em contraste com as grandes massas pétreas das igrejas. Os púlpitos e os confessionários, sobretudo, enchem o espaço sagrado formal, grandiloquente.
Nos templos holandeses, ao contrário das igrejas de Flandres, a escultura é rara, vítima da iconoclastia puritana do calvinismo, limitando-se às representações funerárias, de um realismo áspero, sem que deslumbra qualquer decoração alegórica.
Tal como sucede na arquitetura e na escultura, também a pintura flamenga e a holandesa seguirão por caminhos diferentes. Em Flandres, se afirmavam as características nacionais ao ritmo da prosperidade econômica.
A plenitude da pintura holandesa começou a afirmar-se, quase em coincidência, com o reconhecimento da independência nacional em 1609, manifestando logo os traços nacionais deste povo: o amor à terra natal e ao lar, a aversão a toda espécie de pomposidade áulica, um protestantismo puritano, o amor às instituições republicanas que tinham assegurado-depois de uma longa e terrível luta – a independência da nação.
O espírito da arte holandesa manifestou-se de modo muito original num gênero novo que não pode ter outro nome senão o de “retrato coletivo”. São as chamadas doelen stukken, com temas de comemoração ou festividade. Outro tipo de retrato é o individual e o grupo familiar com temas da rotineira intimidade familiar.
O “retrato” da Holanda que nos legaram estes pintores do século XVII é completado pela evocação dos seus panoramas. Foi aqui, e nesta época, que a paisagem ganhou a verdadeira independência como gênero pictural. Pouco a pouco, o fundo paisagístico que aparecia nos quadros do século XV foi ocupando um espaço crescente nas telas, até o ponto de atrair toda a atenção do artista, enquanto as figuras vão ficando menores e mais raras. Chega até a desaparecer o assunto anedótico, que dominara os primeiros planos das pinturas destinadas a evocar cenas ao ar livre.
Afins dos paisagistas são os pintores de marinha. O mar, designado por “segunda pátria dos Holandeses”, proporciona numerosos e variados temas que foram cultivados a fundo pelos artistas do século XVII.
Finalmente, devemos referir-nos aos pintores de naturezas-mortas, que – diferentemente do que encontramos na natureza-morta à maneira flamenga – representavam mesas com frutos diversos junto de vários objetos, em composições ricas que se prestavam em alto grau à perícia artística na difícil reprodução de peças de cristal, de taças e jarros de prata ou de vasilhas e pratos de porcelana chinesa. Estes artistas converteram em tema preferido dos seus quadros o que até então fora tido por acessório. Assim alcançou a sua emancipação definitiva o objeto, que fora ganhando mais e mais importância.

A ARTE BARROCA EM INGLATERRA, NA EUROPA CENTRAL E NA RÚSSIA

Em nenhum período da história da Inglaterra ocorreram transformações políticas tão radicais como no século XVII. Esta revolução – conhecida como a <> - definiu as instituições britânicas em moldes que perdurariam até hoje: governo parlamentar, o anglicanismo como religião do Estado, tolerância religiosa e liberdade de imprensa.
Como se esperava, estas mudanças refletiram-se nas transformações da arte inglesa do século XVII, que, por fatores de ordem religiosa – como a fanática oposição puritana à escultura e à pintura nos preceitos do culto anglicano -, ou por circunstâncias acidentais – como o incêndio de Londres em 1666 -, teria a sua expressão mais notável no campo da arquitetura.
Durante as quatro primeiras décadas do século – nos reinados de Jaime I e Carlos I – a arquitetura prosseguiu pelas veredas do Gótico tardio. Foi um estilo de longa vida na Inglaterra: apesar das mudanças estilísticas posteriores, iria manifestar-se em muitas construções até o final do século XIX. Todavia, a arquitetura desta época não mereceria atenção especial se não tivesse aparecido a figura do londrino Inigo Jones (1573-1652), introdutor do classicismo italiano.
A escultura inglesa dos começos do século XVII acompanhou, com variada fortuna, os postulados estilísticos italianos. A escultura sofreu um eclipse total, devido à hostilidade dos puritanos às imagens e retratos. Só nos finais do século XVII, por influência do classicismo francês, a escultura inglesa começou a dar sinais de certa vitalidade.
Tal como a escultura, também a pintura britânica do século XVII teve uma existência frustrante.
Na Europa central, o desenvolvimento artístico foi quase nulo na primeira metade do século XVII, por causa da Guerra dos Trinta anos (1618-1648). O fim do estado de guerra (1648) e o regresso à normalidade permitiram o renascimento das atividades artísticas. A arquitetura romana de Bernini, Borromini e Guarini encontrou na Europa central um acolhimento entusiástico, surgindo nesta região algumas das mais esplêndidas interpretações do Barroco italiano, especialmente no período a que os historiadores chamam de Barroco tardio (1680-1750). Só no período tardio do Barroco, o spätbarock dos tratadistas alemães, se tornou possível o desenvolvimento desta arquitetura aparatosa, que virá fundir-se, já avançado o século XVIII, com o brilhante Rococó germânico. Os núcleos mais representativos deste movimento encontram-se espalhados por uma vasta área da Europa central: Áustria, Boêmia, Francônia, Baviera, Suábia, e Suíça oriental, regiões onde o domínio ou a influência da igreja católica favoreceram um surto notável da arquitetura criada pelos mestres italianos do Barroco. Igrejas, catedrais, mosteiros, são erguidos ou reconstruídos por toda parte. Mas não se deve identificar Barroco com catolicismo, porque também houve uma notável arquitetura civil. Os príncipes desta Europa procuraram exaltar o seu diminuto poder com obras que lhes perpetuasse a memória, tal como Luís XIV fizera em Versailles. E algo de semelhante aconteceu nas regiões protestantes – mais ligadas ao gosto rococó – do Wurtemberg, da Saxônia e da Prússia, onde, se os monumentos religiosos são escassos, os príncipes protestantes rivalizaram com os católicos pelo luxo e magnificência dos seus palácios.
A partir de 1683, data do cerco da cidade e do segundo retrocesso dos Turcos, Viena tornou-se o centro do barroquismo austríaco.
As destruições da Guerra dos Trinta Anos refletiram-se ainda por muito tempo no período subsequente, de lenta recuperação. Populações arruinadas não podiam proporcionar, no século XVII, um mercado capaz de manter uma pintura alemã florescente. A maioria dos pintores emigraram.
Na Rússia repetiu-se com o Barroco o mesmo fenômeno sucedido nos tempos do Renascimento: também vieram artistas de fora, sobretudo italianos e franceses, mas não tardou que as suas teorias se fundissem com as tradições artísticas locais.
Só no fim do século (1699), a arte russa sofreu mudanças radicais - Revolução ocidentalizante. As tradições mais arraigadas, artísticas ou outras, foram combatidas pelos mais variados meios.

Fonte:

Ø História da Arte. Salvat Editores Editora do Brasil Ltda. Tomo 7. Capítulos 1, 3, 5, 6 e 10. S.P.









sexta-feira, 12 de dezembro de 2008


POEMA DE NATAL


Que este Natal
seja um nascimento.
Cimento e cal
para o concreto
de seus projetos.

Seja a semente
daquele passo adiante
que você sempre quis.

Saúde, Felicidade,
Trabalho, Prosperidade,
para você e sua família,
seu povo, sua cidade,
seu país.

Que você realize
todos os sonhos do coração.
Seu jardim floresça,
seus filhos cresçam,
que tudo de bom lhe aconteça
a você e aos que você ama.

Que seus negócios se multipliquem por mil
e tudo que está bom,
seja melhor ainda.

Que a dor e a tristeza
não tenham lugar à tua mesa.
Tudo do bom e do melhor
para você e os seus,
com as graças de Deus.


Autor desconhecido



À todos os meus alunos,

com carinho.


Carlos Medeiros

Dezembro de 2008
HISTORIANDO AS ARTES II

ARTE INCA

Ao longo da cordilheira dos Andes, a cadeia montanhosa mais alta do mundo, depois do Himalaia, a construção de impérios atingiu o seu clímax um século antes da chegada dos Espanhóis ao Novo Mundo, quando o Império Inca se espalhou de Cuzco, nas terras altas do Sul, para o Chile, Nordeste da Argentina e através do Equador e Peru inteiros e parte da Colômbia. Um aspecto do fenômeno inca que é freqüentemente notado é a sua brevidade: o Estado inca durou menos de 90 anos e o Império Inca sobreviveu menos de 50 antes do seu fim, que surgiu com a chegada dos Espanhóis.
A história da trágica queda dos incas é conhecida hoje principalmente pelos relatos dos espanhóis. Em 1524, quando o império estava no auge de sua glória, chegaram à corte do Sapa inca rumores extraordinários: “fortalezas flutuantes” teriam passado ao largo das costas setentrionais, ocupadas por estrangeiros de pele branca e rosto coberto de pêlos, que acabaram conhecidos como “os barbudos”. Essa notícia perturbara muita gente; mais tarde, nobres incas contaram a um cronista espanhol que o próprio imperador, um grande guerreiro chamada Huyana Capac, teve consciência do perigo e pressentiu que um dia aqueles estrangeiros ameaçariam seu trono.
Um ou dois anos depois, o Sapa Inca morreu. Embora seja impossível saber qual a doença que o levou, talvez a varíola, sabe-se que foi introduzida na América pelos conquistadores. Transmitida pelos espanhóis, a enfermidade atingiu os indígenas até mesmo em regiões às quais os conquistadores não haviam chegado. Ela alcançou sem dúvida os territórios ocidentais da América do Sul em 1525, vinda das Caraíbas pela Venezuela e pela Colômbia, lugares em que os europeus já haviam se estabelecido. A epidemia se propagou tão rapidamente entre os incas, sem nenhuma imunidade contra ela, que exércitos inteiros foram dizimados e famílias inteiras atingidas. Além de Huyana Capac, a epidemia levou também seu herdeiro presuntivo. O cenário do conflito estava montado.
Pela tradição, o Sapa Inca devia designar seu sucessor. Embora tal honra coubesse normalmente a um dos filhos da esposa principal, a coya, o escolhido não precisava ser o mais velho, e sim o mais capaz e mais apto para governar. Os nobres reunidos em Cuzco proclamaram um novo Sapa Inca: Huascar, ou “gentil colibri”, cujo nome não refletia nenhuma semelhança, física ou de caráter, com essa ave delicada.
Grande parte da corte não estava em Cuzco, porém mais ao norte, em Quito, cidade conquistada por Huyana Capac e por ele escolhida para terminar seus dias. E foi lá que surgiram as dificuldades. Quito se tornara quase uma segunda capital, dividindo os dirigentes do império, até então unidos, em dois clãs rivais. O exército acantonado em Quito preferia um outro filho de Huyana Capac, Atahualpa, cujo nome significa ”peru selvagem”, grande ave muito respeitada nos Andes. Atahualpa já demonstrara suas qualidades, tendo passado boa parte de sua vida ao lado do pai, nos campos de batalha.
Um veterano espanhol descreveu Atahualpa como “uma ótima pessoa, de estatura média, não muito gordo, com um belo rosto grave e olhos vermelhos, um homem que inspirava muito temor a sua gente”. Como prova do impacto do líder, o mesmo observador conta que viu um importante dignitário “tremer de tal forma em sua presença que não podia se manter em pé”, por medo de desagradar o soberano. Esse medo não era de todo infundado, pois Atahualpa podia ser implacável. Era também dotado de uma inteligência viva, impressionando os espanhóis pela rapidez com que se tornou um exímio xadrezista.
Embora proclamasse sua lealdade ao novo Sapa Inca por diversas vezes, Atahualpa sabia que Huascar poderia vê-lo como rival. Consciente da possibilidade de ser assassinado pelos partidários de seu meio-irmão, caso se afastasse de sua base em Quito, Atahualpa permaneceu surdo a todos os esforços feitos para convencê-lo a ir a Cuzco prestar reverência ao novo soberano. As coisas permaneceram assim durante cinco anos tumultuados. Finalmente, Huascar desencadeou a crise, ao exigir a presença do irmão. Uma vez mais, Atahualpa se negou, enviando em seu lugar embaixadores com presentes. Huascar, incentivado por cortesãos hostis a seu irmão, mandou torturar e matar os emissários e, em seguida, enviou um exército para que Atahualpa fosse conduzido à força para Cuzco. Irado, Atahualpa conclamou seus partidários às armas; o país, já devastado pela epidemia de varíola, mergulhou então nos horrores da guerra civil.
Foi um conflito sangrento e sem trégua, desencadeando o processo de destruiçäo que seria concluído pela invasão espanhola.
Em 1572, os espanhóis decidiram eliminar aquele último baluarte de resistência indígena. Mas, ao chegar de Vilcabamba, eles a encontraram quase deserta: seus defensores haviam incendiado a cidade, antes de empreender a fuga. Os espanhóis os perseguiram em meio à floresta tropical, até capturar o último chefe inca, Tupac Amaru. Ele foi levado para Cuzco, submetido a um simulacro de processo e decapitado na grande praça. Com ele desapareceu a dinastia inca.
O povo inca teve os seus inícios como uma pequena chefia tribal na área de Cuzco, cujo poder local foi aumentando de modo gradual. Por volta de 1440, depois de uma expansão com êxito nas suas vizinhanças, deram início a conquistas mais sérias sob o seu governante, o inca Pachacutec, o "grande homem" da história inca. (A palavra "inca" referia-se originariamente ao governante, considerado como filho do Sol ou como a encarnação terrestre do Sol, mas acabou por ser aplicada aos novos conquistadores de expressão Quéchua). Pachacutec reorganizou também a estrutura econômica e política da chefia, transformando-a num Estado centralizado e estratificado, e reconstruiu Cuzco, que deixou de ser uma cidade de cabanas de madeira e colmo para vir a ser a urbe que tanto impressionou os Espanhóis e tornou famosa a arquitetura inca.
Os Incas são notáveis por muitos traços, mas talvez o sejam muito em especial pela construção de cidades e pelos belos trabalhos em pedra. São lendárias as suas muralhas construídas sem cimento, compostas por enormes pedras cortadas de modo irregular, mas tão ajustadas umas às outras que a lâmina de uma faca não consegue penetrar entre elas. Os Incas construíram não apenas Cuzco, mas muitas outras cidades através do império. Por vezes construíram a partir do zero, outras vezes renovaram os edifícios já existentes. Os enormes blocos de pedra eram laboriosamente retirados das pedreiras, picados e martelados com instrumentos de pedra e depois arrastados sobre rolos ou trenós puxados por cordas, por uma grande força de mão-de-obra. Contra a muralha que se encontrava em construção levantavam rampas de terra e pedras por onde podiam içar os blocos. Os cortes e desgastes finais eram realizados com a pedra no seu lugar, mas esta teria de ser subida, cortada e descida muitas vezes até encaixar perfeitamente nas outras. Um antigo cronista, Pedro de Ondegardo, escreveu que eram necessários 20 homens e um ano inteiro para colocar no seu lugar uma única das pedras de maiores dimensões. Os Incas possuíam fios de prumo, réguas de cálculo paralelas, alavancas e pés-de-cabra em bronze e madeira, e cinzéis de bronze (foram pioneiros na fundição do bronze); entretanto, as ferramentas de bronze não tinham grande utilidade para o trabalho da pedra. Esta era trabalhada com martelos de pedra e polida com pedra ou com areia molhada.
Muito foi o trabalho despendido na construção dos terraços agrícolas e nos sistemas de irrigação. Cuzco tem vastos vales à sua volta, mas em geral há poucas terras planas e aráveis nos Andes, pelo que as culturas eram feitas em terraços nas vertentes das serras, algumas delas muito íngremes. Os terraços eram construídos com muros de pedra para retenção da terra e com camadas de pedra miúda por debaixo da terra para garantia de uma boa drenagem. Os terraços eram atravessados por sistemas de drenagem construídos em pedra.

ESTRUTURA CÓSMICA E SOCIAL

Tal como muitas outras cidades antigas, Cuzco era o "umbigo" do mundo, e é esse o significado do seu nome. O Império Inca era denominado de Tahuantinsuyu, "o mundo dos quatro quartos ou cantos", nome que refletia a divisão oficial em quatro áreas, tendo Cuzco como o centro. As "direções" do mundo eram importantes para os povos pré-colombianos, e os Incas não constituíam uma exceção. Contudo, para eles leste e oeste eram as direções predominantes, porque marcavam o percurso do Sol. Os Incas tinham tendência para a divisão, tanto dos seus conceitos sobre o mundo como da população, em quartos ou metades.
Em teoria - e em grande parte na prática -, a sociedade inca estava rigidamente estruturada. No topo da estrutura encontrava-se o semidivino governante inca. Tal como o império, a cidade de Cuzco estava dividida em quatro quartos, e para cada um deles existiam estritas divisões sociais e de deveres. Os quartos do Tahuantinsuyu encontravam-se divididos em províncias de tamanhos variáveis, cada uma com a sua capital, e as províncias eram por sua vez divididas em metades. Os funcionários que governavam cada um dos quatro quartos viviam em Cuzco, e havia um governador para cada província. Eram todos nobres, e muito provavelmente da família do governante inca.
Dentro de cada província, a população era (ou pelo menos era esse o ideal) dividida de um modo decimal e conduzida por uma hierarquia sujeita ao governador, que era responsável por mais ou menos dez mil almas. Os funcionários de categorias inferiores controlavam números decimais inferiores.
Para que um tal sistema funcionasse era necessário deslocar as pessoas por várias razões. Se um grupo se agitasse por estar sob o domínio dos Incas, poderia ser levado para outro local onde as suas oportunidades para provocarem problemas fossem menores. Se era necessária mão-de-obra, esta era deslocada de acordo com a procura; a abertura de um novo território, a intensificação da agricultura ou o aproveitamento de outros recursos poderiam ocasionar esses movimentos. Era freqüente que esses grupos, denominados de mão-de-obra mitmac, fossem levados para Cuzco, onde as pessoas de um determinado local, organizadas na ayllu (linhagem) tradicional e usando as vestes da sua pátria, eram colocadas numa parte da cidade ou nos seus arredores com outras do mesmo grupo. Conservavam as suas próprias línguas, mas o Quéchua era a língua oficial, a língua franca. Ainda hoje se encontram nomes Quéchua espalhados até tão longe como o Equador.
A hierarquia eclesiástica era controlada pelo imperador e chefiada pelo grande sacerdote do Sol, quase sempre um irmão ou parente próximo do Inca. Essa categoria social compreendia um grande número de sacerdotes e as chamadas aklas, as "Virgens do Sol", mulheres escolhidas para realizar serviços nos templos e durante os rituais. À Inti, deus do Sol e ancestral do Inca, prestava-se um culto especial, sendo a ele dedicado o templo de Cuzco. Entretanto, o deus supremo do panteão inca era Viracocha, pai de Inti e criador dos cinco ciclos da humanidade. Nessa cosmogonia, Inti correspondia ao Sol do último ciclo, no qual os incas se encontravam na época.
Embora pertencente à religião oficial, os rituais praticados nas províncias eram bem mais simples e ligados basicamente à atividade agrícola. A religião inca também estava impregnada de fortes componentes mágicos, como práticas divinatórias e, muito raramente, sacrifícios humanos. Aplicada com extrema severidade, a justiça valia-se da adivinhação para determinar as sentenças que deviam ser aprovadas sempre pelo imperador.
A burocracia centralizada do império comandava cerca de oito milhões de pessoas e exigia um elevado número de funcionários que, como os soldados, eram mantidos pelo Estado.
Os impostos tomavam em grande parte a forma de trabalho. Em geral, um terço de todos os alimentos ou artigos produzidos ia para o Estado, um terço para os deuses (que provavelmente também ia para o Estado) e o terço restante era para o produtor.
Como é natural, a agricultura tinha uma importância primordial e os rituais incas estavam na sua maioria relacionados com o calendário agrícola. Era o próprio governante quem iniciava a época das culturas. À medida que a população cresceu e a esfera de poder se alargou, a produção e controle da distribuição de alimentos tornaram-se cada vez mais importantes. A identificação do governante com o Sol pode muito bem ter sido uma maneira de colocar a ênfase política no controle do governante sobre a agricultura.
Os registros eram mantidos através dos quipus, uma espécie de ábaco feito de cordéis onde podiam ser feitos cálculos por meio de nós colocados em posições de valor decimal. No século XX foram utilizados para o registro de valores do dia-a-dia, mas no passado é possível que tivessem alguns usos esotéricos, sendo talvez usados para finalidades astronômicas ou religiosas.

A PEDRA SAGRADA

Todos os povos pré-colombianos parecem ter tido pedras sagradas ou especiais, mas nesta prática os Incas foram mais longe do que qualquer outro. As emoções em relação à pedra que podia ser vista na arquitetura refletiam-se nos mitos. Há um certo número de variações de mitos de origem inca que podemos encontrar nas crônicas do século XVI. Uma versão diz-nos que o deus criador fez os homens a partir da pedra. Noutra versão, depois de não ter obtido êxito no fabrico do homem, o criador transformou o produto das suas experiências em pedras. Uma história conta-nos que os primeiros incas eram quatro irmãos e quatro irmãs que saíram de uma porta de pedra - ou seja, de uma gruta - numa ilha do lago Titicaca, não longe de Tiahuanaco (Noutros mitos o Sol nasceu de uma roda sagrada nessa mesma ilha). Um dos quatro irmãos voltou à gruta e nunca mais foi visto; dois outros foram transformados em pedra; o terceiro era Mango Capac, o primeiro governante inca, que depois de fundar Cuzco se diz que marcou a terra servindo-se da funda para atirar quatro pedras para os quatro cantos da Terra. Pensava-se que o próprio Mango Capac acabara também por ser transformado em pedra, e que desse modo era transportado para as batalhas por todos os guerreiros incas.
A toda a volta de Cuzco podemos encontrar as pedras sagradas, algumas simples e batidas pelo tempo, outras com a forma de rochas naturais com motivos em degraus, formas retilíneas e outros desenhos. Estas eram "propriedades" de grupos de pessoas, que aí executavam os seus rituais.

O SISTEMA DE ESTRADAS

O cordão vital do Império Inca era uma rede de estradas cujo comprimento total ainda não foi medido mas que deve andar à volta dos 40 000 quilômetros. A estrada principal corria através dos Andes, de Cuzco a Quito, e muitos dos centros incas encontravam-se ao longo do seu percurso. A sua extensão norte levava ao que nos nossos dias é o Sul da Colômbia. Uma outra estrada das terras altas saía de Cuzco para sul, para o Noroeste da Argentina e do Chile, até para lá de Santiago. Existia também uma estrada costeira, ligada em vários pontos com as estradas das montanhas, e havia estradas ligando entre si todas as cidades.
Sempre que possível, os construtores de estradas evitavam os terrenos difíceis - as grandes altitudes, os pântanos e desertos -, mas quando necessário tinham modos notáveis para a ultrapassagem dessas dificuldades. Como o trânsito de rodas não existia - não havia animais de tração -, a construção estava adaptada à geografia e à utilização da estrada. As larguras variavam entre 1 e 16 metros, mas nalguns locais as estradas podiam ser ainda mais largas. Por vezes não se verificava a construção formal de uma estrada: era apenas uma caminho muito utilizado, e em muitos locais serviram-se de estradas pré-incas. Existiam estradas do Horizonte Médio, pois as estradas incas ligavam muitos locais de Huari e Tiahuanaco, e há também algumas provas de que certas estradas datavam do Horizonte Primitivo. Nas montanhas, as estradas incas por vezes estreitavam-se ao longo de falésias. As estradas costeiras eram mais largas e direitas, com pequenas paredes de pedra, adobe ou filas de postes de madeira de cada lado, numa proteção contra a invasão pelas areias do deserto. As estradas que passavam por regiões agrícolas possuíam altas paredes laterais, e quando tinham de passar terrenos encharcados serviam-se de passarelas, pavimentos de pedra e canais de drenagem.
As pontes suspensas que os incas lançavam sobre profundos precipícios são famosas, mas além delas existiam também pontes com superestruturas de madeira ou pedra, pousadas sobre pilares de pedra, bem como alguns exemplos de aproveitamento de pontes naturais, e na região do lago Titicaca as pontes apoiavam-se em pontões de juncos. Nalguns casos o viajante atravessava os rios dentro de um cesto suspenso de cordas ou em jangadas feitas de madeira de balsa, cabaças ou juncos. No entanto, de vez em quando tinha-se de atravessar os rios a nado.
Ao longo das estradas encontravam-se as tambos, estruturas de diversas dimensões que serviam de local de alojamento e armazenamento, e provavelmente eram também a sede da administração local e centros para várias outras atividades. É possível que existissem pelo menos 1000 tambos de diversas dimensões e formas arquiteturais, sendo as maiores nas cidades, enquanto as menores se espaçavam ao longo das estradas à distância de um dia de marcha.
As estradas não eram para ser utilizadas por vulgares turistas. Como importante meio de controle do império, só podiam ser percorridas com uma autorização imperial. A liteira real era transportada ao longo dessas estradas. Era por elas que as populações incas se deslocavam de um lado para outro e por onde marchavam os exércitos que controlavam o vasto império. Os comboios de lhamas - cada animal pode transportar até 45 quilos - transportavam bens de um para outro ponto do império.

TECIDOS: MAIS PRECIOSOS QUE O OURO

Para os invasores espanhóis, o ouro sem dúvida representava a principal riqueza do império inca. No entanto, para os próprios incas, eram os tecidos o produto mais apreciado, provavelmente devido às inúmeras horas de trabalho e dedicação envolvidas em sua produção. Boa parte da população participava da fabricação de tecidos, a começar pelos camponeses, que cultivavam e colhiam o algodão, e pelos que retiravam a lã das alpacas e das vicunhas. Em todas as casas, com exceção da maioria dos lares das elites, as fibras eram lavadas, cardadas, fiadas e depois tingidas e tecidas. As peças de tecido obtidas eram então emendadas – mas jamais cortadas – para fabricar toda espécie de objeto, desde as sacas para os grãos até as roupas e as tapeçarias mais refinadas.
A roupa da maioria das pessoas era a chamada huasca, túnica bem folgada e simples, feita de algodão ou alpaca. Reservava-se o tecido mais fino, o cumbi, para o uso exclusivo do Sapa Inca, de sua família e das pessoas privilegiadas às quais o imperador queria presentear. As vestes de cumbi, feitas de fibras suaves, tingidas com uma variada gama de cores e finamente tecidas em motivos geométricos regulares, designavam a categoria social de seus proprietários. O recorte triangular e os quadrados da túnica, com suas costuras cuidadosamente caprichadas, indicam especial coragem, ou grau militar elevado.
Tecelões profissionais e esposas dos notáveis provinciais produziam o cumbi como pagamento para os impostos. As roupas especiais destinadas aos ritos sagrados ou ao Inca provinham geralmente das mãos habilidosas das “mulheres escolhidas”, votadas ao serviço dos deuses. Em geral, o trabalho de tecelagem era feito em um tear de duas barras, uma delas amarrada com uma corda a um ponto fixo – uma árvore, por exemplo. A outra era presa a uma correia que passava por trás da cintura, tendo os fios da urdidura esticados entre ambas. As vestes produzidas assim tinham a largura máxima do tamanho de um braço, a amplitude que o tecelão podia alcançar. As amostras de tecido preservadas testemunham o trabalho intenso e a vasta quantidade de matéria-prima: uma peça finamente tecida podia comportar até 155 fios por centímetro e necessitar de até 16 quilômetros de linha.

O ENIGMA DO CÓDIGO DE NÓS

Até hoje os pesquisadores desconhecem quais as informações registradas nos quipos, os cordões com nós que os incas utilizavam para contabilizar os recursos de seu imenso império. Cada quipo é único em seu gênero; da corda principal pendem diferentes grupos de cordões, de comprimento e cores variados; provavelmente apenas o criador de cada um, o quipu camayoc, sabia interpretá-lo. Mas, em 1910, o arqueólogo americano L. Leland Locke encontrou um fator comum a todos os quipos: os grupos de cordões representavam quantidades, sendo que cada nó correspondia a um algarismo do sistema decimal.
Por exemplo, 1705 lhamas, ou nascimentos, ou espigas de milho, seriam contabilizados com a ajuda de quatro cordões; o dos milhares, com um nó; o das centenas, com sete nós; o das dezenas, sem nó; e o das unidades, um nó de cinco voltas. As unidades constituíam um caso especial, servindo como referência. Jamais exibiam mais de um nó: havia um nó simples, para o número 1; com duas voltas para o 2; e assim por diante, até o 9.
Os cordéis suplementares, mais finos, pendiam de um dos cordões com nós; é provável que fornecessem informações adicionais, tais como o número de contribuintes pertencentes a determinado grupo.

UMA TEOLOGIA ENRAIZADA NO MUNDO NATURAL

Os incas atribuíam poder metafísico a uma grande variedade de objetos, fenômenos naturais e locais, entre os quais as montanhas, que continuam a ser reverenciadas até hoje por alguns camponeses peruanos. Eles se referiam a esses ícones essenciais de sua religião pelo termo genérico huaca, ou “lugar sagrado”.
O termo huaca era empregado para designar “todos os lugares sagrados destinados a orações e a sacrifícios, bem como todos os deuses e ídolos venerados nesses locais”.

VIDA LONGA PARA O CORPO

Inúmeras múmias datadas de cerca de 400 d.C. foram encontradas no litoral sul do Peru, envolvidas em quatro camadas de tecido de algodão. Um estudioso sugere que cada uma dessas mortalhas pode significar um funeral para o mesmo corpo, refletindo a crença dos incas de que havia quatro estágios na viagem do falecido para o céu. As quatro camadas de tecido serviam também para absorver os fluidos.
A sepultura de uma múmia revela a classe social do defunto. Os nobres eram enterrados em sepultura com vários cômodos, com seus bens, e muitas vezes com a esposa, os acompanhantes e os escravos. Os plebeus geralmente acabavam em túmulos simples, nos campos da comunidade, bem enrolados e rodeados dos poucos objetos que lhes haviam pertencido em vida.

Fonte:

Ø O Império Inca. Civilizações Perdidas. Editores de Time-Life Livros. Abril Coleções, RJ, 1998

Ø GRANDES IMPÉRIOS E CIVILIZAÇÕES - A América antiga. Civilizações Pré-Colombianas. Desta edição, Edições del Prado. Volume II. 1996. Madrid

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

ARTE ASTECA

ARTE ASTECA
Tribo de humildes e obscuras origens nômades, os Astecas conseguem estabelecer-se definitivamente em 1325 em algumas ilhotas de um dos lagos que na época existiam no vale do México. Por volta de 1345, com muita tenacidade transformaram essas ilhotas pantanosas numa das mais extraordinárias cidades da América pré-colombiana: México-Tenochtitlán, cidade lacustre única no seu gênero, com as suas engenhosas chinampas, ou ilhas flutuantes, a sua rede de canais e de calçadas, os seus diques e aquedutos, o seu mercado sem par e o seu imponente centro religioso. Foi apenas em 1428, valendo-se de uma hábil aliança com duas cidades ribeirinhas, que os Astecas começaram a revelar a medida das suas excepcionais aptidões guerreiras e a sua vontade de triunfar a todo o custo. Não eram eles o "Povo do Sol", o povo eleito do seu deus tribal Huitzilopchtli, o Deus do Sol e da Guerra? Confiantes no seu glorioso destino, dominaram em menos de um século, um vasto território, canalizando para a sua formosa capital todas as riquezas das terras dominadas. Em 1434 as cidades de Tenochtitlán, Texcoco e Tlacopán (pertencentes ao antigo Império Tepaneca) reuniram-se em uma poderosa confederação, dividindo entre si os territórios conquistados. Tal fato deu início a história da civilização Asteca que incorporou muitos elementos das sociedades mexicanas que a precedera. Em 1520, foram banidos e dizimados por Hernando Cortes. O nome asteca recebido pelos mexicanos deriva provavelmente de sua terra de origem - Aztlán ou Aztlacán - que correspondia ao atual Estado de Michoacán. Os astecas herdaram culturalmente muitas características dos povos por eles subjugados. Ao mesmo tempo em que cultivavam as artes plásticas, a música e a literatura, conservavam ritos religiosos extremamente cruéis e tinham um comportamento impiedoso na guerra, sobrevivência do seu passado de guerra implacáveis, quando eram temidos até mesmo pelos soberanos a quem prestavam serviços como mercenários. O surgimento de novas divindades eram muito freqüente, mas os sacerdotes procuravam reduzir seu número e considerá-las como aspectos diferentes de alguns poucos deuses mais importantes. Na vida dos homens, refletia-se a eterna luta das forças da luz e do bem contra as forças do mal e das trevas, personificadas respectivamente por Quetzalcoatl e Tezcatlpoca. Ao primeiro, os astecas ofereciam flores e frutos e ao segundo, sacrifícios humanos.
O soberano asteca era eleito por um conselho de nobres sacerdotes e guerreiros, possuindo poderes absolutos, grandes riquezas e várias concubinas. Em torno de sua pessoa criou-se um verdadeiro culto, a ponto de ninguém mais poder encará-lo. Os sacerdotes, os militares e os nobres constituíam as camadas superiores da sociedade, usufruindo de inúmeras regalias. Também os comerciantes, em menor escala, gozavam de privilégios, como a isenção do pagamento de impostos, recompensa por executarem serviços de espionagem para o soberano durante suas viagens. A seguir, vinham os artesãos e, na base da pirâmide social, os assalariados e os escravos. Estes últimos podiam ser prisioneiros de guerra, culpados de graves delitos ou pessoas vendidas por sua família, pois a escravidão não era hereditária.
A princípio, os astecas vivam de caça e da pesca. Posteriormente, passaram a dedicar-se à agricultura, utilizando técnicas rudimentares no cultivo das lavouras. Plantavam principalmente feijão e milho; produtos como o mel, o cacau e o tabaco eram importados de outras regiões. De uma espécie de agave (o manguey), extraíram uma bebida embriagante, o pulque. Um aspecto curioso dessa agricultura era o cultivo de lavouras nas chinampas, jangadas ancoradas no lago Texcoco e cobertas de terra.
Tal como na civilização Maia, os sacerdotes eram depositários da produção cultural. Os astecas possuíam uma escrita próxima da ideográfica e um calendário semelhante ao dos Maias. A medicina era exercida por curandeiros de ambos os sexos. Muitos de seus medicamentos, fabricados com ervas, foram considerados extremamente eficazes pelos espanhóis.

Principais manifestações artísticas:

Arquitetura

Na época de Montezuma II, o Império Asteca tinha uma população em torno de onze milhões de habitantes e Tenochtitlán, sua capital, estava situada numa ilha do lago Texcoco e era ligada à terra firme por várias pontes. Em sua parte central havia um conjunto de templos circundados por muros, recinto em torno do qual se erguiam os palácios reais.
Dos monumentos de Tenochtitlán - nos quais a importância se combina com a elegância das formas - pouca coisa restou, pois a capital asteca foi arrasada pelos espanhóis.
Todos os monumentos do México foram destruídos em 1521, por ocasião do assédio da cidade. Só os conhecemos pelas descrições e os desenhos da época. Fora da cidade devastada, certos edifícios construídos pelos astecas subsistiram.
A arquitetura religiosa tinha por forma mais comum a pirâmide coroada de um santuário. Com suas escadas em declive abrupto, orladas de serpentes emplumadas e suas estátuas porta-bandeiras, estas pirâmides se assemelhavam de perto aos monumentos toltecas.
Sabemos pelas descrições dos conquistadores que o templo de Quetzacoatl apresentava uma forma circular. É que fora erigido em honra deste deus na qualidade de Eacatl, deus do vento: evitava-se opor ao vento as arestas vivas de uma pirâmide. Em Malinalco, nas montanhas que margeiam o planalto de Toluca ao sul, encontra-se um templo talhado inteiramente na rocha viva, o que constitui até o presente o único monumento deste tipo conhecido no México. Destinavam-se indubitavelmente aos cultos celebrados pelos cavaleiros-águias e pelos cavaleiros-jaguares, uma vez que a cripta, a que se chega por uma porta em forma de garganta de serpente, é ornamentada com águias e jaguares esculpidos na própria rocha.
A arquitetura militar tinha, naturalmente, um importante lugar na arte monumental dos astecas, fortalezas e redutos munidos de torres defendiam os pontos de passagem como, por exemplo, a entrada dos aterros que permitiam a travessia do lago. Quanto aos palácios dos soberanos e dos dignitários, nenhum vestígio subsistiu. A julgar pelos testemunhos do tempo, eles deviam conformar-se, no essencial, aos planos dos edifícios maias, zapotecas e toltecas: vastas salas com colunas, passeios interiores, terraços e jardins. A arte dos jardins era particularmente considerada entre os astecas e seus aliados.

Escultura

Inúmeras esculturas, baixos-relevos e estátuas foram destruídos, tanto durante a guerra asteco-espanhola como sob o regime colonial, na luta contra a “idolatria”. Entretanto, o que dela resta no México e nos museus do mundo inteiro assombra pelo número, variedade e perfeição. Os escultores encarregados de fornecer a um templo a estátua de uma divindade eram forçados a conformar-se com as regras de um minucioso simbolismo: o colossal monolítico que representa a deusa Coatlicue mostra-nos a Deusa da Terra – a Terra mãe, que nos sustenta e nos devorará, elemento fecundante e destruidor ao mesmo tempo. Os ídolos de Xipe e Toltec mostram, com um realismo surpreendente, o deus revestido de pele de um sacrificado. Nada mais gracioso que a estátua de Xochipilli, deus da juventude, da música e dos jogos, todo decorado de flores.
As representações de Quetzalcoatl são freqüentes: Tanto se trata de uma serpente de plumas enroladas sobre si própria, levando na cabeça seu hieróglifo ce-actal, como, mais raramente, de um rosto e membros humanos que se combinam com o corpo da serpente.
Numerosos monólitos esculpidos permanecem enterrados, após a queda do México, sob os escombros dos templos e palácios. Alguns foram exumados. O “Calendário Asteca” é sem dúvida o mais célebre dentre eles. Ele resume em seu disco o conjunto de concepções cosmológico e cronológico dos antigos mexicanos. No centro, a imagem do Sol, sedenta de sangue se destaca no meio do signo nauil-ollin, símbolo de nosso universo. A mesma categoria pertence a “Pedra dos Sóis”, que tem em cada uma de suas faces, a data hieroglífica dos universos destruídos antes do nascimento do nosso (compêndio de uma profunda concepção cosmológica).
Embora de pequenas dimensões, certos objetos talhados em pedra dura, no limite da escultura e da cinzeladura, podem ser ligados a esta arte religiosa: por exemplo, os dois crânios de cristal de rocha, uma estatueta de Tezcatlipoca, em jadeíta e uma estatueta de Xolotl, de uma feitura excepcionalmente perfeita.
Se a importância da escultura religiosa foi grande, a da arte profana conheceu, também, um desenvolvimento considerável. Sabemos que os soberanos e os nobres encomendavam obras dos artistas do seu tempo: Montezuma II fez talhar seu retrato em baixo-relevo nos rochedos de Chapultepec por escultores que recompensou faustosamente.
Entre outras obras-primas, uma esplêndida cabeça de cavaleiro-águia. Emoldurado pelos bicos dos rapaces, o rosto do guerreiro reflete, de uma forma surpreendente, a energia e a abnegação desta ordem militar. Mas a estatuária asteca abrange uma gama variada: estátuas de Mateualtin (homens do povo), vestidos somente com sua tanga; anões, corcundas, indivíduos disformes como os que os imperadores e os dignitários gostavam de manter em seus palácios; animais de toda espécie, como lobos, jaguares, rãs, gafanhotos e mesmo vegetais como aboboreiras. Certos baixos-relevos, puramente decorativos, representam aves e flores.
Os astecas fizeram reviver a arte da máscara em pedra, muitas vezes incrustada de turquesas, de obsidiana, de madrepérola, de granada, que tinha atingido um alto grau de perfeição em Teotihuacán na época clássica. Estas máscaras, freqüentemente, tinham uso funerário ou, ás vezes, representando deuses. Deviam ser usadas no curso das cerimônias religiosas.
As esculturas em madeira mal resistiram aos combates, aos incêndios e ao tempo. O que subsiste se reduz a tambores verticais (huehuel) e a teponaztli, gongos de dois tons.

Pintura

Não há dúvida de que os astecas revestiram de pinturas as paredes de seus templos e de seus palácios; obras estas destruídas simultaneamente com os edifícios que adornavam.
O escriba asteca usava o título de pintor (tlacuiloani). De fato, os manuscritos hieroglíficos e pictográficos, fossem os seus temas religiosos, históricos ou mesmo administrativos, constituíam antes de tudo, coleções de imagens, séries de quadrinhos cuidadosamente desenhados e coloridos. Os mais belos “codex” que escaparam às fogueiras espanholas provêm sobretudo do país mixteca (Codex Nuttall) ou da zona mixteca-puebla (Borgia); o estilo dos manuscritos propriamente asteca manifesta uma inegável influência destas culturas. O Codex Borbonicus é um livro ritual, compreendendo notadamente um belíssimo calendário divinatório. O Codex Telleriano Remensis obra histórica, descreve, ano por ano os principais acontecimentos: entronização e morte dos soberanos, guerras e conquistas, inauguração do grande templo, tremores de terra, eclipses, etc. O Codex Mendonza, documento administrativo e financeiro de primeira importância foi redigido , pouco após a conquista espanhola, por escribas astecas que aí transcrevem, por ordem do vice-rei Dom Antonio de Mendoza, os registros do tributo do Império sob Montezuma II. Cada uma de suas páginas enumera em caracteres hieroglíficos as cidades de uma província, a natureza e a quantidade das mercadorias que esta província devia entregar aos coletores de impostos. Ainda que os livros religiosos e históricos sejam ilustrados com miniaturas de cenas muitas vezes complexas, o Mendonza mostra a precisão e a secura de um dossiê apresentado por funcionários. O elemento figurativo é estilizado ao extremo; a pictografia, reduzida ao essencial, se ressente de uma verdadeira escrita.
Considerando-os apenas sob o ângulo estético, estes livros astecas são o testemunho de uma arte rica de tradição e de um gosto sutil. Uma evidente comunidade de estilo os liga às obras da estatuária e do baixo-relevo.

Fonte:

GENDROP, Paul. HISTÓRIA DA ARTE. Salvat Editora do Brasil Ltda. Tomo 1, Capítulo 9, Páginas 229 a 266








sexta-feira, 28 de novembro de 2008

HISTORIANDO AS ARTES II

ARTE MAIA

A sociedade maia considerada a mais importante civilização pré-colombiana, era composta de muitas tribos as quais colonizaram a Guatemala, a península de Iucatã, partes dos Estados mexicanos de Tabasco e Chiapas, Belize, bem como regiões parciais de Honduras e El Salvador.

A história desse povo está classificada em:

. Antigo período pré-clássico – 2000 a.C. - 1200 a.C.

. Médio período pré-clássico – 1200 a.C. - 400 a.C. Durante esses dois períodos surgiram os mais antigos centros de cultura.
. Novo período pré-clássico - 400 a.C . -300 d.C
. Antigo período clássico - 300 - 600
. Novo período clássico - 600 - 900
. Antigo período pós-clássico - 900 - 1200
. Novo período pós-clássico - 1200 - 1520 (chegada dos espanhóis).

Surpreendente é a afinidade com as grandes civilizações mediterrâneas da Antigüidade Clássica, razão pela qual os Maias são chamados de "os Gregos da América".
No período clássico, que coincide com o apogeu da civilização Maia, fundaram-se numerosas cidades, grandes complexos urbanos que funcionavam como centros comerciais, políticos, religiosos e culturais. Por volta do século X, entretanto, os Maias emigraram para a parte setentrional da península de Yucatãn, abandonando suas magníficas cidades, que foram invadidas pela floresta.
Existem muitas hipóteses sobre os motivos dessa migração. Segundo alguns historiadores, teria sido provocada por uma súbita mudança das condições climáticas ou, então, pelo empobrecimento dos solos devido à falta de adubagem e de rotatividade de culturas. Uma das teorias mais plausíveis explica essa migração como sendo decorrência de uma invasão externa por parte dos Toltecas. A partir dessa época teve início o processo de declínio da civilização Maia, interrompido apenas por um efêmero período de renascimento que ocorreu por volta de 1200, na península de Yucatãn.
O conhecimento que se tem da cultura Maia baseia-se em pesquisas arqueológicas e no estudo das estelas e dos códigos manuscritos elaborados por esse povo. Os documentos mais antigos são as estelas, monólitos que apresentam um grande número de inscrições e sinais de calendário.
Entre os Maias, a cronologia tinha como ponto de partida um acontecimento mitológico. A contagem dos anos baseava-se na idéia de que o mundo tivera três idades, que haviam terminado em catástrofes. A partir de um sistema que tem, no seu princípio básico, afinidades com a cronologia atual, o início do mundo para as Maias estaria situado no ano 3113 a.C.
Os Maias possuíam uma concepção dualista da vida, no qual se digladiavam as potências favoráveis ao homem (chuva, luz) e as forças contrárias a ele (seca, guerra, morte).
A divindade suprema era Itzamna, senhor do céu, inventor da escrita e patrono da ciência. Mas, no grande panteão Maia, onde cada aspecto da vida era presidido por uma divindade, havia outras figuras de grande destaque, como Uxchel, deusa da lua e esposa de Itzamna, o deus da chuva Chac, a deusa da morte Ah Puh, e Kukulcãn, deus do vento e da vida. A essas divindades eram oferecidos sacrifícios de animais e sangue humano extraído de diferentes partes do corpo. O sacrifício de vidas humanas, porém, era muito raro, tendo essa prática assumido grandes proporções só depois que a cultura Maia sofreu fortes influências da Tolteca.
A sociedade Maia organizou-se com base em uma complexa estrutura político-social. Da mesma forma que os gregos, os Maias reuniam-se em pequenos agrupamentos políticos semelhantes às cidades-Estado, que podiam associar-se em federações.
Cada cidade-Estado tinha um chefe, intitulado Halac Uinic. Esse cargo era hereditário e freqüentemente ligado à dignidade sacerdotal mais elevada.
Os Maias praticavam a agricultura em larga escala, embora desconhecessem o arado, a adubagem e a rotatividade das lavouras, cultivando basicamente milho, cacau, algodão agave. Além disso, desenvolviam uma intensa atividade comercial, marítima e terrestre, utilizando grãos de cacau, penas de pássaro quetzal e conchas como moeda.

Principais manifestações artísticas:

Arquitetura

A estrutura urbana dessa civilização revela uma nítida diferença entre as cidades Maias antigas e as do período pós-clássico, sobretudo na península de Yucatãn. As primeiras eram essencialmente Centros Culturais, entrepostos para trocas comerciais e núcleos de atividades políticas, não tendo aparentemente funções residenciais. Embora nelas existissem palácios e casas de chefes e sacerdotes, havia uma grande predominância de templos, observatórios astronômicos, praças e campos para o jogo de péla (de caráter sagrado era associado ao tempo: disputado em um campo retangular, consistia no arremesso de uma pesada bola de borracha através de anéis de pedra, fixados nos dois lados do campo. As mãos e os pés não podiam tocar a bola, que devia ser movimentada com a cabeça, com os braços e com as pernas. Esse jogo era disputado em local próximo aos templos e representava o movimento das estrelas). Já as cidades de construção mais recente eram fortificadas e cercadas por muros, sendo os palácios bem mais numerosos que os templos. Estudo de ruínas indicam nitidamente a transformação das cidades cerimoniais em centros predominantemente residenciais.
A maior parte da população Maia vivia em pequenas comunidades dispersas - aldeias, vilórias agrícolas, etc. Nos centros cerimoniais habitavam os membros da classe nobre, senhores e sacerdotes, funcionários da complicada hierarquia civil e religiosa, guerreiros, mercadores, além dos serviçais e, com toda a probabilidade, artífices especializados.
Os templos eram construídos no alto de pirâmides, imitação da colina, lugar sagrado por excelência. Os palácios chegavam a ter várias dezenas de quartos, dispostos em algumas filas e, às vezes, em andares; são, na realidade, apertadas galerias divididas t transversalmente, obscuras e pouco ventiladas, pois quase sempre lhes faltam aberturas ou só possuem estreitas entradas. Edificaram-se também recintos para o jogo de péla, observatórios, arcos de triunfo, balneários de vapor.
O templo era o edifício mais importante, mas a que o povo não tinha acesso. Daí que o espaço interior fosse sacrificado em proveito do aspecto exterior, que devia ter a maior imponência possível. Esta prática chegou a tal grau, que os templos de Petén (Tikal em particular), coroando altas pirâmides, de faces inclinadíssimas, só contêm minúsculos santuários; alguns deles de pouco mais de 1m de largura, enquanto as paredes chegam a ter 6m e 7m de espessura, para suportarem a tremenda carga de platibanda maciça que se ergue sobre o teto e que apenas servia aumentar a superfície ornamentada da fachada.

Escultura

Ao falar da arte escultórica dos Maias deve-se sublinhar a diferença fundamental que separa as obras da região central, por um lado, e as do Norte de Yucatãn, por, outro. Assim, no Petén, na região do Rio Motagua e na bacia do Usumacinta, a escultura, representa mais os homens que os deuses, mostra-nos seres que existiram realmente, e não conceitos religiosos, abstratos ou personalizados; pelo contrário, a escultura clássica da região setentrional é essencialmente religiosa, e são as divindades - quase poderíamos dizer uma única divindade, Chac, nume da chuva, ou símbolos que sob forma abstrata as sugerem, os principais temas esculpidos. Enquanto nas grandes cidades do Centro as manifestações escultóricas se apresentam isoladamente, em estelas, dintéis e tabuleiros, no Iucatãn a escultura é arquitetônica e cobre os frisos das fachadas.
Nas terras secas do Yucatãn, em que a vida das plantas e dos animais dependia da benevolência de Chac, provedor da chuva, era necessário render-lhe homenagem permanente, demonstrar-lhe a devoção do povo pelo seu culto, cobrindo as fachadas com os seus mascarões e diminuindo a importância dos homens, mesmo dirigentes, os quais raramente foram representados nos monumentos do Yucatãn.
Uma síntese de arte Maia, por breve que seja, não pode deixar de lado as maravilhosas esculturas que apesar do seu limitado tamanho e da fragilidade do material de que são feitas, não deixam de ser obras-primas: as estatuetas de barro que foram encontradas em numerosos locais. Modeladas à mão ou moldadas, e talvez policromadas, apresentam uma variedade incrível de seres (animais, vegetais, humanos, sobrenaturais), uma extraordinária fantasia no aparatoso vestuário, uma notável diversidade de indivíduos (homens e mulheres; senhores e gente do povo, sacerdotes, divindades, pares humanos ou mistos - homem ou mulher com um animal, jogadores de péla, tecelões, etc.). Fabricadas para acompanhar os mortos nas sepulturas, são representações da vida, pelo seu realismo.

Pintura

Devido ao seu caráter perecível, a pintura mural raramente se conservou, embora seja provável que fosse utilizada em todos os centros cerimoniais. São conhecidas as composições de tema histórico (cerimônias, palacianas, batalhas, julgamento e sacrifícios de prisioneiros, cenas pacíficas, chegada de invasores) executadas com grande realismo e perícia técnica. Afrescos alusivos a divindades e rituais religiosos aparecem também.
A pintura também foi profusamente utilizada na decoração das vasilhas de barro, desde o período proto-clássico - cerca do início da nossa era - até o clássico tardio, em que floresceu como as outras artes. Os motivos policromados foram primeiramente simbólicos, geométricos ou estilizados quando correspondiam a figuras animais; vieram a ser, depois, naturalistas, apresentando temas sobretudo laicos (senhores recebendo oferendas, mercadores ambulantes, ricos proprietários, etc.) durante o período clássico tardio.

Fonte:

LHUILLIER, Alberto Ruz. HISTÓRIA DA ARTE. Salvat Editora do Brasil Ltda. Tomo 1, Capítulo 10, Páginas 267 a 282


ARTE MAIA

Seus domínios englobavam toda a Península do Yucatán, parte do moderno território do México, como Tabasco e Chiapas, toda a Guatemala, Belize e as regiões ocidentais de Honduras e El Salvador – isto é, mais de 300 mil quilômetros quadrados.
A diversidade física desse território era enorme. O sul era constituído de planaltos vulcânicos cortados por gargantas profundas e áridos vales. Ao norte e ao leste dessas montanhas ficavam as cerradas florestas das terras baixas, que podiam receber até 4 mil milímetros de chuva anual, água essa que era canalizada para o Golfo do México e para o Caribe por grandes bacias fluviais. Ao norte, o terreno mais plano e seco da Península do Yucatán, vasta plataforma calcária coberta de arbustos e árvores baixas, oferecia pouca água além da que podia ser retirada de raras cisternas cavadas na pedra macia, pontilhando o local de grandes e profundos poços circulares.
Sob todos os aspectos, essa região era uma das menos hospitaleiras do hemisfério; seus rigores eram intensificados pela multidão de insetos, serpentes venenosas, aranhas e escorpiões. Apesar disso, os antigos maias conseguiram prosperar ali e, em seu apogeu, a população local chegara a 10 ou 20 milhões. Ao longo de seu desenvolvimento, moldaram uma civilização de extraordinária vitalidade. Haviam emergido como sociedade identificável cerca de mil anos antes de Cristo e alcançaram seu apogeu por volta do ano de 250 da era cristã. Estabeleceram uma elaborada hierarquia política e social e dispunham de avançadas técnicas de agricultura intensiva; ampliaram os tentáculos de sua rede comercial para lugares distantes e aperfeiçoaram sua original arquitetura – pirâmides escalonadas, palácios com arcos de pedra e campos pavimentados para o jogo de bola.
Ao mesmo tempo, expandiram os domínios da mente humana, fazendo uso de poderosos instrumentos intelectuais. De todas as antigas culturas que floresceram na América, a maia foi a única a criar um sistema de escrita totalmente desenvolvido. Utilizavam uma complexa combinação de calendários e outros ciclos de tempo, para registrar datas históricas importantes e acompanhar os eventos astronômicos, fitando o passado e o futuro, imaginando tempos que pareceriam remotos até mesmo para os perspicazes cosmólogos modernos. Seus cálculos e registros se baseavam em um sistema aritmético sofisticado – que incluía um símbolo para o número zero, desconhecido de gregos e romanos – e a precisão de suas observações celestes suplantava em muito as de todas as civilizações da época.
Tudo isso, e muito mais, distinguia os maias como um povo de gênio. Porém, por volta do ano 900 d.C. – mais cedo em algumas localidades, mais tarde em outras -, começou seu declínio, causado provavelmente por uma mescla de fatores que incluíam a superpopulação, a decorrente destruição dos recursos naturais necessários a sua sobrevivência, a ambição desenfreada de seus governantes e a invasão de vizinhos hostis. As cidades das terras baixas do sul e centrais se esvaziaram, e maioria da população maia se deslocou para o norte, em direção ao Yucatán. Por volta de 1450, a velha ordem, com sua elaborada ideologia e sua complexa máquina governamental, também entrou em colapso.
Os mais acreditavam que o universo atual tivesse se formado na data que corresponderia a 11 de agosto de 3114 a.C., no calendário Juliano, e seu sistema cósmico demonstrava que terminaria em 21 de dezembro de 2012 d.C. Na realidade, a morte do mundo conhecido por eles chegou no século 16, juntamente com os soldados espanhóis, os monges colonizadores decididos a refazer o Novo Mundo de acordo com suas ambições e suas crenças.
O primeiro contato entre essas duas culturas tão diferentes foi breve, com a participação da figura de Cristóvão Colombo. Apesar de o grande marinheiro jamais ter aportado nas terras da América Central, em 1502 ele se aproximou da costa norte de Honduras, em sua quarta viagem para o local que ainda se acreditava ser as Índias. Perto da Ilha de Guanaja encontrou uma canoa equipada para o comércio, com 2,5 metros de comprimento, aparentemente escavada em um só gigantesco tronco de árvore. A embarcação levava vários homens, mulheres e crianças, além de pilhas de mercadorias arrumadas sob uma coberta de esteiras trançadas. A carga incluía pratos de cobre, machadinhas de pedra, espadas de madeira com lâminas de sílex afiadas como navalha, vasilhas de cerâmica, sementes de cacau e coloridos tecidos de algodão. Os relatos são contraditórios; não se sabe se o contato foi amigável, com troca de presentes, ou se os europeus simplesmente se apossaram daquilo que lhes interessava. O que se sabe realmente é que o encontro foi breve e que os estrangeiros logo se afastaram, dando pouca importância ao incidente nos registros do diário de bordo. Mas ficaram sabendo pelo menos de um dado significativo a respeito desse povo: vinha de uma região por eles denominada Maia, ou Maiam.
Um confronto posterior teve conseqüências mais graves. Em 1517, três navios espanhóis que navegavam por perto do litoral norte do Yucatán, à procura de escravos, fizeram escala em uma ilha, encontrando templos que foram saqueados pela tripulação e acabaram aportando no continente. Atacados por hordas de guerreiros, os 110 tripulantes conseguiram rechaçá-los com a artilharia dos navios. Quando os europeus voltaram para sua base, firmemente estabelecida em Cuba, e exibiram o produto do saque – que incluía ornamentos em ouro -, o destino dos maias estava traçado. Havia riquezas a conquistar no continente, e ninguém iria impedir os estrangeiros de se apoderar delas, em nome da coroa espanhola.
Hernán Cortés, que já havia destruído o grande império asteca do México Central em quatro anos, enviou então um de seus capitães para conquistar o novo território, na região que hoje engloba a Guatemala e El Salvador. A missão foi cumprida, rápida e brutalmente. Em 1524, o próprio Cortés marchou para leste, para a atual região de Honduras, dispersando os maias que encontrava pelo caminho e, em 1526, outro conquistador desencadeou o processo que permitiria subjugar o Yucatán.
A conquista do Yucatán terminou em 1547, embora alguns maias tenham se embrenhado nas densas florestas do interior, onde sobreviveram por mais de 150 anos, juntamente com seus descendentes.
A guerra e os selvagens surtos epidêmicos de doenças européias, como caxumba, varíola e gripe – contra as quais o povo local não possuía imunidade natural -, ceifaram as vidas de milhões de maias. A maioria dos sobreviventes foi despojada de suas terras e reduzida praticamente à condição escrava. Os senhores espanhóis também estavam decididos a erradicar todos os traços da religião nativa. Templos e santuários foram arrasados, os missionários puniam os suspeitos de idolatria com chicotadas, esticavam suas articulações com roldanas, ou lançavam-lhes água fervente. No Yucatán, o líder desses atos de “limpeza” do paganismo foi um franciscano chamado Diego de Landa.
Além dos dados recolhidos por Landa, praticamente nada que se relacionasse com os maias sobreviveu à conquista. A cultura maia foi sufocada, de todas as formas possíveis. O saber ancestral dos matemáticos e astrônomos foi esquecido – a única escrita autorizada era a européia – e os conhecimentos acerca dos antigos hieróglifos definharam. Enquanto isso, os cipós e as trepadeiras continuavam a invadir as antigas pirâmides escalonadas e os palácios de pedra.
Cerca de um século após a chegada dos europeus, as glórias do passado maia não mais existiam, haviam sido apagadas até da memória dos homens. A partir do final do século 18, pouco a pouco os maias começaram a emergir do esquecimento, graças aos esforços de alguns pesquisadores – aventureiros românticos, ou estudiosos e arqueólogos profissionais.
Uma das estruturas mais bem restauradas é a quadra para o jogo de bola, que possui várias esculturas de cabeça de arara, um símbolo real aparentemente exclusivo de Copán. Os especialistas ainda não sabem muito bem as regras do jogo praticado naquela quadra e em outras semelhantes, encontradas por toda a América Central. Pinturas em cerâmica sugerem que os jogadores arremessavam uma pesada bola de borracha apenas com os quadris e as nádegas, fazendo com que a bola ricocheteassem nas rampas que formavam a parede lateral da quadra, mas evitando que tocasse na parte central. Parece que às vezes a partida era disputada com grande risco, pois a derrota significava a morte por sacrifício. Alguns relevos indicam que um prisioneiro nobre, ou um rei, poderia ser amarrado como uma bola e arremessado de um lado para outro até suas costas se quebrarem.
Mesmo em uma partida rotineira, o jogo era encarado como uma espécie de combate ritual, no qual eram reproduzidos os dramas da religião maia. Afinal de contas, os Heróis Gêmeos haviam enfrentado os senhores do Mundo Subterrâneo em um jogo de bola. Patrocinando, e talvez até participando desses eventos, o monarca daria sua contribuição para que prosseguissem os movimentos do Sol, da Lua e de outros corpos celestes.

ESPELHOS DO POVO

Os maias encaravam o mundo com uma mescla de terror e admiração. A seus olhos, os três níveis do cosmo – o mundo superior dos céus, o mundo intermediário da Terra e o Mundo Subterrâneo dos mortos – transbordavam de energia sagrada. A ordem cósmica seria mantida apenas com a troca de atos generosos entre deuses e homens. Em outras palavras, os deuses continuariam a abençoá-los com alimentos, filhos, sol, chuva e outras graças, desde que os maias lhes dedicassem culto e respeito. Com o tempo, esse dever passou a ser responsabilidade da nobreza ou da elite que, em nome do povo, realizavam os atos rituais de devoção necessários à manutenção do equilíbrio entre o mundo terreno e o sobrenatural.
O desenvolvimento da civilização maia coincidiu com a evolução de um sistema extremamente estratificado de classes sociais. As famílias da realeza, consideradas de origem divina, controlavam todos os aspectos da vida da comunidade, da agricultura à guerra. No topo da aristocracia estava o rei, soberano supremo. De linhagem sagrada, o monarca se comunicava diretamente com os outros mundos; como deus encarnado e líder temporal, estava no centro do universo maia. A tradição determinava que a sucessão deveria ser hereditária, por linha paterna, mas as famílias reais compunham importantes alianças por meio de casamentos, freqüentemente, as mulheres da nobreza ocupavam posição de destaque. Em Palenque, duas mulheres chegaram ao mais alto posto do governo.
O vestuário e os ornamentos da sagrada pessoa do rei representavam muito mais que sinais exteriores de riqueza. Significavam seu poder sobrenatural. A vestimenta da nobreza maia, bem como de seus súditos e cativos, é representada com riqueza de detalhes em figuras de cerâmica – encontradas nas tumbas da Ilha de Jaina, ao largo da costa do Yucatán. Emblemas de poder, os espelhos simbolizavam brilho e soberania. Na verdade, o grande senhor era considerado como o “espelho de seu povo”.

MÚSICA E DANÇA: ALEGRIA PARA OS DEUSES

A música e a dança eram vitais entre os maias, que recorriam a elas para louvar, rezar e agradecer às divindades. Os rituais de iniciação, a caça, a semeadura e a comunicação com os deuses sempre eram acompanhados de composições musicais e coreográficas apropriadas à ocasião.
Apesar de os sons musicais e o ritmo dos movimentos terem se perdido, os músicos e bailarinos são onipresentes em esculturas, murais e cerâmicas. Em todas as representações, músicos tocam tambores, trombetas, flautas e apitos, enquanto os bailarinos executam seus passos – sozinhos, em pares, ou em grupos.
Os tambores eram feitos de madeira, cerâmica, concha ou carapaça de tartaruga; as trombetas, de concha ou de longas cabaças fixadas a varas ocas; as flautas e os apitos, de madeira ou de ossos de cervo.

A BUSCA DE VISÕES NO MUNDO DOS ESPÍRITOS

Em sua condição de intermediária entre os vivos, os deuses e os ancestrais, a realeza maia executava diversos rituais destinados a abrir os portais entre o mundo terreno e o dos espíritos. Nesses rituais, os participantes procuravam atingir um estado de alteração de consciência acompanhado de visões, buscando contato direto com o sobrenatural. Os nobres utilizavam intoxicantes bebidas fermentadas e plantas alucinógenas, não só para induzir essas visões, mas também para atingir uma condição preliminar, propícia a mais importante prática ritual: a sangria.
Havia inúmeras ocasiões para essa prática. Todo evento significativo, do nascimento à morte, da semeadura do milho à ascensão de um rei, requeria uma oferenda de sangue. Mais que um ato simbólico, essa oferenda servia para que os humanos dedicassem aos deuses seu mais valioso dom.

UM JOGO DE VIDA OU MORTE

O clássico jogo de bola maia, praticado pelos nobres, não era um passatempo inocente para uma amena tarde de verão. Nas quadras meticulosamente construídas em locais escolhidos, entre edifícios cerimoniais da cidade, os participantes rememoravam o mítico jogo dos Heróis Gêmeos contra os senhores da morte do Mundo Subterrâneo. Como no mito, que conta a batalha entre a vida e a morte, às vezes o vencido era sacrificado no final do jogo ritual.
Os detalhes desse jogo não são conhecidos, mas a arte maia representa os jogadores com grande detalhe: os braços, os joelhos e o abdome estão sempre protegidos com espessos acolchoados, para amortecer os golpes da sólida bola de borracha maciça, do tamanho de uma bola de basquete.
As atitudes estáticas que agradavam aos artistas maias não impedem que as pinturas transmitam a intensa atividade necessária para manter a bola em movimento.
Apesar de, por muitos anos, os arqueólogos se recusarem a admitir que o jogo tinha caráter sacrificial, a arte e as inscrições maias demonstram que as partidas às vezes terminavam em morte. Os prisioneiros, às vezes identificados nos glifos por seu nome e sua posição social, enfrentavam outros cativos ou um grupo de nobres locais. Há várias representações do final sangrento dessas partidas. O perdedor poderia ser atingido com a pesada bola até a morte, ser decapitado ou servir como bola em um segundo jogo. Enrolado e amarrado, firmemente, era atirado pelas escadarias do templo, ou lançado de um lado a outro da quadra.

OS DEVERES DA REALEZA NA VIDA MILITAR

Durante muito tempo, a falta de fortificações e de vestígios de grandes conflitos levou os arqueólogos a concluir que os maias, ao contrário dos astecas, levavam uma utópica vida pacífica. Mas o exame detalhado da arte e da literatura maia demonstrou mais tarde que, longe de se dedicar apenas aos violentos jogos de bola, eles guerreavam com freqüência e perpetravam sacrifícios humanos. Ao longo de quase toda sua história, as campanhas militares apresentaram as mesmas características, com uma preparação elaborada, batalhas curtas e grande número de prisioneiros.
Um período de intensa atividade ritualística, na qual invocavam a proteção dos deuses, precedia cada ataque. Depois, os guerreiros se cobriam com seus magníficos adornos de batalha – capacetes enfeitados com penas, vestes em pele de jaguar, jóias trabalhadas, berloques e outros adereços simbólicos. Em contrapartida, as armas eram simples e funcionais – principalmente lanças, facas, maças e escudos.
Como a prioridade era capturar o inimigo – e não matá-lo no campo de batalha – os reis maias, que lutavam ao lado de seus soldados, confiavam mais na estratégia e na astúcia que na força bruta. As pessoas comuns se convertiam em escravos dos vencedores, enquanto os prisioneiros nobres eram despojados de seus adornos e mutilados, para ser depois sacrificados aos deuses maias, presumivelmente para o bem de todos.

UM CÉU CHEIO DE SINAIS E DE PRESSÁGIOS NORTEIA A VIDA

Desde o início da história maia, os sacerdotes perscrutavam, nos complexos movimentos dos corpos celestes, os caminhos celestiais dos deuses. Acreditavam que podiam interpretar os sinais dos céus – mensagens das divindades – para prever reveses, saber o futuro das dinastias e identificar o momento mais propício para a semeadura, os casamentos e os rituais sagrados.
A premente necessidade organizar e decodificar esses sinais originou o desenvolvimento de um sofisticado sistema astronômico. Com o tempo, consignaram seus cálculos e sua sabedoria em códices, dos quais apenas quatro fragmentos sobreviveram, revelando um sistema de calendários baseado nos movimentos do sol, da lua e do planeta Vênus.

OS TESOUROS MAIAS

Os artistas maias criaram inúmeras obras-primas, não apenas para o deleite dos olhos, mas também para homenagear seus deuses e soberanos em rituais de veneração, confissão e proteção. Modeladas em argila, gravadas em pedra, em conchas e em minerais coloridos e freqüentemente pintadas em cores vivas, suas obras apresentam enorme variedade de formas – míticas, humanas e animais. Todos os elementos do projeto eram imbuídos de significado espiritual ou simbólico. Por exemplo, supunha-se que a máscara de jade colocada sobre a face de um rei morto conferisse vida eterna a sua alma.
Sem dispor de utensílios de metal, nem da roda de oleiro, os artesãos criaram trabalhos de grande beleza e precisão com o uso de moldes, de técnicas de enrolamento e aplicação, ou mesmo modelando à mão livre. Implementos de pedra e abrasivos eram empregados não só para moldar minerais duros, como o jade, mas também sílex e conchas. A tradição definia a forma e mesmo a decoração da maioria dos projetos; no entanto, os artistas se expressavam com notável liberdade criativa ao tratar de pequenos detalhes.
Na verdade, a maioria das obras de arte maias conta uma história cheia de ação e sensibilidade. Os homens e mulheres que a produziram se exprimiram em um estilo narrativo e naturalista, no qual todos os assuntos são permeados de forma marcante por ferocidade, humor e delicadeza.

O INIGUALÁVEL PERCURSO DOS SÉCULOS MAIAS

Pouco após o final da última Idade Glacial, há cerca de 10 mil anos, os primeiros habitantes da atual América Latina se deslocaram do norte para as terras que mais tarde seriam o domínio dos maias. A área, marcada pela diversidade – com montanhas e planícies, densas florestas e terrenos de escassa vegetação, abrange a Península do Yucatán inteira, todo o território da Guatemala e de Belize, partes do México, de Honduras e de El Salvador. Ao longo de cerca de 6 mil anos, os habitantes transformaram gradualmente sua vida seminômade de caçadores e coletores em uma cultura agrícola, mais sedentária. Aqueles agricultores principiantes passaram a cultivar principalmente milho e feijão, criaram uma série de implementos para moer e preparar os alimentos e começaram a se organizar em pequenas aldeias.
Por volta de 1500 a.C., começaram a construir as primeiras verdadeiras cidades, marcando o início do chamado período pré-clássico, época em que nasceu a civilização maia.

PERÍODO PRÉ-CLÁSSICO
1500 a.C – 250 d.C.

À medida que os primeiros habitantes se tornavam mais hábeis no cultivo e no aperfeiçoamento de seus produtos agrícolas, começaram a aparecer aldeias de denso povoamento nas terras e nas planícies da região maia. Por volta de 1000 a.C., os habitantes de Cuello, no norte de Belize, já dominavam a arte da cerâmica e faziam o enterro cerimonial de seus mortos. A arte maia antiga revela a influência dos olmecas – uma evoluída civilização do Golfo do México, que mantinha relações comerciais com toda a América Central. Segundo alguns especialistas, as idéias de monarquia e de sociedade hierarquizada surgidas entre os maias poderiam resultar da presença olmeca na parte sul da região maia, entre 900 e 400 a.C.
Enquanto o poderio olmeca declinava, os centros maias cresciam e prosperavam. Por volta de 300 ou 250 a.C., grandes cidades como Nakbé, El Mirador e Tikal começaram a tomar forma. Os calendários sagrado e solar já eram utilizados; começava a se desenvolver um sistema hieroglífico e principiava a construção de templos ornamentados com esculturas dos deuses maias e, mais tarde, de seus monarcas. As tumbas reais desse período contêm soberbas oferendas.


PERÍODO CLÁSSICO ANTIGO
250 – 600 d.C.

Por volta de 250 d.C., Tikal e a vizinha Uaxactún estavam entre os centros de poder econômico e político das terras baixas do centro do território. A sociedade era estratificada, com uma nobreza dominante e a classe de camponeses, agricultores, artesãos e outros trabalhadores. A partir do século 3º, os reis ganharam status de divindades e passaram a erigir templos-pirâmides e estelas, nos quais gravaram imagens e inscrições para homenagear a si mesmos e a seus reinos. Rituais envolvendo sangria e sacrifícios humanos desempenhavam o papel de oferendas. A mais antiga Estela conhecida, datada de 292 d.C., provém de Tikal e registra a memória de um descendente do Senhor Yax-Moch-Xoc, que no início daquele século fundara uma dinastia que reinou por seiscentos anos. O nono rei dessa dinastia, Grande-Jaguar-Pata conquistou Uaxactún em 378. Nessa época, Tikal estava sob a influência de grupos de comerciantes guerreiros da grande metrópole de Teotihuacán, dos quais parece ter absorvido o costume das guerras rituais.
Durante o século 6º, um misterioso período de letargia se abateu sobre Tikal: de 534 a 593, foram eregidos poucos edifícios.

PERÍODO CLÁSSICO TARDIO
600 – 900 d.C.

Anunciada por um frenesi de construção de novos palácios e templos, a cultura maia clássica alcançou altos níveis nos séculos 7º e 8º. Tikal reencontrou sua glória, porém evoluíram também vários outros centros poderosos. Na região ocidental, Palenque floresceu sob o reinado do Senhor Pacal, que subiu ao trono em 615 d.C. e foi sepultado, com a pompa de um deus, em 683. A cidade de Copán alcançou proeminência no século 7º, sob o governo de Jaguar-Fumaça, ao longo de 67 anos. Embora se unissem em casamentos reais e partilhassem aspectos culturais – incluindo estilos artísticos e concepções religiosas, esses centros permaneceram independentes e em guerras freqüentes.
A arte progredia, à medida que habilidosos artesãos atendiam às necessidades da elite dominante, produzindo uma variedade de objetos finamente talhados. Os monarcas continuaram a erigir edifícios cerimoniais e inúmeras estelas para sua própria glória. No entanto, a partir do início do século 8º e culminando no século seguinte, a turbulência invadiu a cultura maia das terras baixas. O colapso político atingiu Copán por volta de 822; e 869 é a última data inscrita em Tikal.

PERÍODO PÓS-CLÁSSICO
900 – 1500 d.C.

Falência da agricultura, superpopulação, doenças, invasões estrangeiras, revolução social e guerras incontroláveis – estas são algumas hipóteses que explicariam o colapso da civilização maia nas terras baixas do sul. Por volta de 900 d.C., já não se erguiam edifícios, e as grandes cidades antigas, abandonadas por seus habitantes, se transformavam em ruínas. Mas a cultura maia continuava a prosperar em alguns centros do norte do Yucatán. Caracterizadas por um estilo arquitetônico ricamente ornamentado, as cidades de Uxmal, Kabah, Sayil e Labná, aninhadas entre as Colinas de Puuc, continuaram a se desenvolver até o século 11 da era cristã.
Por volta dessa época, a cidade de Chichén Itzá conheceu dois séculos de progresso. Depois da misteriosa queda de Chichén Itzá, em 1200, a cidade murada de Mayapán se converteu em poder dominante no Yucatán. Governada pela família Cocom por 250 anos, Mayapán foi destruída em 1441, por uma coalizão de chefes rivais. A partir daí, a civilização maia tombou no caos e não tardaria a enfrentar uma catástrofe ainda maior: a chegada dos espanhóis, no início do século 16.

Fonte:

.CIVILIZAÇÕES PERDIDAS – O ESPLENDOR DOS MAIAS. Abril Coleções. 1998, RJ