sexta-feira, 10 de outubro de 2008

ARTE ETRUSCA

PREFEITURA DE SÃO GONÇALO
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

HISTORIANDO AS ARTES II

ARTE ETRUSCA

Nesta arte é determinante o condicionamento do mais culto e progressista mundo grego, do qual os Etruscos não puderam fazer menos do que aumentar o prestígio em todos os campos. Tal influência é sempre perceptível, ainda que de maneira diversa, em conformidade com as épocas: tanto por ele ter dado lugar a fenômenos de participação - como no período arcaico - ou de sujeição - como no período helenístico, ou, mais simplesmente, de incompreensão. Neste último caso, assiste-se ao reflorescimento de tendências próprias, qualificáveis como de espontaneidade, expressividade, conservadorismo e incoerência.
A área em que se desenvolveu a civilização etrusca é, sobretudo aquela a que chamamos Etrúria, isto é, a grande região que tem por limites os rios Tirreno, Tevere e Arno. A ela devemos depois acrescentar a chamada Etrúria paduana, a qual acaba por se resumir, no que à arte respeita, ao território de Bolonha e, ainda que teoricamente, a Etrúria Campânia. Finalmente, deve citar-se o Lácio latino - a Sul do Tevere, com Roma em primeiro lugar, que, em especial no período arcaico, é de fato inseparável da Etrúria devido a uma geral unidade da cultura etrusco-latina.
Quanto ao tempo, pode estabelecer-se uma curva que vai do século VII a todo o século III antes de Cristo: ou melhor, desde a dominação da área ocupada pelos "vilanovianos" - cidade de Vilanova, até ao momento em que, já submetida à nação à hegemonia romana, se verifica uma ruptura com o passado e a progressiva helenização geral da Itália, emanada de Roma.

Arquitetura

Os Etruscos não foram o que se poderia dizer um povo de arquitetos, exatamente pelo seu gosto pelo imediato, pelo espontâneo, e dentro de certos limites, pelo efêmero. É disto prova, embora indireta, o emprego sistemático de materiais facilmente perecíveis nas construções, como o tijolo cru e a madeira, e a utilização da pedra - sobretudo de origem vulcânica, abundantíssima na Etrúria - limitada quase só, ainda que largamente, aos alicerces e envasamentos. Sem contar com o fato de terem passado quase ignoradas aquelas ótimas pedreiras de mármore de Carrara que só os romanos começaram a explorar sistematicamente, no início da era imperial.
Assim, enquanto que é freqüente acontecer com as antigas civilizações ser a arquitetura a expressão artística que para nós tem grande interesse - pela abundância de testemunhos e pela sua melhor conservação -, no caso da Etrúria é preciso admitir que não só não nos chegaram grandes monumentos arquitetônicos, como, provavelmente, eles jamais existiram. Pelo simples motivo de que a arquitetura etrusca nunca existiu, naturalmente no verdadeiro sentido da palavra: isto é, como resultado e expressão de uma elaboração artística dos elementos de um edifício. Entretanto, como é óbvio, não lhes faltaram construções.
No que toca à monumentalidade e duração (e, por isso, à possibilidade de tomarmos conhecimento delas), a única exceção é constituída por aquela que é costume designar-se por arquitetura funerária: este fato deve-se às concepções etruscas sobre o além-túmulo e a definidos programas nobiliárquicos, que reconheciam no túmulo o monumento da família. Mas, neste caso, trata-se de uma arquitetura muito particular, na maioria dos casos de escavação e entalhe, com os túmulos subterrâneos escavados na rocha, ou com as grandes fachadas dos mausoléus rupestres arranjados nos flancos (lados) das colinas: uma arquitetura em negativo, em suma, uma pseudo-arquitetura, embora surja estreitamente relacionada com a verdadeira arquitetura, sempre lhe imitando com fidelidade as formas tanto externas como internas.
De fato, a concepção etrusca do além-túmulo, com a tão tenaz idéia de certa sobrevivência da entidade vital do homem no próprio local da sua sepultura, fez com que o túmulo fosse entendido como uma verdadeira casa dos mortos e, assim, realizada pelo modelo da casa dos vivos. Isto permite-nos transferir idealmente o esquema do túmulo, enquanto túmulo-casa, para os poucos restos das casas verdadeiras que tem sido possível recuperar, complementando-os assim idealmente, tanto interna como externamente.
Ricas em objetos de uso doméstico, as construções funerárias guardavam, além da lembrança da morte (lembrando os momentos agradáveis do morto em sua existência terrena), um documento da própria vida, tornando-se, portanto, um testemunho histórico de incomparável valor. Acreditando na vida de além-túmulo, os etruscos celebravam os funerais com banquetes e jogos e colocavam nas sepulturas armas, jóias e objetos que julgavam necessários ao morto. Os sarcófagos eram ornamentados com esculturas que representavam o defunto e sua mulher sempre de forma descontraída e natural; as paredes eram pintadas com motivos vistosos destinados a propiciar a sorte, a felicidade. Entretanto, as cerimônias e a riqueza de adornos eram, certamente, prerrogativas da classe aristocrática, pois são raros os exemplos de tumbas mais trabalhadas, enquanto as sepulturas comuns, desprovidas de ornamentos, foram encontradas em grande número.
O túmulo depressa abandona o tipo do tholos (de planta circular, inteiramente construída com grandes blocos e coberta com uma falsa cúpula), espalhado por todo o Mediterrâneo, virando-se para um conjunto com mais salas, subterrâneo ou escavado na rocha. Este tipo, presente segundo as épocas, é caracterizado por uma sala central, à qual se chega por um longo corredor e em torno da qual - ou para além da qual - se dispõem as outras dependências, as celas funerárias.
Passando ao exame do aspecto exterior, isto é, da parte mais propriamente arquitetônica destas construções, são evidentemente típicos e exclusivos da arquitetura funerária até meados do século VI antes de Cristo os grandes túmulos de terra. Estes são sustentados por um envasamento cilíndrico, construídos com fileiras de blocos paralelepípedos de pedra - e eventualmente apoiados sobre uma parte inicial diretamente escavada na rocha - que se sobrepõe aos grandes túmulos subterrâneos de várias câmaras. Mas os túmulos "de cortiço", inteiramente construídos com fiadas de blocos de pedra e cobertura em falsa abóbada, obtida através de uma progressiva inclinação para dentro das fiadas superiores e por uma série final de blocos de fecho - e os túmulos que os imitam, entalhados na rocha das necrópoles rupestres, autorizam-nos a alargar esta documentação a uma plano mais geral.
Tendo em conta que provavelmente não existiam planos para a construção de edifícios públicos (dos quais, todavia, nada conhecemos, para além de simples vestígios de locais de espetáculos, de resto excepcionais e muito precários), estes tipos de túmulos compõem o panorama da arquitetura etrusca.
O templo etrusco surge caracterizado por uma planta quase quadrada, metade da qual é ocupada pela cella - única, quando dedicado a um único deus, ou tripartida, quando consagrado à Tríade Divina mais importante - Tin (Zeus), Uni (Juno) e Menerva (Minerva). O compartimento central é ladeado por duas alas, ou deambulatórios, a outra metade por um vestíbulo, ou pronaos, com colunas muito distantes entre si e geralmente metidas no prolongamento das paredes laterais da cella. Todo o edifício era coberto por um telhado de telhas, de duas águas, muito amplo, baixo e pesado, bastante saliente em relação às paredes laterais e fachada, onde rematava, dando lugar a um frontão triangular interrompido, e, no interior - dando correspondência ao pronaos, munido de um telheiro inclinado para frente.
Finalmente, o edifício religioso era completado - ainda que nem sempre, ao que parece - com um pódio de alvenaria que, substancialmente distinto do edifício propriamente dito, tinha a exclusiva função de organizar e elevar a construção e, ao mesmo tempo, de isolá-la da umidade.
Fora o pódio e os alicerces, que eram de pedra, o templo etrusco era sempre construído com materiais perecíveis, como os tijolos crus e madeira: segundo alguns estudiosos, talvez por motivos de ordem ritual.

Escultura

Também no que concerne à escultura, como, em parte, quanto à arquitetura, as manifestações artísticas dos Etruscos põem-nos perante um panorama absolutamente peculiar. Não tanto por estarem na sua quase totalidade ligadas a fins religiosos e funerários, dado que faltam quase totalmente - tanto quanto saibamos os motivos inspiradores profanos, como os acontecimentos históricos, as celebrações de honrarias cívicas e de feitos atléticos, os motivos de "gênero" e outros; mas porque em total acordo com as tendências de fundo que caracterizam toda a produção etrusca e que levam à espontaneidade, à expressividade e, por isso, à procura de efeito e à rapidez de execução, esta escultura é essencialmente fruto do trabalho dos modeladores. Isto é, deriva da atividade de artistas inteiramente ligados à modelação em argila - a coroplástica a arte de trabalhar a argila -, quer as suas obras se destinassem como era o caso mais freqüente, a permanecerem como obras de argila (as terracotas), querem se destinassem a ser fundidas em bronze (através da fase intermediária da cera). Isto não quer dizer que faltem, entre os testemunhos escultóricos da Etrúria, os trabalhos em pedra; pelo contrário, são abundantes e estendem-se por todo o desenrolar da civilização etrusca.
Por outro lado, a predileção pela coroplástica não acontece por acaso, tendo sido com ela que os artistas etruscos realizaram as suas obras mais felizes e na própria elaboração da pedra, enquanto que o mármore é ignorado por completo. São preferidos os materiais ligeiros - tufos (pedra porosa de origem vulcânica), arenitos, alabastros, os quais se prestam a um tratamento fácil e imediato, muito próximo daquele que é característico da argila, embora não chegando - salvo raras exceções - àquela originalidade e àquela frescura de expressão que na argila são muito mais do que raras.
A substancial ausência de um verdadeiro sentido escultórico entre os Etruscos não só é perceptível na produção de vulto inteiro como também no relevo, largamente documentado, sobretudo na produção funerária.
Quanto aos motivos inspiradores da produção escultórica, conforme já referimos também eles são procurados na esfera do mundo sacro e funerário e surgem condicionados por finalidades precisas que se resolvem numa tendência bem defenida. Toda a atenção é concentrada no assunto e no seu significado.
As criações mais características da arte etrusca são, certamente, as estátuas fúnebres. Os sarcófagos eram, em geral, executados em terracota pintada (a cor está intimamente ligada à forma - não acrescentada, mas sim coexistindo) e na tampa esculpia-se a imagem do morto, freqüentemente acompanhado da mulher. Essas obras revelam uma força expressiva extraordinária, captando com mestria traços essenciais do modelo. A imagem do morto sobre o sarcófago asseguraria a continuação de sua vida no além.
Considerando emblemático da arte etrusca, objeto de apaixonadas discussões de cada discurso acerca dela, o Apolo de Veios é o mais eloqüente testemunho da individualidade e irrepetibilidade da obra de arte etrusca.
Também as outras figuras do grupo a que pertencia o Apolo - o Heracles, a cabeça de Hermes e a Deusa com o menino, diferentes e, no entanto, idênticas na forma e na representação expressiva, e as outras terracotas do revestimento do Templo de Portonaccio, em Veios, demonstram uma grande liberdade de invenção e um mesmíssimo estilo fortemente individual. São exatamente graças a este estilo que faz falar, com razão, de um Mestre do Apolo (sem dúvida a mais alta e original personalidade artística do mundo estrusco que chegou até nós) que as estátuas de Veios se nos apresentam quase como um fenômeno isolado.
Chegaram-nos, alguns grandes bronzes, restos de um verdadeiro naufrágio, se considerarmos a fama de bronzistas que os Etruscos granjearam no mundo antigo.
O exame destes bronzes datáveis de entre o final do século V e as primeiras décadas do século VI antes de Cristo, reporta-nos em geral às considerações já feitas.

Pintura

A prioridade do destino funerário, evidente, ainda que não exclusiva, nas outras manifestações artísticas da Etrúria, torna-se uma característica quase absoluta no caso da pintura. Trata-se, pois de uma pintura funerária, mais precisamente tumular. De fato, embora não faltando outros indícios além dos raros exemplos concretos de uma pintura provavelmente destinada a decorar interiores de edifícios sacros e talvez também de habitações com painéis feitos de placas de terracota, dispostas umas ao lado das outras, como revestimento parietal, a quase totalidade das pinturas etruscas que conhecemos pertence precisamente aos túmulos: aos de Tarquínia, em particular, mas também, embora em menor medida, aos de Chiusi e, apenas esporadicamente, aos de Veios, Cerveteri, Vulci e Orvieto.
Mais uma vez nos encontramos, aqui, perante motivações práticas que correspondiam a exigências definidas, inerentes à concepção do mundo do Além e aos alvos aristocráticos das famílias mais destacadas.
Ligada a um princípio do tipo mágico-religioso, baseado num conceito de participação mística, a pintura parietal dos hipogeus tumulares tem a intenção de recriar para o morto, naquela que passa a ser considerada a sua morada definitiva, o seu ambiente enquanto vivo. Daqui os temas: momentos da vida real, nos seus aspectos mais significativos, mais serenos e aprazíveis. Os mesmos elementos que poderiam parecer meramente decorativos - frisos, cornijas, pedestais, etc. se destinam apenas a reconstituir o ambiente doméstico, para já não falar de traves, sofitos, frontões e outros, sempre destacados pelo relevo e pela cor e que aludem não só a casa propriamente dita, como também a pavilhões de caça, locais de espetáculos e outros.
Entre as cenas da vida cotidiana as quais, naturalmente, se referem às vidas das grandes famílias, as preferências vão, por um lado, para as representações de movimentos - danças, competições de atletismo, jogos, por serem consideradas como suscetíveis de transmitirem ao morto algo da força, potência e vitalidade que elas exprimem; por outro lado, temos as representações de banquetes, quase sempre acompanhados por músicos e dançarinos, por serem considerados como capazes de evocarem e, por isso, de fixarem para sempre a categoria social do defunto. Deve-se a isto, muito provavelmente, o lugar ocupado pelo banquete, quase sempre na parede mais importante do túmulo, a do fundo, e, com raras exceções, está sempre presente no repertório da pintura funerária.
Seja como for, o caráter fundamentalmente realista das cenas só cede a certo sentido da imaginação quando, a partir do século IV antes de Cristo, se debilita o conceito da sobrevivência da entidade vital do morto no próprio túmulo e se afirma o da sua transmigração para um reino das sombras, este de origem grega. Procura-se agora representar o destino do homem para além da sua existência terrena; e as cenas, introduzindo um elemento completamente novo e de grande originalidade, passam então a referir-se ao mundo do além-túmulo. Neste mundo tenebroso e fantástico, ao lado dos seres monstruosos e divinos - demônios, deuses, heróis mitológicos, são colocados os defuntos, identificados por retratos e inscrições com esclarecimentos genealógicos que exaltam o orgulho nobiliárquico das grandes famílias, circundados por um halo negro e representados na sua viagem aos infernos, ou então num banquete no Inferno.
As representações estão geralmente dispostas em cenas "contínuas", grandes afrescos descritivos e narrativos, que não tem em conta a divisão parietal, mas que, com a sua acentuada tendência para a horizontalidade, antes parecem dilatar os angustiosos espaços das câmaras sepulcrais. Só numa segunda época, a partir do século IV antes de Cristo, os frescos contínuos são substituídos pelos painéis com cenas separadas e grupos de figuras isoladas, coincidindo com a afirmação das novas concepções sobre o mundo dos mortos e, em particular, com a difusão dos modelos iconográficos gregos.
A junção desenho-cor realiza-se, substancialmente, com a superfície de campo delimitada por uma nítida e espessa linha de contorno, negra e mais ou menos contínua, que desenha a figura, dando-lhe corporalidade e consistência. A função do contorno linear já não desaparece mais.

Outras Artes

Este capítulo final, pois, respeita a obras de proporções diminutas, que de menores, apenas possuem as dimensões. No entanto, devemos sublinhar que é possível encontrar entre elas as mais significativas e originais obras de toda a arte etrusca; e que, mais ainda do que entre as de maiores proporções, são precisamente estas obras que nos dão a medida do gosto dominante e da capacidade inventiva das oficinas e dos mestres individuais: síntese, em suma, de todas as características, sobretudo as mais peculiares, que qualificam e distinguem a produção figurativa dos Etruscos.
Tudo o que se fez notar a propósito da escultura, vale também para a plástica em terracota e em bronze de pequeno formato: ou seja, são idênticos os limites impostos pelas meras exigências devocionais e pelos objetivos de um simples decorativismo exterior. Assim, no pequeno formato das figuras ou partes delas com destino votivo é o que constituem a produção mais numerosa.
Passando para a cerâmica, o contributo mais original e interessante está nos jarros de uma só asa, produzidos a partir de meados do século VII antes de Cristo e, em certo sentido, a serem considerados como a cerâmica nacional, ainda que não fosse exclusiva da Etrúria. É típico o modo de fabrico e de cozedura, que determina a inconfundível cor negra brilhante das vasilhas, classificando-as como sucedâneas dos recipientes de metal.

FONTE:

STACCIOLI, Romolo A. Como Reconhecer a Arte Etrusca. Livraria Martins Fontes Editora Ltda. S.P., 1986

SEGUNDA IDADE DE OURO BIZANTINA

SEGUNDA IDADE DE OURO BIZANTINA


O Império Bizantino, depois da época áurea das dinastias de Teodósio e Justiniano, iria manter-se ainda ao longo de oitocentos anos. Em Bizâncio tudo estava regido pelo princípio fundamental do império cristão que Constantino imaginara. A etiqueta da corte, a administração e o governo, as normas da arte e até da ciência derivavam de dogmas religiosos que os padres da Igreja fixavam os concílios. Deste modo ficara a haver na arte certos tipos estabelecidos, os quais se iam repetindo fielmente, nas suas linhas gerais, através dos séculos.
Hoje, distinguimos na arte bizantina, pelo menos, quatro estilos bem caracterizados:
· O primeiro, desde a fundação de Constantinopla (330) até aos imperadores iconoclastas (718);
· O segundo compreende o período de perseguição das imagens (726-787 / 1ª fase e 814-843 / 2ª fase);
· O terceiro, desde Basílio I (século X) até ao saque de Constantinopla pelos cruzados, em 1204;
· O quarto, desde esta data, 1204, até à tomada de Constantinopla pelos turcos (1453).
Estes quatro estilos correspondem aos quatro grandes períodos da sua história política. Bizâncio, com os seus imensos bairros, cheios de edifícios monumentais e protegidos por fortes muralhas, recordava a grandeza de Roma. O seu fausto atraía os chefes aventureiros e os povos ambiciosos, que viam nela uma presa de guerra inestimável.
As obras produzidas depois de um período de disputas e de revoltas tiveram um novo sabor e os antigos temas ganharam uma juventude maravilhosa. A arte que surgia alastrava em triunfo e por toda a extensão do Império se levantavam novas igrejas.
Quanto à arquitetura, é curioso observar como, depois da época de perseguição dos imperadores iconoclastas, os construtores modificam a forma das cúpulas, levantando-as sobre um tambor cilíndrico para que o edifício visto do exterior, tenha um aspecto mais agradável. Estas cúpulas, assim alteadas, já não podiam ser de tão grandes dimensões como as de Santa Sofia ou de Santa Irene; mas, em compensação, foram multiplicados e os arquitetos combinavam-nas nas plantas das suas igrejas. As cúpulas continuaram a ser o elemento principal das coberturas; mas neste tempo já não constituem a única preocupação do arquiteto, como sucedia na época de Justiniano, quando tinham de apoiá-las sobre pilares maciços e sujeitar-lhes as formas exteriores.
Temos deste segundo estilo numerosíssimas igrejas, e em todas elas se vê aparecer uma mesma liberdade de processos construtivos. Costumam ser precedidas de um pórtico, ou nartece, também com cúpulas, mas deixando ver atrás delas as da igreja propriamente dita, as quais se levantam em planos diversos. Os tambores destas cúpulas são poligonais, com janelas às vezes divididas por pequenas colunas, ou mainéis (janelas de duas luzes), e as paredes exteriores são decoradas com uma combinação elegante de faixas de pedra alternadas com fiadas de tijolo. No interior, a rica decoração de mosaicos ou de pinturas a fresco poderia levar-nos a confundi-los com os monumentos dos primeiros estilos bizantinos, se não fosse a elevação que se nota também nas cúpulas vistas de dentro.
Contemporaneamente a este renascimento arquitetônico construíram-se em Bizâncio novas dependências do palácio imperial, as quais, pelas descrições, podemos compreender que eram mais faustosas que as anteriores. O palácio imperial, comumente chamado Palácio Sagrado, estava a um dos lados do Fórum de Augusto.
A sua planta era uma reunião incoerente de edifícios no meio de jardins.
A casa de habitação bizantina, dispunha os aposentos ao fundo de um pátio, bem diferente do antigo tipo da casa greco-romana, com as divisões agrupadas em volta do átrio quadrado. Geralmente tinha a fachada principal decorada por um pórtico; se faltava espaço para este, construía-se um salão no andar superior com uma série de janelas, formando galeria ou miradouro.
Mais que a arquitetura, a verdadeira arte nacional bizantina foi a pintura. Assim como, na Antigüidade clássica, grega e romana, os grandes templos de mármore foram ornados de relevos e esculturas, também as paredes e cúpulas de tijolo das igrejas greco-cristãs da Idade Média eram decorados por revestimentos de mosaicos policromos ou (quando não se podia utilizar este dispendioso processo) com pinturas a fresco e painéis. Para as composições religiosas, os pintores dispunham de repertórios cedidos pelos monges, onde se lhes indicava o lugar que devia ocupar cada personagem. Conservam-se dois tratados da pintura e neles podemos ver com precisão modo como deviam ser representadas as cenas do Antigo Testamento, as doze festas maiores, os Concílios, ou passagens da vida dos santos. Por isso, a série de tipos bizantinos parece que devia ser do gênero mais fixo e matemático da história da arte, porque não só era ordenada liturgicamente a composição de cada cena, mas também lhe era marcado o lugar que devia ocupar no conjunto decorativo da igreja. Assim, por exemplo, na abside encontrava-se a figura gigantesca do Pantocrator, ou Todo-Poderoso, abençoando e tendo numa das mãos o livro onde estavam escritas as palavras do Senhor: Eu sou a luz do mundo. Esta figura, por vezes, é substituída pela Virgem sentada num trono com o Menino nos braços. De cada lado da nave sucediam-se cenas do Antigo e do Novo Testamento, numa certa ordem, de modo a facilitar o ensino do seu conteúdo aos fiéis.
A parede interna da fachada era o lugar mais indicado para o quadro de Juízo Final e nas paredes laterais das naves menores seguiam-se as filas de santos da igreja grega, cada um com a sua fisionomia característica. Nos pendentes das abóbadas aparecem grandes serafins de múltiplas asas, enquanto no alto, dentro das cúpulas, uma faixa formada pelos profetas rodeava a mão do Sumo Artífice saindo de uma nuvem. Este é o repertório clássico dos primeiros tempos da arte bizantina anterior à "querela das imagens" ou "questão iconoclástica", com predomínio do elemento teológico sobre o piedoso ou devocional; depois deu-se mais importância aos episódios evangélicos e ainda à vida dos santos.
Entre estes dois períodos - o teológico e o piedoso - deve intercalar-se a época iconoclasta, durante a qual foi absolutamente proibida a representação das pessoas divinas. A doutrina dos iconoclastas surgiu no século VIII, chefiada pelo imperador Leão III que em 726, 1ª fase da crise, toma posição contra os ícones. Em 787, a imperatriz Irene, viúva de Leão IV, convoca o VII Concílio de Nicéia, no qual o iconoclasma é condenado. Em 815, 2ª fase da crise Iconoclasta, Leão V proíbe no Concílio o uso de ícones. Em 843, Teodora, viúva do Imperador Teófilo, restaura a veneração dos ícones em um concílio nessa data, que restaura as resoluções do VII Concílio de Nicéia. Os monges defensores das imagens, e em geral a Igreja do Oriente, saíram robustecidos da crise, com maior influência e privilégios no Estado.
Depois da "querela das imagens", com o renascimento pictórico que se seguiu à repressão, os artistas lançaram-se com entusiasmo crescente a restaurar e a reproduzir os antigos ícones.
Os mosaicos foram libertados do seu sudário de cal e os afrescos repintados. Mas a pintura já não obedecia ao mesmo estilo hierático de outrora. Tal como no período anterior à perseguição iconoclasta, o grande protagonista da pintura bizantina fora o Redentor - Salvador = Sóter, depois da perseguição a predileta é a Mãe - a Matertoi = a Teotokos. As cenas delicadas do episódio de Joaquim e Ana, da Apresentação do Templo, a Visitação e a Anunciação acabam por prevalecer sobre as cenas da Paixão e Ressurreição.
Simultaneamente, cresce a hagiografia pictórica, ou cenas das lendas hagiológicas. Desde esse momento são os santos da Igreja grega os que proporcionam os temas preferidos. Para começar, os quatro santos principais: São Basílio, São João Crisóstomo e os dois Gregórios; mas, além destes, dá-se grande atenção aos mártires e confessores do Oriente e do Egito.
Quanto ao repertório da pintura laica, citemos os aposentos do palácio imperial. Entre as decorações, deviam figurar cenas do hipódromo (por cujas competições os bizantinos sentiam uma paixão herdada dos antigos romanos), assim como caçadas, do gênero das que ornavam as residências de magnatas persas. À falta de exemplares monumentais deste tipo, podemos imaginá-los pelas descrições literárias e pelas iluminuras dos livros, que nos elucidam melhor acerca das formas.
Compreende-se que os imperadores e patrícios bizantinos apreciassem intensamente os livros enriquecidos com imagens. Os Evangelhos, o Octateuco e os Saltérios (livros dos salmos) deviam ter um repertório fixo, pois quase sempre eram escolhidos os mesmos assuntos e representados de modo idêntico.
O Saltério, ou livro dos salmos, foi também profusamente ilustrado. Tanto os Evangelhos como os Salmos são ilustrados segundo dois tipos ou séries de imagens. Uns têm iluminuras em toda a extensão da página; outros, só vinhetas marginais. Os últimos eram os mais comuns e populares.
Depois destes livros bíblicos, os mais notáveis manuscritos de caráter religioso foram os santorais, chamados menológios. Eram, sobretudo, galerias de imagens, onde o texto aparecia à maneira de complemento quase desnecessário.
Quanto aos pintores de ícones, de mosaicos ou iluminadores de manuscritos, conservam-se apenas alguns nomes, mas poucas informações biográficas, exceto dos que morreram como mártires durante a perseguição de artistas e pinturas.
As ilustrações dos santorais bizantinos, ou menológios, apresentam um curioso pormenor de repetirem freqüentemente como fundo o mesmo quadro arquitetônico, como se fosse um pano de fundo de teatro, repetindo-se até por vezes as arquiteturas dos lados, que estão adiantadas como se fossem bastidores. Isto fez supor que os iluminadores pintavam afinal cenas de teatro ou de representações semiteatrais, de mistérios. Entretanto, há dúvidas se, na realidade, podemos chamar a estes mistérios obras teatrais.
Depois da perseguição iconoclasta, os pintores bizantinos entregaram-se com ardor à produção de pinturas sobre madeira. São numerosos os dípticos com as doze festas do ano, os calendários com filas de santos e os quadros com imagens da Virgem e do Salvador. A maior parte das pinturas são executadas do mesmo modo: sobre a tábua, preparada com gesso e dourada, pintam-se figuras de cores vivas; as pregas dos mantos desenham-se riscando estas cores com um buril até que apareça o ouro do fundo, que forma as linhas das roupagens.
Alguns destes ícones não eram pintados, mas executados em mosaico finíssimo.
Depois dos ícones, como último ramo da pintura, temos os esmaltes. De uma técnica mais rica e de um material mais resistente, que assegurava a sua duração excepcional. Bizâncio aprendeu da Pérsia a arte dos esmaltes e o processo especial que os franceses chamam cloisonné. Este processo consiste em desenhar a figura sobre uma placa metálica e colocar depois, seguindo o desenho, pequenos tabiques soldados ao fundo, que o deixam dividido em vários compartimentos. Cada um deles se enche de pasta vítrea de cor, a qual é fundida a alta temperatura e depois polida. Nem as linhas das divisórias, nem as massas das cores sobressaem da superfície plana, a qual fica lisa e fina como pintura de vidro. Os esmaltes serviam para enriquecer ainda mais os objetos da suntuosa ourivesaria bizantina: as coroas, os grandes candelabros, os belíssimos altares e púlpitos, os relicários, as cruzes e as encadernações. Geralmente, aplicavam-se, já terminados, sobre os objetos que iam decorar; eram medalhões que serviam indistintamente para diversas peças de ourivesaria.
Após a revolução iconoclasta, as imagens esculpidas em vulto redondo deviam ser tidas como mais perigosas que as representações em baixo-relevo, e mesmo a estas eram preferidas as pinturas. Alguns dos ícones de Bizâncio deviam ser muito antigos, pois repetem figuras de catacumbas como "orantes", de braços ao alto – ícones da igreja das Blaquernas, chamada Blaquernitisa, e o da igreja de Calcopatria; este último representa da Virgem tendo sobre o peito um medalhão com o busto do Menino. As Madonas bizantinas em oração nunca foram do agrado do Ocidente. Mas uma outra, de pé, a Hodigitria, é a figura que serviu de modelo a todas as nossas imagens de Maria com o Menino nos braços. A Hodigitria era o ícone da igreja de Odegon, a capela dos guias, ou correios imperiais. Ali acorriam estes, antes de partirem com os sacos de cartas para as longínquas províncias do Império.
A Hodigitria tem um pé levemente adiantado, numa tensão de caminhar, como os guias. Leva a mensagem, que é Cristo, e este, ainda menino, traz já a missiva, o rolo de papiro que contém a nova Lei. É natural que os guias difundissem nas suas viagens a devoção ao seu ícone, prefirindo-o aos demais.
Outro ícone de Maria, reproduzido inúmeras vezes, é uma figura de Mãe sentada num trono de marfim com o Menino segurando o rolo sagrado. Sem coroa, sem jóias, era a Matertoi por excelência.
A súplica de Maria e de São João Batista tem um caráter já diferente da Deesis, porque acontece na Glória. Jesus está de pé ou sentado como imperador numa cátedra de marfim e Maria e João, o Precursor, estendem as mãos para interceder pela humanidade já redimida, mas ainda contumaz e sem se arrepender.
As figuras dos apóstolos em pequenos altares e marfins são as mais definidas pela iconografia bizantina e sempre pela mesma ordem: Pedro ao centro, à sua direita João e Santiago e à esquerda Paulo e André. As placas laterais mostram quatro santos cavaleiros e quatro confessores, tal como os encontramos nos mosaicos. No reverso das placas continua a procissão dos santos eremitas e doutores.
Amiúde, os ícones bizantinos acumulam as devoções por vários santos: estes aparecem dispostos em filas, associados pelo seu caráter, seja de combatentes ou estrategos, defensores da fé com a lança e a espada, seja de mártires confessores mostrando a cruz pela qual deram a vida, seja de eremitas com uma simples túnica, ou ainda de pregadores segurando um livro. Não aparecem como companheiras as santas virgens, viúvas e mártires, que se encontram nas procissões da Igreja latina. A liturgia bizantina relega as santas mulheres para um gineceu celestial ao qual, não se tem acesso da Terra, Maria, a Teotokos, ou Mãe de Deus, sintetiza todo o feminino da vida religiosa. Depois dela, o mais feminino são os anjos, criaturas andróginas.
Algumas placas de marfim ou esteatite representam a série das Doze Festas do ano, doze grandes solenidades distribuídas ao longo das quatro estações.
Tudo em Bizâncio, mesmo na época de maior decadência, se ordenava segundo princípios da hierarquia cristã. O imperador era o representante do Altíssimo na Terra e o Pantocrator, ou Todo-Poderoso, era o basileus, o imperador dos Céus. Entre ambos devia existir a relação de um monarca com o seu vice-rei. Por isso, encontramos frequentemente representados o basileus e a rainha com o próprio Jesus, que veio coroá-los. Bizâncio tomou a sério o cristianismo, ainda que desfigurado pela sua teologia e sufocado pela sua liturgia. Os três últimos séculos da arte e civilização bizantina foi sinceramente cristão. Não pensemos que, apesar da sua piedade regularizada, a vida bizantina se reduzisse as procissões, conspirações, deposições e coroações. Liam-se os autores gregos antigos e continuaram a representar-se tragédias clássicas ainda durante a Idade Média. O hipódromo também proporcionava espetáculos de mímica, acrobacia e bailado, cujas farsas e exercícios difíceis eram admirados com interesse semelhante ao de um público dos nossos dias. Esse gosto transparece em alguns objetos bizantinos, de caráter laico. Conservam-se cenas dos jogos de circo numa série de caixas de marfim com cercaduras de rosetas e figuras em quadros retangulares. Aparecem aí bobos, atletas ou ágeis bailarinos passando uns aos outras tochas acesas. Misturadas com estas representações surgem temas bíblicos, mas são assuntos históricos do Antigo Testamento.

FONTES:
História da Arte. Salvat Editora do Brasil Ltda. Tomo 3, capítulo 4 – Páginas 93 a 124 S.P.
PEDRO, Antonio e CÁCERES, Florival. História Geral. Editora Moderna, S.P. - Páginas 97 a 104.






A IDADE DE OURO DA ARTE BIZANTINA

HISTORIANDO AS ARTES II

A IDADE DE OURO DA ARTE BIZANTINA


Segundo a antiga tradição, o imperador Constantino, ao construir, nas margens do Bósforo, a nova capital, não fez mais que repetir, com uma beleza renovada, o mesmo plano, a mesma idéia de cidade, daquela Roma eterna que ficava no Ocidente e tinha sido até então a cabeça do Império. O estabelecimento em Bizâncio de famílias patrícias romanas, a divisão da cidade em colinas e bairros, como Roma, e o decreto em que se ordenava que fosse chamada "Nova Roma" mantiveram a crença de que Bizâncio, ou Constantinopla, como se chamou depois, não fora, na origem, mais que uma grande colônia romana estabelecida pelo capricho de um imperador, nos estreitos que separam a Europa da Ásia. Contudo, Roma deixara há tempos de ser o centro espiritual do mundo e o Oriente, nos primeiros séculos da era cristã, recusando a tutela latina e acolhendo de novo a tradição helenística, formara uma arte cristã própria e uma cultura independente. Diocleciano já se tinha estabelecido em Nicomédia e em Spalato; Constantino, preocupado pela mesma necessidade de possuir uma capital no Oriente, fixa-se na pequena povoação grega de Bizâncio; fundada por marinheiros de Mégara, em 657 a.C. Era uma cidade obscura, que tivera até aí uma participação insignificante na história.
Diz um historiador do século IV que o próprio Constantino assinalou com a ponta da sua lança o recinto da nova capital. As obras foram executadas com tal atividade, que poucos meses depois, em março de 330, se celebrou a cerimônia da consagração da metrópole. Não vamos analisar até que ponto estas indicações são exatas, mas é certo que Constantino deixou a sua cidade completamente formada, construídas as suas muralhas e as suas portas, provida de água e dotada dos principais núcleos de edifícios monumentais, que, constantemente reedificados, a adornaram durante toda a Idade Média.
Bizâncio nunca perdeu o duplo caráter de cidade helenística e capital cristã durante toda a Idade Média. Quando os cruzados, no século XIII, se apoderaram de Constantinopla, puderam ainda encontrar, e destruir, o gigantesco Hércules em bronze de Lisipo que se conservava a um dos lados da Praça de Augusto.
De todos os edifícios da Praça de Augusto, Santa Sofia foi o único monumento que se conservou até aos nossos dias.
Todos os edifícios constantinianos da Nea-Roma desapareceram.
Das construções ainda conservadas datando do século V avultam as famosas cisternas, cuja ordenação interior não tem precedentes na arquitetura romana. A área do depósito está dividida por arcadas em filas paralelas, sustentando a cobertura abobadada. A primeira (Yerebatan Sarayi) é do século V; a segunda, de 528 (Bin-Bir-Derek).
As colunas que sustentam estas extraordinárias cisternas apresentam capitéis com formas que permaneceram típicas na arte bizantina e diferentes dos capitéis clássicos da arte romana: uma peça em forma de pirâmide truncada, de base quadrada, interpõe-se entre o capitel e o arco e serve de imposta (base). É o chamado pulvinar (almofada), tão característico da arte bizantina.
Estas manifestações de um espírito novo são corroboradas, sobretudo, pelos mosaicos, a revestir todas as superfícies do edifício que admitem decoração. Placas de mármores jaspeado, com veios cortados em diagonal, servem para dar ao interior um aspecto etéreo, fluido, ligeiro, acentuado pelos mosaicos de fundo de ouro, que desmaterializam as paredes como se fossem névoas irisadas.
Durante o longo reinado de Justiniano (527-565) acabam as hesitações (entre as tradições romanas e os valores orientalizantes) e constrói-se no estilo que, por ter produzido as suas obras-primas na capital, chamamos bizantino, cujo monumento mais famoso é a igreja metropolitana de Santa Sofia de Constantinopla, ainda em relativo bom estado de conservação. Nela são usados já todos os métodos construtivos e os mais engenhosos recursos da construção bizantina. É a maior realização desta arte singular e, ao mesmo tempo, o primeiro monumento do seu gênero. Como nos tempos de Constantino, também esta igreja se deve à iniciativa pessoal de um monarca; o imperador até chegou a mandar fazer uma residência provisória no local das obras, a fim de poder inspecionar diariamente o andamento dos trabalhos.
A planta do edifício revela que todo ele se desenvolverá obedecendo a um novo sentido artístico; um simples exame permite-nos ver que todas as partes estão dispostas de modo a conter a grande cúpula central, de 31 m de diâmetro, inscrita num grande quadrado e sustentada nos ângulos por quatro pendentes sobre quatro pilares. Isto constitui a principal inovação da arquitetura bizantina. As cúpulas romanas assentavam, por interméio das suas paredes, diretamente no solo, ao passo que a enorme meia-laranja de Santa Sofia está como que suspensa no ar, apoiada nos seus arcos e pilares.
As igrejas bizantinas de Constantinopla foram mutiladas e caiadas pelos turcos e é difícil apreciar a beleza de muitas delas, faltando-lhes, além disso, a decoração de mosaicos e os ornamentos litúrgicos que as enriqueciam. Pelo contrário, em Ravena, a cidade italiana das margens do Adriático, que foi capital do exarcado, conserva-se quase intactas jóias admiráveis da arte bizantina. Ravena foi durante três séculos como que um bairro de Constantinopla.
A sua importância data da época de Honório, o filho de Teodósio. Sentindo-se pouco seguro em Roma, ameaçada pelos bárbaros, Honório transferiu a sua corte para Ravena. Na época de Honório construíram-se em Ravena vários edifícios importantes, mas apenas se conservou intacto o rico mausoléu de sua irmã Gala Placídia, com a sua decoração de mosaico.
Os imperadores bizantinos tornaram Ravena a capital de um importante exarcado, com jurisdição nominal ou efetiva sobre a Itália meridional, a Sicília, a costa do Norte da África e a Espanha. Foi então que Ravena se enriqueceu com novos monumentos que ainda hoje podemos contemplar.
A última obra dos exarcas bizantinos em Ravena é a igreja dedicada a São Vital. Mantém-se intacta, com exceção dos mosaicos, uma parte dos quais ficou por terminar e outra foi destruída no Renascimento. A planta da igreja de São Vital foi traçada segundo o princípio bizantino de dispor todos os elementos em volta de uma grande cúpula central, sustentada por pilares e colunas.
No domínio da escultura, os bizantinos devem ter realizado muito mais e melhor do que o revelado nas poucas obras conservadas. As descrições de Constantinopla e de outras grandes cidades bizantinas mencionam parapeitos, estátuas de imperadores, colunas rostrais (colunas com proas de navios conquistados em guerra), arcos de triunfo, etc. A maioria desapareceu, mas os restos existentes da escultura bizantina demonstram que, pelo menos em Constantinopla, se mantinha a técnica das escolas greco-romanas. Temos alguns retratos de monarcas bizantinos em que não se manifesta qualquer intenção de embelezá-los: quase pecam por excessivo realismo. As feições são reproduzidas com tudo o que tem de peculiar e até de vulgar. Mas nunca são insignificantes nem de execução pobre.
Outros retratos revelam-nos a meticulosa burocracia civil e religiosa de Bizâncio. Dos primeiros séculos do Império bizantino há vários, de magnatas cheios de caráter, como os que figuram nos chamados dípticos consulares, placas duplas de marfim, esculpidas para comemorar o acesso de algum personagem à dignidade consular. Esses magnatas estão representados, com a sua túnica bordada de pedrarias, no momento em que erguem o lenço para dar o sinal do início dos jogos no circo. Em cada ano, o espírito inventivo e o bom gosto do novo cônsul eram avaliados pela maneira como fizera executar o próprio díptico, de que se tiravam as cópias necessárias para entregar aos convidados à recepção que oferecia em sua casa no primeiro dia do mandato. Depois ia ao Palácio Sagrado para receber do imperador a confirmação das suas funções.
Naquela época, o díptico consular, bom ou mau, era largamente comentado ou criticado, como se discutiam os incidentes das corridas de quadrigas no circo de Constantinopla.
Algumas princesas ou imperatrizes de Bizâncio mereceram as honras da representação escultórica. São as grandes damas da idade de ouro bizantina, ainda de ânimo romano.

FONTES:

História da Arte. Salvat Editora do Brasil Ltda. Tomo 3, capítulo 3 – Páginas 65 a 92 S.P.

ARTE PALEOCRISTÃ DA SÍRIA E DA PALESTINA, E ARTE COPTA

HISTORIANDO AS ARTES II

ARTE PALEOCRISTÃ DA SÍRIA E DA PALESTINA
ARTE COPTA


Nos princípios do século XX, alguns bizantinólogos e, sobretudo, os arqueólogos da então jovem escola russa começaram a pôr em dúvida que a arte cristã, que se julgava ter nascido nos cemitérios romanos, fosse de origem exclusivamente latina; e que mais tarde, ao evoluir em Bizâncio, continuasse a seguir o impulso que tinha recebido de Roma com os tipos criados no Ocidente.
Porém, diversas influências ou coincidências entre a arte cristã romana e a do Oriente foram sendo descobertas em tal número que se chegou a estabelecer a teoria inversa, isto é: do mesmo modo que chegaram a Roma a liturgia e a doutrina cristãs, já formadas no Oriente, também da Ásia e do Egito chegou a Roma uma parte dos temas e dos artistas que decoraram as catacumbas e desenvolveram a arte paleocristã no Ocidente, tendo sido ainda o Oriente que mais tarde formou a arte cristã da corte imperial de Bizâncio.
A teoria da origem oriental da arte cristã primitiva confirma-se com descoberta arqueológica. O tema, tão freqüente na arte cristã, de anjos sustendo o medalhão, ou escudo, com a imagem do Redentor é também de origem oriental.
A mesma confirmação da origem oriental de temas da arte cristã primitiva obtém-se através do exame de manuscritos com iluminuras. O mais famoso pela sua beleza de desenho e colorido, o Gênesis da Biblioteca Imperial de Viena.
E, se da pintura passarmos à escultura, teremos de fazer as mesmas retificações. A figura de Cristo com a auréola de cruz, que se manterá durante toda a Idade Média, aparece pela primeira vez numa série de sarcófagos com motivos ainda pagãos, ricamente decorados com grandes frisos de acantos espinhosos. Alguns destes sarcófagos têm figuras alegóricas dentro de arcadas ou nichos, noutros, porém, aparece ao centro a figura de Jesus, ainda imberbe, com a auréola de cruz. Encontram-se também provas da origem oriental em muitos objetos de marfim que foram enviados para Roma e para outros pontos do Ocidente latino dos primeiros séculos cristãos.
A mesma origem oriental está confirmada quanto às peças mais importantes de ourivesaria da arte cristã primitiva. Para se descobrir a origem de algumas bastou aproveitar as indicações teológicas, estilísticas ou topográficas proporcionadas pelos próprios objetos.
Todo o Oriente romano, desde o Ponto ao Eufrates e desde as mesetas da Ásia Menor ao Egito, fermentava de entusiasmo criador nos primeiros séculos da era cristã.
As suas obras de arte e os seus artistas chegaram em profusão até a própria Roma; porém, os centros criadores eram Êfeso, Selêucia, Antioquia, Jerusalém, Bosra e Palmira, no deserto.
A outra região de atividade artística fundamental dos primeiros tempos do cristianismo foi, sem dúvida, o velho Egito. Alexandria mantinha com Roma relações talvez mais íntimas que com as capitais da Ásia. Parece que alguns objetos da arte suntuária cristã encontrados no Ocidente foram produzidos em Alexandria, recolhendo as últimas inspirações da arte helenística, de que a cidade fora um dos centros principais. Mas, para encontrar no Egito edifícios cristãos com estilo próprio, temos de ascender até a chamada arte copta, dos famosos monges da Tebaida. A palavra “copta” deriva do árabe Qubt, corruptela do grego Aigyptios (“egípcio”).
O Egito permaneceu fiel às suas crenças religiosas até ao século III.
A sua conversão ao cristianismo parece ter-se dado mais por rebeldia ao Império romano que por convicção piedosa; mas, uma vez ligado à nova doutrina, glorificou-a com torrentes de sangue. As últimas perseguições no Egito tiveram um rigor não ultrapassado em nenhuma outra província do Império, e desde então os seus bispos puderam apresentar-se nos concílios com o respeito e a autoridade que lhes davam as suas próprias cicatrizes e a recordação das numerosas vítimas dos seus rebanhos.
Foi também no Egito que teve início a vida monástica, que primeiro se espalhou pelo Oriente e depois pelo Ocidente latino. Antônio e Paulo, com o seu discípulo Macário, são considerados os grandes fundadores do monaquismo cristão. Os mosteiros egípcios chegaram a ter proporções exageradas, com a conseqüência natural de se desvanecer neles o fervor primitivo. Os monges procuraram conciliar os temas da antiga religião faraônica com o cristianismo, vendo em Ísis um símbolo de Maria e em Horo o de Cristo. Até a cruz foi substituída pelo antigo hieróglifo Ank, uma chave que significa “vida”, formando assim o que se chama cruz ansada. Para dar mais precisão ao dogma, a favor ou contra o arianismo (doutrina que reconhece em Cristo uma natureza intermediária entre a divindade e a humanidade), ou para outros esforços teológicos da igreja egípcia, mobilizou-se o clero de Alexandria. Por isso, a arte cristã, que poderíamos dizer de exportação, é a da capital, puramente Alexandrina ou, que é o mesmo, helenística, enquanto a arte copta, desenvolvida pelos monges do interior do país, que provinham, na sua maior parte, das camadas populares, continuava as tradições do Antigo Egito e em breve começou a mostrar características originais.
Por isso pode-se afirmar que a arte copta nasceu como expressão autóctone das populações egípcio-cristãs, em oposição à cultura oficial helenística de Alexandria.
Isto explica que se afaste do naturalismo helenístico e se desenvolva em direção a uma arte cada vez mais abstrata, em que as imagens sagradas se tornam hieráticas, sobre fundos planos, a duas dimensões, que não permitem qualquer ilusão de perspectiva ou de profundidade, ao passo que os motivos decorativos se vão tornando progressivamente mais geométricos.
Talvez o afastamento ou as divergências entre a igreja metropolitana e os mosteiros do interior tivessem levado muitos monges coptas a emigrar para estabelecer cenóbios no Ocidente.
Na história do desenvolvimento das formas da nova arte, o Egito contribuiu, pois, com a sua escola copta, que se afastou da corrente cristã oriental, exagerando certos dogmas ou interpretando-os num sentido peculiar.
Às vezes encontram-se relevos coptas com temas pagãos, encarnações do Diabo, misturados com santos locais: Santa Tecla, São Menos, São Marcos.
A escultura das paredes dos mosteiros recorda o Antigo Egito. O seu hieratismo adapta-se maravilhosamente às novas representações cristãs, misturadas com temas da mitologia clássica (Leda e o Cisne, o mito de Orfeu, Vênus surgindo do mar, etc.). Os capitéis, com a estilização de folhas espinhosas e videiras com cachos de uvas, lembram imediatamente o tipo de capitel bizantino.
As primeiras manifestações da pintura cristã no Egito encontram-se nas catacumbas de Alexandria, descobertas em 1864 próximos da coluna chamada de Pompeu. Há ali afrescos de pouca originalidade; devem repetir temas importados da Síria e da Mesopotâmia, como os das catacumbas romanas. Mais tarde, os monges coptas pintaram igrejas e copiaram manuscritos.
Encontramos nestas decorações uma iconografia ousada e original que, com o tempo, chegou até a penetrar no distante Ocidente latino e a orientar a arte da alta Idade Média européia. A Virgem, por exemplo, dá o peito a Jesus, tal como Ísis amamentou Horo (pintura do templo de Saqqarah). Os anjos têm importância singular: são nossos defensores na incessante luta com os gênios infernais. Estes chegam disfarçados de centauros, ninfas, sátiros, mulheres... Com a sua fervida imaginação, os monges coptas descobriram nas miragens alucinantes, com o vigor da realidade, toda a espécie de seres diabólicos e representaram-nos nas orlas dos seus afrescos e nos medalhões das suas telas.
Os afrescos historiados das absides coptas, infelizmente tão escassos e mutilados, representam freqüentemente a Virgem e os apóstolos sob o olhar de Deus, rodeado da hierarquia dos anjos. Outro tema recorrente é o do Apocalipse. Por outro lado, para os monges coptas, as convulsões cósmicas e as catástrofes astronômicas vaticinadas no Apocalipse deviam ser fenômenos quase naturais. Não era o Sol um olho de Horo, que Set lançou no firmamento, e a Lua uma aparição de Isis? Não estava o reino de Osíris cheio de animais monstruosos, devoradores de almas? Tudo concordava com o texto do relato apocalíptico, que anunciava chuva de estrelas e de sangue, escorpiões e gafanhotos vorazes. Não é, portanto, estranho que os comentários do Apocalipse tenham sido escritos e ilustrados primeiramente no Egito e depois em Cartago e na Espanha. Administrativamente, estas duas províncias dependiam de Roma, mas em matéria de pensamento e de arte estavam profundamente influenciadas pelo Oriente e pelo Egito copta.
A pintura copta apresenta um processo de esquematização análogo ao da escultura, que não se limita aqui à estrutura gráfica da imagem, mas também às suas relações cromáticas, reduzidas a poucas cores básicas: o amarelo, o vermelho e o azul. Os centros mais importantes da pintura copta, além dos já citados de Saqqarah e Bauit, são deir Abu Hennis (perto de Antínoo), Abus Girge, o Convento Branco e o Convento Vermelho.
Os tecidos, de que se conservaram muitos fragmentos graças ao clima excepcionalmente seco do Egito (ao passo que desapareceram quase totalmente outros da mesma época, mas de proveniências diferentes), têm grande importância na arte copta. Os tecidos coptas, com trama de linho por tingir e urdido com lãs de cores vivas, apresentam uma geometrização das figuras ainda mais pronunciada que nas pinturas. Essa geometrização enriquece a sua finalidade suntuária e confere-lhes um grau inigualável de força decorativa.


FONTES:

História da Arte. Salvat Editora do Brasil Ltda. Tomo 3, capítulo 2 – Páginas 43 a 64 S.P.









ARTE PALEOCRISTÃ DO OCIDENTE

HISTORIANDO AS ARTES II

ARTE PALEOCRISTÃ DO OCIDENTE
(Séculos III, IV e V)

por Pedro de Palol

O conhecimento da arte cristã tem de principiar pelas pinturas das catacumbas de Roma. É bem evidente que não existe arquitetura cristã anterior ao grande impulso de Constantino e dos seus arquitetos e, por isso, não podemos começar por elas. As comunidades de fiéis viviam e celebravam o seu culto em casas particulares.

As perseguições e a impossibilidade de construir igrejas impediram o nascimento de uma arquitetura própria deste momento inicial do cristianismo. Não sucede o mesmo em relação ao mundo funerário. Várias famílias possuíam terrenos fora das portas da cidade, com licença de usá-los como cemitérios. Aí se procedeu, quando o solo o permitia, à escavação de múltiplas galerias e câmaras, verdadeiras colméias subterrâneas que conhecemos por catacumbas. As famílias pagãs proprietárias deixavam que os cristãos fossem lá enterrados e é nas paredes desses corredores e cubicula que aparece a nova pintura, de intenção apenas funerária. Esta arte é peculiarmente romana. Apesar de existirem catacumbas noutros locais e cidades, as de Roma, de Nápoles do século IV e dos centros da Sicília formam o núcleo mais denso e interessante, cuja pintura está intimamente ligada aos primeiros passos da escultura dos sarcófagos cristãos, já freqüentes nessas necrópoles. Assim, na pintura e na escultura funerárias nasceu a iconografia paleocristã e será nela que o simbolismo da nova religião se concretizará e desenvolverá ao longo do século III e, sobretudo, do IV.
O estudo da arte das catacumbas está hoje especializado e possuímos muitos e excelentes dados de grande rigor para o seu conhecimento. Sabemos atualmente que a pintura teve início no século III, havendo fortes dúvidas quanto à possibilidade de já serem dos finais do século II algumas das obras encontradas.
Nos finais do século II, ou, melhor, em princípios do III, situam-se os trabalhos mais antigos da pintura cristã, encontrados no hipogeu dos Flávios, nas catacumbas de Domitila, na cripta de Ampliato das mesmas catacumbas e na famosa capella greca da catacumba de Priscila. Ainda é evidente a tendência ornamental simples, linear, sobre fundos brancos ou amarelos, como uma regressão completa da pintura ornamental de tipo arrebicado, complexo, arquitetural, amplamente pictórico e colorista dos estilos imperiais romanos, tanto de Pompéia como de outros lugares. Entre linhas enquadradas pelas paredes e abóbadas aparecem individualmente algumas figuras simbólicas, entre as quais o Bom Pastor e o Orante ou a Orante, figurações de Cristo e dos fiéis. É uma iconografia que está aparentada de início com temas mitológicos, como o Cristo-Orfeu, tão freqüente no século III, ou o Cristo-Sol, ou Apolo no carro solar, como no mosaico da abóbada do túmulo dos Júlios, na necrópole do Vaticano, sobre um amplo fundo de videiras eucarísticas. Outras vezes, em lugar de temas figurados, há elementos ornamentais semelhantes aos de certos sepulcros pagãos, como os de Isola Sacra de Ostia Antica, com pássaros, cupidos, representações das estações do ano – tema freqüente na iconografia funerária pagã, nos sarcófagos, etc.
O século III é muito rico em pintura. Na catacumba de São Calisto, no hipogeu de Lucina, ou no dos Sacramentos, enquadradas pelas linhas geométricas, há cenas de salvação segundo os textos do Antigo Testamento. Junto a um Bom Pastor ou ao Orante representa-se Daniel no fosso dos leões e, ao longo das paredes, o ciclo de Jonas e outros que fazem alusão ao batismo e à eucaristia como vias de salvação perante a morte, que é o estado de pecado. Na cripta de Lucina, cabeças femininas representam as estações, tema funerário pagão. Também na capella greca há cabeças de amores (cupidos) entre folhagem junto de cenas do Antigo Testamento (história de Susana) e de um famoso banquete eucarístico, ou fractio panis.
Cerca de meados do século, a arte tende para formas mais clássicas, como as belíssimas cabeças dos apóstolos do túmulo dos Aurélios, junto da Via Manzoni, de fino modelado e datadas de cerca de 240. Do mesmo estilo e qualidade é a famosa Orante do cubículo da velatio, na catacumba de Priscila, obra de meados do século III. Uma nova forma plástica com tendência construtiva, volumosa, que se inicia a partir da moda corrente no tempo de Galieno, manifesta-se na famosa Orante de são Calisto, já dos finais do século III.
Este estilo durará até quase ao fim do século IV. Todavia, na segunda metade do século IV desenvolveram-se outras correntes, como o chamado “estilo belo”, representado, sobretudo nas novas pinturas, mais clássicas, como as da famosa catacumba da Via Latina. Nela, alternadamente, os cobiçou apresentam temas ora cristãos, ora pagãos. O ciclo narrativo, típico da segunda metade do século IV, em especial da história do povo eleito, tem aqui uma beleza singular.
Nos fins do século aparecem os temas triunfais, depois freqüentes na grande pintura e no mosaico monumental. O tema da traditio legis, manifestação plástica da raiz divina da Igreja, será apresentado com muita freqüência. Também se representa Cristo entre os apóstolos, entronizado, triunfante, acompanhado pelo cordeiro místico.
A arte das catacumbas do século V encontra-se representada, sobretudo nas de San Genaro dei poveri, San Guadioso, em Nápoles, entre outras.
Até à paz da Igreja não existe uma arquitetura cristã com tipos artísticos concretos, de funcionalidade litúrgica explícita e apropriada. Todas as igrejas pré-Constantinianas se reduzem aos famosos tituli romanos, denominados de formas distintas: loca ecclesiastica, Domus ecclesiae ou Domus Dei, desde o século III. Esta loca ecclesiastica pertenciam às comunidades e estavam situados, em geral, em edifícios particulares, doados pelos seus anteriores proprietários. A maioria dos tituli estudados em Roma são verdadeiras casas de habitação.
O estado de clandestinidade e de forçado silêncio da Igreja do século III vai mudar radicalmente com o edito de Constantino de 313 e a sua subseqüente proteção da família imperial, em particular da mãe do imperador, Santa Helena. Defini-se uma política diretora da Igreja que levará à monarquia teocrática. Constantino e, seguindo o seu exemplo, os monarcas posteriores e grande parte dos bispos protegem o culto e dão incentivo à construção de grandes igrejas. Nas da família de Constantino veremos aparecer a estrutura basilical – em Roma – e um tipo de templos comemorativos, de planta centrada, chamados martyria, nome que deriva da edícula levantada no Gólgota de Jerusalém, sobre o túmulo de Cristo, o martyrium por excelência; esse tipo virá a ter uma longa e ampla difusão em toda a área do Mediterrâneo e chegará até ao mundo medieval.
Numa breve síntese da gênese desta arquitetura cristã, podemos dizer que a primeira metade do século IV representa o momento um tanto explosivo da sua criação, devida ao impulso imperial, em locais por vezes muito distantes uns dos outros, como Roma, a Palestina – Jerusalém e Belém – e Constantinopla, sem esquecer as construções nas grandes cidades do Império, como Treves ou Aquiléia. Porém não se criaram logo tipos firmes e bem definidos. Estes surgirão na segunda metade do século IV, quando em Roma se repetem, até serem convertidas em norma, certas estruturas basilicais, como a de São Pedro e São Paulo, fixando-se arquitetônica e liturgicamente as variantes criadas pelos arquitetos Constantinianos. Nestes anos também se afirma uma notável arquitetura em Milão.
A arte oficial de Milão, já desenvolvida antes de Santo Ambrósio, teve neste grande bispo e pensador um dos seus maiores estimuladores, pois a levou a novas e transcendentes criações arquitetônicas, com ampla difusão na Itália do Norte, Provença e Norte da Espanha. Na África cristã e na Península Ibérica vai exercer grande influência um novo tipo de igrejas da Síria setentrional, elaborado expressamente pelos arquitetos, segundo um programa adaptado às necessidades litúrgicas, com cabeceiras tripartidas, pelo acrescentamento de pastofórios aos lados da capela-mor. Este tipo, que aparece em meados do século V, virá a ter uma ampla difusão no Ocidente. Os pastofórios (de pastophorium pagão, aposento dos pastophori, sacerdotes que traziam as caixas de imagens dos deuses) eram capelas absidiais situadas aos lados da capela-mor. Uma, o diaconicum, servia para guardar o tesouro da igreja. Também tinha o nome de secretarium, de onde derivou “sacristia”. A outra era o oblatorium, onde se procedia à benção do pão e do vinho.
Ao templo cristão cedo se chamou basílica, à maneira helenística, por referência a Deus como basileus (rei, em grego). Assim nos aparece esta palavra utilizada por Constantino na sua carta a Macário de Jerusalém, relativa à construção do anatasis ou martyrium circular do Gólgota. O problema de saber donde e como nasce o tipo basilicial tem sido objeto de muitos e variados estudos e controvérsias. Podemos dizer que as suas origens são múltiplas, de tal forma que há bons exemplos e argumentos para sustentar as diferentes hipóteses. Era preciso construir um edifício onde os requisitos funcionais – espaço, luz, visibilidade, ampla capacidade para acolher os fiéis, separação dos mesmos, localização do santuário, etc., estivessem adequadamente satisfeitos. Para tudo se encontravam soluções visíveis na arquitetura romana, pública e privada, não se esquecendo, porém que a ordenação do templo deveria possuir um sentido espiritual, pois se tratava da casa de Deus. E assim foram propostos como modelos inspiradores a casa privada – os tituli, de que já se falou, os grandes edifícios públicos, termas, basílica forenses ou jurídicas. Para outros investigadores, a nave do templo derivaria do peristilo dos palácios imperiais, dado que a basílica podia ter uma função paralela à da sala régia de audiências do imperador. Os exemplos romanos de edifícios pagãos adaptados a templos cristãos são, entre outros, o chamado titulus equitii, que se encontra numa casa particular; a Basílica de santa Cruz, no Palácio Sessoriano; a de Santa Pudenciana, nas Termas de Novato; a dos Santos Cosme e Damião, no templo Sacrae Urbis; a de Santa Maria Antiga, na Biblioteca Imperial, e a de santo André, em Catabarbara, no palácio do cônsul Júnio Basso. Portanto, a utilização de edifícios preexistentes que reunissem condições para instalar uma igreja era constante e variada.
O tipo de basílica romana criado ao longo do século IV irá possuir três naves, com abside e telhado de duas águas. A cobertura de madeira dispensa as belas abóbadas da arquitetura monumental romana. As naves estão separadas por colunatas ou arcadas; algumas vezes a altura da nave central motivou o aparecimento de uma dupla colunata sobreposta. Este esquema apresenta belas variantes, principalmente nas basílicas de cinco naves, de que o melhor exemplo é de São Pedro do Vaticano, de fundação Constantiniana.
O Líber pontificalis atribui à iniciativa e à proteção de Constantino a construção em Roma de uma série de templos. O primeiro e o mais antigo é São João de Latrão, junto do próprio palácio imperial, com um batistério circular. São João é acabado antes de 324, talvez entre 312 e 319. Seguem-se a Basílica de São Pedro, no Vaticano, concluída entre 324 e 330; além de outras.
Um programa semelhante iria estender-se a todo o Império. Todos os monumentos demonstram a variedade das soluções apresentadas pelos arquitetos da casa imperial. O mesmo podemos dizer dos edifícios dedicados ao culto dos santos mártires, ou das memoriae da vida de Cristo, ou dos martyria orientais.
Se, por um lado, Constantino dava liberdade aos arquitetos dos diferentes pontos do Império para executarem as obras como entendessem, por outro havia um fator de uniformização com certo peso: a origem comum dos capitéis e colunas lavrados para estas diferentes igrejas, todos saídos das oficinas do imperador.
Milão herda, na segunda metade do século IV, o papel criador Constantiniano da arquitetura cristã. Desta vez, um bispo, Santo Ambrósio, converterá a cidade no centro espiritual do Ocidente. Ambrósio está na linha dos grandes construtores que tanto promovem como edificam, como era tradição na casa imperial. Mas a originalidade arquitetural milanesa já se manifestara antes do seu bispado.
Enquanto Milão cria novos tipos, cuja expressão foi larguíssima, em Roma, ao findar o século IV e durante o século V, estabilizaram-se as concepções palacianas anteriores. À proteção áulica seguir-se-á a eclesiástica. Daí em diante, as igrejas serão construídas por iniciativa pontifícia.
Mais tarde, nos séculos VI e VII, Roma sofrerá profundo influxo oriental. Entre os grandes conjuntos não romanos têm especial interesse os de Salona e de Ravena. Esta longa fase de relevância deixou na cidade uma extraordinária série de monumentos, cujo interesse primordial, para além das próprias realizações arquitetônicas, reside no bom estado atual da sua belíssima decoração de mosaicos, invulgarmente bem conservados. As construções de Ravena integram-se, por um lado, na tradição Paleocristã romana e milanesa da primeira fase do século V.
Sob a proteção da corte, a pintura, já conhecida através dos mosaicos ou dos afrescos das catacumbas, recebe um especial incremento e ganha invulgar beleza desde que lhe foi confiada uma missão mais ampla que a soteriológica (doutrina salvação do homem) da fase precedente. A ilustração doutrinal que deve desempenhar agora a arte da cor e as possibilidades de um desenvolvimento amplo e extenso em dimensão convertem estes séculos IV e V no grande momento da pintura monumental, que a partir do século VI se multiplicará ao longo da Idade Média, através das obras bizantinas e da sua projeção mediterrânica. Roma e Nápoles, Milão e Ravena irão conservar os melhores exemplos desta arte.. É bem conhecido hoje o extraordinário desenvolvimento do mosaico de pavimento, policromo e figurado, nos programas ornamentais da casa imperial e das vilas dos grandes proprietários rurais, seus imitadores. Na época Constantiniana, esta arte decorativa dará mesmo alguns temas tradicionais, de origem pagã, a certos monumentos cristãos.
Um tema histórico, de tradição Constantiniana, mas derivado da arte das catacumbas pela sua técnica pictórica, na segunda metade do século IV, é o Cristo-Mestre entre os apóstolos.
Uma escola, e uma tradição, do desenvolvimento da arte do mosaico inicia-se com o Mausoléu de Gala Placídia - Ravena.
O mausoléu de Gala Placídia, totalmente forrado de mosaicos, constitui um dos conjuntos cromáticos mais belos do mundo antigo.
A maior parte da escultura paleocristã tem caráter funerário. Nada sabemos da arte figurativa que poderia corresponder às grandes composições triunfais do Império, como acontece com o mosaico ou a pintura cristãos. A escultura funerária nasce no século III, através de um processo em tudo paralelo à pintura das catacumbas, e teremos de seguir as suas manifestações estilísticas e técnicas através da arte imperial da tetrarquia e de Constantino, apoiando-nos nas obras de que conhecemos as datas. Assim, é fundamental a técnica da silhueta utilizada no envasamento das decenálias de Diocleciano, no Fórum, de 303-304, ou o estilo dos relevos do Arco de Constantino. Uma longa tradição de escultura funerária pagã servirá de base aos escultores cristãos, a partir do século III, para o conhecimento dos estilos e o estabelecimento da iconografia. O Bom Pastor, como representação bucólica freqüente no paganismo helenístico ou como símbolo de uma das quatro estações, tema funerário clássico, e a imagem da Orante iniciam a iconografia cristã. Juntam-se-lhes, cedo, representações de Cristo-Mestre, reflexo do leitor ou filósofo clássico, e cenas de salvação, como a história de Jonas, para continuar nos temas de orações fúnebres, inspirados no Antigo Testamento.
Três sarcófagos, entre outros, correspondem a este período: o de Gayole-em-Brignoles, França; o da Via Salária (Latrão, 121) e o de Santa Maria a Velha. Estas peças apresentam na sua escultura uma distribuição harmoniosa, um tanto paisagística, dos temas, mas, a partir de Constantino, estruturam-se num friso contínuo. Então, justapostas em uma ou duas faixas, suceder-se-ão as cenas do antigo Testamento, geralmente de inspiração sacramental, misturadas com outras do Novo Testamento, que através dos milagres de Cristo completam um amplo programa de salvação. Por vezes representa-se o retrato do defunto ao centro, dentro de uma concha ou coroa de louros, construindo a famosa imago clipeata.
Em Roma funcionavam importantes oficinas de escultura oficial.
Na segunda metade do século IV, a iconografia mudará. Adquire grande importância o tema da Paixão, aparecendo um tipo escultórico assim denominado, com divisão de cenas mediante elementos arquitetônicos e que contém passos e símbolos ou instrumentos da Paixão. Muitas vezes, o centro do sarcófago é ocupado por uma cruz triunfal coroada de flores, ou pelo colégio apostólico – a Igreja – recebendo a lei das mãos de Cristo.
Ravena virá a ser, após o encerramento das oficinas de Roma com o saque de 410, um centro de escultura muito peculiar. Os seus sarcófagos, de tampa semicilíndrica, com maior abundância de símbolos que de figuras, terão uma personalidade singular ao longo dos séculos V e VI. O encerramento dos centros de produção romanos favorece o aparecimento de diversas oficinas nas províncias. Entre elas é importante a de Arles, na Provença, que continuará fielmente a tradição romana. A sua produção abundante e rica teve uma ampla difusão. Também Cartago e Tarragona eslculpiram no século V as suas próprias obras.

O grupo mais belo das artes industriais paleocristãs é constituído pelos marfins. A série dos dípticos consulares com retratos e nomes dos magistrados, cujo uso era autorizado desde os finais do século IV, é numerosa e constitui, pelo seu estilo, iconografia e retratos, uma das mais ricas fontes da arte do Baixo Império. Também nesta produção de luxo se deve lembrar a importância dos três centros imperiais tantas vezes citados: Roma, Milão e Ravena, trabalhando ao mesmo tempo em que os centros orientais de Alexandria, Síria ou Constantinopla, de maneira que por vezes é difícil distinguir a origem exata das peças. Poucas são as peças de trabalho nitidamente romano, sendo possível atribuir a Milão os melhores marfins deste período.
O reflexo da arte pictórica na miniatura deste período foge-nos por completo. Não conhecemos manuscritos iluminados com temas cristãos do século IV.
Muito original é a arte do vidro, com figuras e inscrições em ouro. Trata-se de fundos de vasos achados nas catacumbas. Neles estão representadas imagens avulsas dos apóstolos e, por vezes, cenas bíblicas. Não só Roma produziu estes tipos de fundos dourados, mas também as oficinas do Reno, em particular de Colônia, muito ativas na produção de vidros no Baixo Império, fabricaram exemplares de iconografia mais complexa, alguns deles com uma verdadeira teoria da salvação através das mesmas cenas do Antigo Testamento que apareciam nas velhas catacumbas.
As províncias da África e da Hispânia constituem a segunda grande área geográfica do mundo artístico do Ocidente cristão. Da mesma maneira que Roma com a Itália e as novas capitais políticas – Treves, Milão, Ravena – formam certa unidade, a África e a Hispânia seguem correntes distintas, mais orientais que itálicas, em especial desde o século V, e com uma personalidade poderosa, afirmada perante Roma. A partir do século IV há notáveis conjuntos arquitetônicos cristãos em centros urbanos episcopais, mas muitas vezes trata-se apenas de aproveitamentos de edifícios oficiais pagãos.
Há que citar o aparecimento e desenvolvimento de um riquíssimo conjunto de mosaicos funerários conhecidos desde tempos recuados. Menos conhecida, a escultura é quase toda de origem romana até o momento em que Cartago começa a produzir os seus sarcófagos.
Durante o século IV, a arte hispânica cristã reflete os modelos romanos e mediterrânicos e os restos que se conservam têm quase todos caráter funerário. Os séculos V e VI revelam uma influência africana e oriental.
Quando as oficinas de escultura de Roma deixam de trabalhar, aparecem os centros hispânicos.
O último capítulo da arte paleocristã hispânica, que corresponde à segunda metade do século V e chegará até ao VI, é constituído pelos mosaicos.

Fonte:

PALOL, Pedro de. História da Arte. Salvat Editora do Brasil Ltda. Tomo 3, capítulo 1. Páginas 3 a 42, S.P.