SEGUNDA IDADE DE OURO BIZANTINA
O Império Bizantino, depois da época áurea das dinastias de Teodósio e Justiniano, iria manter-se ainda ao longo de oitocentos anos. Em Bizâncio tudo estava regido pelo princípio fundamental do império cristão que Constantino imaginara. A etiqueta da corte, a administração e o governo, as normas da arte e até da ciência derivavam de dogmas religiosos que os padres da Igreja fixavam os concílios. Deste modo ficara a haver na arte certos tipos estabelecidos, os quais se iam repetindo fielmente, nas suas linhas gerais, através dos séculos.
Hoje, distinguimos na arte bizantina, pelo menos, quatro estilos bem caracterizados:
· O primeiro, desde a fundação de Constantinopla (330) até aos imperadores iconoclastas (718);
· O segundo compreende o período de perseguição das imagens (726-787 / 1ª fase e 814-843 / 2ª fase);
· O terceiro, desde Basílio I (século X) até ao saque de Constantinopla pelos cruzados, em 1204;
· O quarto, desde esta data, 1204, até à tomada de Constantinopla pelos turcos (1453).
Estes quatro estilos correspondem aos quatro grandes períodos da sua história política. Bizâncio, com os seus imensos bairros, cheios de edifícios monumentais e protegidos por fortes muralhas, recordava a grandeza de Roma. O seu fausto atraía os chefes aventureiros e os povos ambiciosos, que viam nela uma presa de guerra inestimável.
As obras produzidas depois de um período de disputas e de revoltas tiveram um novo sabor e os antigos temas ganharam uma juventude maravilhosa. A arte que surgia alastrava em triunfo e por toda a extensão do Império se levantavam novas igrejas.
Quanto à arquitetura, é curioso observar como, depois da época de perseguição dos imperadores iconoclastas, os construtores modificam a forma das cúpulas, levantando-as sobre um tambor cilíndrico para que o edifício visto do exterior, tenha um aspecto mais agradável. Estas cúpulas, assim alteadas, já não podiam ser de tão grandes dimensões como as de Santa Sofia ou de Santa Irene; mas, em compensação, foram multiplicados e os arquitetos combinavam-nas nas plantas das suas igrejas. As cúpulas continuaram a ser o elemento principal das coberturas; mas neste tempo já não constituem a única preocupação do arquiteto, como sucedia na época de Justiniano, quando tinham de apoiá-las sobre pilares maciços e sujeitar-lhes as formas exteriores.
Temos deste segundo estilo numerosíssimas igrejas, e em todas elas se vê aparecer uma mesma liberdade de processos construtivos. Costumam ser precedidas de um pórtico, ou nartece, também com cúpulas, mas deixando ver atrás delas as da igreja propriamente dita, as quais se levantam em planos diversos. Os tambores destas cúpulas são poligonais, com janelas às vezes divididas por pequenas colunas, ou mainéis (janelas de duas luzes), e as paredes exteriores são decoradas com uma combinação elegante de faixas de pedra alternadas com fiadas de tijolo. No interior, a rica decoração de mosaicos ou de pinturas a fresco poderia levar-nos a confundi-los com os monumentos dos primeiros estilos bizantinos, se não fosse a elevação que se nota também nas cúpulas vistas de dentro.
Contemporaneamente a este renascimento arquitetônico construíram-se em Bizâncio novas dependências do palácio imperial, as quais, pelas descrições, podemos compreender que eram mais faustosas que as anteriores. O palácio imperial, comumente chamado Palácio Sagrado, estava a um dos lados do Fórum de Augusto.
A sua planta era uma reunião incoerente de edifícios no meio de jardins.
A casa de habitação bizantina, dispunha os aposentos ao fundo de um pátio, bem diferente do antigo tipo da casa greco-romana, com as divisões agrupadas em volta do átrio quadrado. Geralmente tinha a fachada principal decorada por um pórtico; se faltava espaço para este, construía-se um salão no andar superior com uma série de janelas, formando galeria ou miradouro.
Mais que a arquitetura, a verdadeira arte nacional bizantina foi a pintura. Assim como, na Antigüidade clássica, grega e romana, os grandes templos de mármore foram ornados de relevos e esculturas, também as paredes e cúpulas de tijolo das igrejas greco-cristãs da Idade Média eram decorados por revestimentos de mosaicos policromos ou (quando não se podia utilizar este dispendioso processo) com pinturas a fresco e painéis. Para as composições religiosas, os pintores dispunham de repertórios cedidos pelos monges, onde se lhes indicava o lugar que devia ocupar cada personagem. Conservam-se dois tratados da pintura e neles podemos ver com precisão modo como deviam ser representadas as cenas do Antigo Testamento, as doze festas maiores, os Concílios, ou passagens da vida dos santos. Por isso, a série de tipos bizantinos parece que devia ser do gênero mais fixo e matemático da história da arte, porque não só era ordenada liturgicamente a composição de cada cena, mas também lhe era marcado o lugar que devia ocupar no conjunto decorativo da igreja. Assim, por exemplo, na abside encontrava-se a figura gigantesca do Pantocrator, ou Todo-Poderoso, abençoando e tendo numa das mãos o livro onde estavam escritas as palavras do Senhor: Eu sou a luz do mundo. Esta figura, por vezes, é substituída pela Virgem sentada num trono com o Menino nos braços. De cada lado da nave sucediam-se cenas do Antigo e do Novo Testamento, numa certa ordem, de modo a facilitar o ensino do seu conteúdo aos fiéis.
A parede interna da fachada era o lugar mais indicado para o quadro de Juízo Final e nas paredes laterais das naves menores seguiam-se as filas de santos da igreja grega, cada um com a sua fisionomia característica. Nos pendentes das abóbadas aparecem grandes serafins de múltiplas asas, enquanto no alto, dentro das cúpulas, uma faixa formada pelos profetas rodeava a mão do Sumo Artífice saindo de uma nuvem. Este é o repertório clássico dos primeiros tempos da arte bizantina anterior à "querela das imagens" ou "questão iconoclástica", com predomínio do elemento teológico sobre o piedoso ou devocional; depois deu-se mais importância aos episódios evangélicos e ainda à vida dos santos.
Entre estes dois períodos - o teológico e o piedoso - deve intercalar-se a época iconoclasta, durante a qual foi absolutamente proibida a representação das pessoas divinas. A doutrina dos iconoclastas surgiu no século VIII, chefiada pelo imperador Leão III que em 726, 1ª fase da crise, toma posição contra os ícones. Em 787, a imperatriz Irene, viúva de Leão IV, convoca o VII Concílio de Nicéia, no qual o iconoclasma é condenado. Em 815, 2ª fase da crise Iconoclasta, Leão V proíbe no Concílio o uso de ícones. Em 843, Teodora, viúva do Imperador Teófilo, restaura a veneração dos ícones em um concílio nessa data, que restaura as resoluções do VII Concílio de Nicéia. Os monges defensores das imagens, e em geral a Igreja do Oriente, saíram robustecidos da crise, com maior influência e privilégios no Estado.
Depois da "querela das imagens", com o renascimento pictórico que se seguiu à repressão, os artistas lançaram-se com entusiasmo crescente a restaurar e a reproduzir os antigos ícones.
Os mosaicos foram libertados do seu sudário de cal e os afrescos repintados. Mas a pintura já não obedecia ao mesmo estilo hierático de outrora. Tal como no período anterior à perseguição iconoclasta, o grande protagonista da pintura bizantina fora o Redentor - Salvador = Sóter, depois da perseguição a predileta é a Mãe - a Matertoi = a Teotokos. As cenas delicadas do episódio de Joaquim e Ana, da Apresentação do Templo, a Visitação e a Anunciação acabam por prevalecer sobre as cenas da Paixão e Ressurreição.
Simultaneamente, cresce a hagiografia pictórica, ou cenas das lendas hagiológicas. Desde esse momento são os santos da Igreja grega os que proporcionam os temas preferidos. Para começar, os quatro santos principais: São Basílio, São João Crisóstomo e os dois Gregórios; mas, além destes, dá-se grande atenção aos mártires e confessores do Oriente e do Egito.
Quanto ao repertório da pintura laica, citemos os aposentos do palácio imperial. Entre as decorações, deviam figurar cenas do hipódromo (por cujas competições os bizantinos sentiam uma paixão herdada dos antigos romanos), assim como caçadas, do gênero das que ornavam as residências de magnatas persas. À falta de exemplares monumentais deste tipo, podemos imaginá-los pelas descrições literárias e pelas iluminuras dos livros, que nos elucidam melhor acerca das formas.
Compreende-se que os imperadores e patrícios bizantinos apreciassem intensamente os livros enriquecidos com imagens. Os Evangelhos, o Octateuco e os Saltérios (livros dos salmos) deviam ter um repertório fixo, pois quase sempre eram escolhidos os mesmos assuntos e representados de modo idêntico.
O Saltério, ou livro dos salmos, foi também profusamente ilustrado. Tanto os Evangelhos como os Salmos são ilustrados segundo dois tipos ou séries de imagens. Uns têm iluminuras em toda a extensão da página; outros, só vinhetas marginais. Os últimos eram os mais comuns e populares.
Depois destes livros bíblicos, os mais notáveis manuscritos de caráter religioso foram os santorais, chamados menológios. Eram, sobretudo, galerias de imagens, onde o texto aparecia à maneira de complemento quase desnecessário.
Quanto aos pintores de ícones, de mosaicos ou iluminadores de manuscritos, conservam-se apenas alguns nomes, mas poucas informações biográficas, exceto dos que morreram como mártires durante a perseguição de artistas e pinturas.
As ilustrações dos santorais bizantinos, ou menológios, apresentam um curioso pormenor de repetirem freqüentemente como fundo o mesmo quadro arquitetônico, como se fosse um pano de fundo de teatro, repetindo-se até por vezes as arquiteturas dos lados, que estão adiantadas como se fossem bastidores. Isto fez supor que os iluminadores pintavam afinal cenas de teatro ou de representações semiteatrais, de mistérios. Entretanto, há dúvidas se, na realidade, podemos chamar a estes mistérios obras teatrais.
Depois da perseguição iconoclasta, os pintores bizantinos entregaram-se com ardor à produção de pinturas sobre madeira. São numerosos os dípticos com as doze festas do ano, os calendários com filas de santos e os quadros com imagens da Virgem e do Salvador. A maior parte das pinturas são executadas do mesmo modo: sobre a tábua, preparada com gesso e dourada, pintam-se figuras de cores vivas; as pregas dos mantos desenham-se riscando estas cores com um buril até que apareça o ouro do fundo, que forma as linhas das roupagens.
Alguns destes ícones não eram pintados, mas executados em mosaico finíssimo.
Depois dos ícones, como último ramo da pintura, temos os esmaltes. De uma técnica mais rica e de um material mais resistente, que assegurava a sua duração excepcional. Bizâncio aprendeu da Pérsia a arte dos esmaltes e o processo especial que os franceses chamam cloisonné. Este processo consiste em desenhar a figura sobre uma placa metálica e colocar depois, seguindo o desenho, pequenos tabiques soldados ao fundo, que o deixam dividido em vários compartimentos. Cada um deles se enche de pasta vítrea de cor, a qual é fundida a alta temperatura e depois polida. Nem as linhas das divisórias, nem as massas das cores sobressaem da superfície plana, a qual fica lisa e fina como pintura de vidro. Os esmaltes serviam para enriquecer ainda mais os objetos da suntuosa ourivesaria bizantina: as coroas, os grandes candelabros, os belíssimos altares e púlpitos, os relicários, as cruzes e as encadernações. Geralmente, aplicavam-se, já terminados, sobre os objetos que iam decorar; eram medalhões que serviam indistintamente para diversas peças de ourivesaria.
Após a revolução iconoclasta, as imagens esculpidas em vulto redondo deviam ser tidas como mais perigosas que as representações em baixo-relevo, e mesmo a estas eram preferidas as pinturas. Alguns dos ícones de Bizâncio deviam ser muito antigos, pois repetem figuras de catacumbas como "orantes", de braços ao alto – ícones da igreja das Blaquernas, chamada Blaquernitisa, e o da igreja de Calcopatria; este último representa da Virgem tendo sobre o peito um medalhão com o busto do Menino. As Madonas bizantinas em oração nunca foram do agrado do Ocidente. Mas uma outra, de pé, a Hodigitria, é a figura que serviu de modelo a todas as nossas imagens de Maria com o Menino nos braços. A Hodigitria era o ícone da igreja de Odegon, a capela dos guias, ou correios imperiais. Ali acorriam estes, antes de partirem com os sacos de cartas para as longínquas províncias do Império.
A Hodigitria tem um pé levemente adiantado, numa tensão de caminhar, como os guias. Leva a mensagem, que é Cristo, e este, ainda menino, traz já a missiva, o rolo de papiro que contém a nova Lei. É natural que os guias difundissem nas suas viagens a devoção ao seu ícone, prefirindo-o aos demais.
Outro ícone de Maria, reproduzido inúmeras vezes, é uma figura de Mãe sentada num trono de marfim com o Menino segurando o rolo sagrado. Sem coroa, sem jóias, era a Matertoi por excelência.
A súplica de Maria e de São João Batista tem um caráter já diferente da Deesis, porque acontece na Glória. Jesus está de pé ou sentado como imperador numa cátedra de marfim e Maria e João, o Precursor, estendem as mãos para interceder pela humanidade já redimida, mas ainda contumaz e sem se arrepender.
As figuras dos apóstolos em pequenos altares e marfins são as mais definidas pela iconografia bizantina e sempre pela mesma ordem: Pedro ao centro, à sua direita João e Santiago e à esquerda Paulo e André. As placas laterais mostram quatro santos cavaleiros e quatro confessores, tal como os encontramos nos mosaicos. No reverso das placas continua a procissão dos santos eremitas e doutores.
Amiúde, os ícones bizantinos acumulam as devoções por vários santos: estes aparecem dispostos em filas, associados pelo seu caráter, seja de combatentes ou estrategos, defensores da fé com a lança e a espada, seja de mártires confessores mostrando a cruz pela qual deram a vida, seja de eremitas com uma simples túnica, ou ainda de pregadores segurando um livro. Não aparecem como companheiras as santas virgens, viúvas e mártires, que se encontram nas procissões da Igreja latina. A liturgia bizantina relega as santas mulheres para um gineceu celestial ao qual, não se tem acesso da Terra, Maria, a Teotokos, ou Mãe de Deus, sintetiza todo o feminino da vida religiosa. Depois dela, o mais feminino são os anjos, criaturas andróginas.
Algumas placas de marfim ou esteatite representam a série das Doze Festas do ano, doze grandes solenidades distribuídas ao longo das quatro estações.
Tudo em Bizâncio, mesmo na época de maior decadência, se ordenava segundo princípios da hierarquia cristã. O imperador era o representante do Altíssimo na Terra e o Pantocrator, ou Todo-Poderoso, era o basileus, o imperador dos Céus. Entre ambos devia existir a relação de um monarca com o seu vice-rei. Por isso, encontramos frequentemente representados o basileus e a rainha com o próprio Jesus, que veio coroá-los. Bizâncio tomou a sério o cristianismo, ainda que desfigurado pela sua teologia e sufocado pela sua liturgia. Os três últimos séculos da arte e civilização bizantina foi sinceramente cristão. Não pensemos que, apesar da sua piedade regularizada, a vida bizantina se reduzisse as procissões, conspirações, deposições e coroações. Liam-se os autores gregos antigos e continuaram a representar-se tragédias clássicas ainda durante a Idade Média. O hipódromo também proporcionava espetáculos de mímica, acrobacia e bailado, cujas farsas e exercícios difíceis eram admirados com interesse semelhante ao de um público dos nossos dias. Esse gosto transparece em alguns objetos bizantinos, de caráter laico. Conservam-se cenas dos jogos de circo numa série de caixas de marfim com cercaduras de rosetas e figuras em quadros retangulares. Aparecem aí bobos, atletas ou ágeis bailarinos passando uns aos outras tochas acesas. Misturadas com estas representações surgem temas bíblicos, mas são assuntos históricos do Antigo Testamento.
FONTES:
História da Arte. Salvat Editora do Brasil Ltda. Tomo 3, capítulo 4 – Páginas 93 a 124 S.P.
O Império Bizantino, depois da época áurea das dinastias de Teodósio e Justiniano, iria manter-se ainda ao longo de oitocentos anos. Em Bizâncio tudo estava regido pelo princípio fundamental do império cristão que Constantino imaginara. A etiqueta da corte, a administração e o governo, as normas da arte e até da ciência derivavam de dogmas religiosos que os padres da Igreja fixavam os concílios. Deste modo ficara a haver na arte certos tipos estabelecidos, os quais se iam repetindo fielmente, nas suas linhas gerais, através dos séculos.
Hoje, distinguimos na arte bizantina, pelo menos, quatro estilos bem caracterizados:
· O primeiro, desde a fundação de Constantinopla (330) até aos imperadores iconoclastas (718);
· O segundo compreende o período de perseguição das imagens (726-787 / 1ª fase e 814-843 / 2ª fase);
· O terceiro, desde Basílio I (século X) até ao saque de Constantinopla pelos cruzados, em 1204;
· O quarto, desde esta data, 1204, até à tomada de Constantinopla pelos turcos (1453).
Estes quatro estilos correspondem aos quatro grandes períodos da sua história política. Bizâncio, com os seus imensos bairros, cheios de edifícios monumentais e protegidos por fortes muralhas, recordava a grandeza de Roma. O seu fausto atraía os chefes aventureiros e os povos ambiciosos, que viam nela uma presa de guerra inestimável.
As obras produzidas depois de um período de disputas e de revoltas tiveram um novo sabor e os antigos temas ganharam uma juventude maravilhosa. A arte que surgia alastrava em triunfo e por toda a extensão do Império se levantavam novas igrejas.
Quanto à arquitetura, é curioso observar como, depois da época de perseguição dos imperadores iconoclastas, os construtores modificam a forma das cúpulas, levantando-as sobre um tambor cilíndrico para que o edifício visto do exterior, tenha um aspecto mais agradável. Estas cúpulas, assim alteadas, já não podiam ser de tão grandes dimensões como as de Santa Sofia ou de Santa Irene; mas, em compensação, foram multiplicados e os arquitetos combinavam-nas nas plantas das suas igrejas. As cúpulas continuaram a ser o elemento principal das coberturas; mas neste tempo já não constituem a única preocupação do arquiteto, como sucedia na época de Justiniano, quando tinham de apoiá-las sobre pilares maciços e sujeitar-lhes as formas exteriores.
Temos deste segundo estilo numerosíssimas igrejas, e em todas elas se vê aparecer uma mesma liberdade de processos construtivos. Costumam ser precedidas de um pórtico, ou nartece, também com cúpulas, mas deixando ver atrás delas as da igreja propriamente dita, as quais se levantam em planos diversos. Os tambores destas cúpulas são poligonais, com janelas às vezes divididas por pequenas colunas, ou mainéis (janelas de duas luzes), e as paredes exteriores são decoradas com uma combinação elegante de faixas de pedra alternadas com fiadas de tijolo. No interior, a rica decoração de mosaicos ou de pinturas a fresco poderia levar-nos a confundi-los com os monumentos dos primeiros estilos bizantinos, se não fosse a elevação que se nota também nas cúpulas vistas de dentro.
Contemporaneamente a este renascimento arquitetônico construíram-se em Bizâncio novas dependências do palácio imperial, as quais, pelas descrições, podemos compreender que eram mais faustosas que as anteriores. O palácio imperial, comumente chamado Palácio Sagrado, estava a um dos lados do Fórum de Augusto.
A sua planta era uma reunião incoerente de edifícios no meio de jardins.
A casa de habitação bizantina, dispunha os aposentos ao fundo de um pátio, bem diferente do antigo tipo da casa greco-romana, com as divisões agrupadas em volta do átrio quadrado. Geralmente tinha a fachada principal decorada por um pórtico; se faltava espaço para este, construía-se um salão no andar superior com uma série de janelas, formando galeria ou miradouro.
Mais que a arquitetura, a verdadeira arte nacional bizantina foi a pintura. Assim como, na Antigüidade clássica, grega e romana, os grandes templos de mármore foram ornados de relevos e esculturas, também as paredes e cúpulas de tijolo das igrejas greco-cristãs da Idade Média eram decorados por revestimentos de mosaicos policromos ou (quando não se podia utilizar este dispendioso processo) com pinturas a fresco e painéis. Para as composições religiosas, os pintores dispunham de repertórios cedidos pelos monges, onde se lhes indicava o lugar que devia ocupar cada personagem. Conservam-se dois tratados da pintura e neles podemos ver com precisão modo como deviam ser representadas as cenas do Antigo Testamento, as doze festas maiores, os Concílios, ou passagens da vida dos santos. Por isso, a série de tipos bizantinos parece que devia ser do gênero mais fixo e matemático da história da arte, porque não só era ordenada liturgicamente a composição de cada cena, mas também lhe era marcado o lugar que devia ocupar no conjunto decorativo da igreja. Assim, por exemplo, na abside encontrava-se a figura gigantesca do Pantocrator, ou Todo-Poderoso, abençoando e tendo numa das mãos o livro onde estavam escritas as palavras do Senhor: Eu sou a luz do mundo. Esta figura, por vezes, é substituída pela Virgem sentada num trono com o Menino nos braços. De cada lado da nave sucediam-se cenas do Antigo e do Novo Testamento, numa certa ordem, de modo a facilitar o ensino do seu conteúdo aos fiéis.
A parede interna da fachada era o lugar mais indicado para o quadro de Juízo Final e nas paredes laterais das naves menores seguiam-se as filas de santos da igreja grega, cada um com a sua fisionomia característica. Nos pendentes das abóbadas aparecem grandes serafins de múltiplas asas, enquanto no alto, dentro das cúpulas, uma faixa formada pelos profetas rodeava a mão do Sumo Artífice saindo de uma nuvem. Este é o repertório clássico dos primeiros tempos da arte bizantina anterior à "querela das imagens" ou "questão iconoclástica", com predomínio do elemento teológico sobre o piedoso ou devocional; depois deu-se mais importância aos episódios evangélicos e ainda à vida dos santos.
Entre estes dois períodos - o teológico e o piedoso - deve intercalar-se a época iconoclasta, durante a qual foi absolutamente proibida a representação das pessoas divinas. A doutrina dos iconoclastas surgiu no século VIII, chefiada pelo imperador Leão III que em 726, 1ª fase da crise, toma posição contra os ícones. Em 787, a imperatriz Irene, viúva de Leão IV, convoca o VII Concílio de Nicéia, no qual o iconoclasma é condenado. Em 815, 2ª fase da crise Iconoclasta, Leão V proíbe no Concílio o uso de ícones. Em 843, Teodora, viúva do Imperador Teófilo, restaura a veneração dos ícones em um concílio nessa data, que restaura as resoluções do VII Concílio de Nicéia. Os monges defensores das imagens, e em geral a Igreja do Oriente, saíram robustecidos da crise, com maior influência e privilégios no Estado.
Depois da "querela das imagens", com o renascimento pictórico que se seguiu à repressão, os artistas lançaram-se com entusiasmo crescente a restaurar e a reproduzir os antigos ícones.
Os mosaicos foram libertados do seu sudário de cal e os afrescos repintados. Mas a pintura já não obedecia ao mesmo estilo hierático de outrora. Tal como no período anterior à perseguição iconoclasta, o grande protagonista da pintura bizantina fora o Redentor - Salvador = Sóter, depois da perseguição a predileta é a Mãe - a Matertoi = a Teotokos. As cenas delicadas do episódio de Joaquim e Ana, da Apresentação do Templo, a Visitação e a Anunciação acabam por prevalecer sobre as cenas da Paixão e Ressurreição.
Simultaneamente, cresce a hagiografia pictórica, ou cenas das lendas hagiológicas. Desde esse momento são os santos da Igreja grega os que proporcionam os temas preferidos. Para começar, os quatro santos principais: São Basílio, São João Crisóstomo e os dois Gregórios; mas, além destes, dá-se grande atenção aos mártires e confessores do Oriente e do Egito.
Quanto ao repertório da pintura laica, citemos os aposentos do palácio imperial. Entre as decorações, deviam figurar cenas do hipódromo (por cujas competições os bizantinos sentiam uma paixão herdada dos antigos romanos), assim como caçadas, do gênero das que ornavam as residências de magnatas persas. À falta de exemplares monumentais deste tipo, podemos imaginá-los pelas descrições literárias e pelas iluminuras dos livros, que nos elucidam melhor acerca das formas.
Compreende-se que os imperadores e patrícios bizantinos apreciassem intensamente os livros enriquecidos com imagens. Os Evangelhos, o Octateuco e os Saltérios (livros dos salmos) deviam ter um repertório fixo, pois quase sempre eram escolhidos os mesmos assuntos e representados de modo idêntico.
O Saltério, ou livro dos salmos, foi também profusamente ilustrado. Tanto os Evangelhos como os Salmos são ilustrados segundo dois tipos ou séries de imagens. Uns têm iluminuras em toda a extensão da página; outros, só vinhetas marginais. Os últimos eram os mais comuns e populares.
Depois destes livros bíblicos, os mais notáveis manuscritos de caráter religioso foram os santorais, chamados menológios. Eram, sobretudo, galerias de imagens, onde o texto aparecia à maneira de complemento quase desnecessário.
Quanto aos pintores de ícones, de mosaicos ou iluminadores de manuscritos, conservam-se apenas alguns nomes, mas poucas informações biográficas, exceto dos que morreram como mártires durante a perseguição de artistas e pinturas.
As ilustrações dos santorais bizantinos, ou menológios, apresentam um curioso pormenor de repetirem freqüentemente como fundo o mesmo quadro arquitetônico, como se fosse um pano de fundo de teatro, repetindo-se até por vezes as arquiteturas dos lados, que estão adiantadas como se fossem bastidores. Isto fez supor que os iluminadores pintavam afinal cenas de teatro ou de representações semiteatrais, de mistérios. Entretanto, há dúvidas se, na realidade, podemos chamar a estes mistérios obras teatrais.
Depois da perseguição iconoclasta, os pintores bizantinos entregaram-se com ardor à produção de pinturas sobre madeira. São numerosos os dípticos com as doze festas do ano, os calendários com filas de santos e os quadros com imagens da Virgem e do Salvador. A maior parte das pinturas são executadas do mesmo modo: sobre a tábua, preparada com gesso e dourada, pintam-se figuras de cores vivas; as pregas dos mantos desenham-se riscando estas cores com um buril até que apareça o ouro do fundo, que forma as linhas das roupagens.
Alguns destes ícones não eram pintados, mas executados em mosaico finíssimo.
Depois dos ícones, como último ramo da pintura, temos os esmaltes. De uma técnica mais rica e de um material mais resistente, que assegurava a sua duração excepcional. Bizâncio aprendeu da Pérsia a arte dos esmaltes e o processo especial que os franceses chamam cloisonné. Este processo consiste em desenhar a figura sobre uma placa metálica e colocar depois, seguindo o desenho, pequenos tabiques soldados ao fundo, que o deixam dividido em vários compartimentos. Cada um deles se enche de pasta vítrea de cor, a qual é fundida a alta temperatura e depois polida. Nem as linhas das divisórias, nem as massas das cores sobressaem da superfície plana, a qual fica lisa e fina como pintura de vidro. Os esmaltes serviam para enriquecer ainda mais os objetos da suntuosa ourivesaria bizantina: as coroas, os grandes candelabros, os belíssimos altares e púlpitos, os relicários, as cruzes e as encadernações. Geralmente, aplicavam-se, já terminados, sobre os objetos que iam decorar; eram medalhões que serviam indistintamente para diversas peças de ourivesaria.
Após a revolução iconoclasta, as imagens esculpidas em vulto redondo deviam ser tidas como mais perigosas que as representações em baixo-relevo, e mesmo a estas eram preferidas as pinturas. Alguns dos ícones de Bizâncio deviam ser muito antigos, pois repetem figuras de catacumbas como "orantes", de braços ao alto – ícones da igreja das Blaquernas, chamada Blaquernitisa, e o da igreja de Calcopatria; este último representa da Virgem tendo sobre o peito um medalhão com o busto do Menino. As Madonas bizantinas em oração nunca foram do agrado do Ocidente. Mas uma outra, de pé, a Hodigitria, é a figura que serviu de modelo a todas as nossas imagens de Maria com o Menino nos braços. A Hodigitria era o ícone da igreja de Odegon, a capela dos guias, ou correios imperiais. Ali acorriam estes, antes de partirem com os sacos de cartas para as longínquas províncias do Império.
A Hodigitria tem um pé levemente adiantado, numa tensão de caminhar, como os guias. Leva a mensagem, que é Cristo, e este, ainda menino, traz já a missiva, o rolo de papiro que contém a nova Lei. É natural que os guias difundissem nas suas viagens a devoção ao seu ícone, prefirindo-o aos demais.
Outro ícone de Maria, reproduzido inúmeras vezes, é uma figura de Mãe sentada num trono de marfim com o Menino segurando o rolo sagrado. Sem coroa, sem jóias, era a Matertoi por excelência.
A súplica de Maria e de São João Batista tem um caráter já diferente da Deesis, porque acontece na Glória. Jesus está de pé ou sentado como imperador numa cátedra de marfim e Maria e João, o Precursor, estendem as mãos para interceder pela humanidade já redimida, mas ainda contumaz e sem se arrepender.
As figuras dos apóstolos em pequenos altares e marfins são as mais definidas pela iconografia bizantina e sempre pela mesma ordem: Pedro ao centro, à sua direita João e Santiago e à esquerda Paulo e André. As placas laterais mostram quatro santos cavaleiros e quatro confessores, tal como os encontramos nos mosaicos. No reverso das placas continua a procissão dos santos eremitas e doutores.
Amiúde, os ícones bizantinos acumulam as devoções por vários santos: estes aparecem dispostos em filas, associados pelo seu caráter, seja de combatentes ou estrategos, defensores da fé com a lança e a espada, seja de mártires confessores mostrando a cruz pela qual deram a vida, seja de eremitas com uma simples túnica, ou ainda de pregadores segurando um livro. Não aparecem como companheiras as santas virgens, viúvas e mártires, que se encontram nas procissões da Igreja latina. A liturgia bizantina relega as santas mulheres para um gineceu celestial ao qual, não se tem acesso da Terra, Maria, a Teotokos, ou Mãe de Deus, sintetiza todo o feminino da vida religiosa. Depois dela, o mais feminino são os anjos, criaturas andróginas.
Algumas placas de marfim ou esteatite representam a série das Doze Festas do ano, doze grandes solenidades distribuídas ao longo das quatro estações.
Tudo em Bizâncio, mesmo na época de maior decadência, se ordenava segundo princípios da hierarquia cristã. O imperador era o representante do Altíssimo na Terra e o Pantocrator, ou Todo-Poderoso, era o basileus, o imperador dos Céus. Entre ambos devia existir a relação de um monarca com o seu vice-rei. Por isso, encontramos frequentemente representados o basileus e a rainha com o próprio Jesus, que veio coroá-los. Bizâncio tomou a sério o cristianismo, ainda que desfigurado pela sua teologia e sufocado pela sua liturgia. Os três últimos séculos da arte e civilização bizantina foi sinceramente cristão. Não pensemos que, apesar da sua piedade regularizada, a vida bizantina se reduzisse as procissões, conspirações, deposições e coroações. Liam-se os autores gregos antigos e continuaram a representar-se tragédias clássicas ainda durante a Idade Média. O hipódromo também proporcionava espetáculos de mímica, acrobacia e bailado, cujas farsas e exercícios difíceis eram admirados com interesse semelhante ao de um público dos nossos dias. Esse gosto transparece em alguns objetos bizantinos, de caráter laico. Conservam-se cenas dos jogos de circo numa série de caixas de marfim com cercaduras de rosetas e figuras em quadros retangulares. Aparecem aí bobos, atletas ou ágeis bailarinos passando uns aos outras tochas acesas. Misturadas com estas representações surgem temas bíblicos, mas são assuntos históricos do Antigo Testamento.
FONTES:
História da Arte. Salvat Editora do Brasil Ltda. Tomo 3, capítulo 4 – Páginas 93 a 124 S.P.
PEDRO, Antonio e CÁCERES, Florival. História Geral. Editora Moderna, S.P. - Páginas 97 a 104.
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