ARTE ISLÂMICA
Meca, 610. Um homem de quarenta anos está pensando seriamente no destino de seu povo. Como guia de caravanas, visitara diversos núcleos cristãos e judeus, e assim conhecera o monoteísmo. Adotando seus dogmas, passou a pregar a existência de um único deus - Alá. Conhecendo bem as condições de seu país, dividido entre muitas seitas pagãs, compreendeu que sua força e unidade dependiam de um ideal comum. A história do Islão começa com esse homem - Abdallahm, mais conhecido como Maomé.
Meca, 622. A nova doutrina conquista multidões. Os grandes comerciantes, ameaçados em seu prestígio político, provocam a fuga de Maomé para Iatreb, mais tarde designada Medina - "a cidade do profeta". Esta data é até hoje venerada como a Hégira, o início da era muçulmana. Em idioma árabe, muslim ou muçulmano (fiel) é todo aquele que aceita o islam (submissão à vontade divina).
Meca, 632. Nos dez anos que separam sua fuga de sua morte, Maomé unifica a maioria das tribos árabes e organiza poderosos exércitos para converter os "infiéis". Deixa também uma série de preceitos morais e civis, compilados no Corão (o livro).
Unidos em torno da religião, mas pressionados pelas secas e pela falta de espaço vital, os islamitas deixam seu território - apenas a terça parte da península Arábica - para iniciar uma fulminante expansão. Em menos de um século, subjugam o antigo Império Persa, dominam quase metade das costas mediterrâneas e ocupam todos os países que se estendem da Ásia menor até o Norte da Espanha: Síria, Palestina, Egito, Marrocos e a maior parte da península Ibérica.
Os muçulmanos adaptaram às próprias necessidades de luxo e beleza tudo quanto iam encontrando nas terras conquistadas. Assim como a arte bizantina, a arte islâmica é essencialmente decorativa, condicionada pela religião, representando, sobretudo uma atividade espiritual.
Pode-se dizer que a arte islâmica se exprime, sobretudo na arquitetura e nas artes aplicadas. A falta de um desenvolvimento notável das chamadas artes “menores”, isto é, da pintura e da escultura, deve ser substituída à concepção muçulmana da natureza, que considera efêmero e por isso inútil reproduzir todas as suas manifestações. A isto se junta à proibição de produzir imagens que pudessem tornar-se objetos de culto, a fim de prevenir tentações idólatras numa religião rigidamente monoteísta.
No mundo islâmico, a coesão religiosa fez surgir, entre os mais diversos povos, manifestações artísticas com muitos traços em comum. Por força da religião, não havia como esquivar-se dos temas sacros; porém, igualmente inspiradores eram os prazeres da vida.
Arquitetura
O fator principal de sua originalidade sempre foi a religião maometana, que se exprimiu, desde logo, no seu local de culto: a mesquita.
Ao contrário da igreja cristã, a mesquita não é a morada de Deus, mas apenas o lugar de encontro dos fiéis, onde se pode orar em paz, com a cabeça voltada para a quibla, pedra que indica a direção de Meca. A torre de três ou quatro andares com balcões, geralmente separada do edifício principal, é o minarete, de onde se anuncia a hora da prece. O pátio descoberto tem no centro uma fonte destinada às abluções (lavagem do corpo) religiosas. As próprias pedras da construção, conjugando cores múltiplas, formam ornamentos que suprem à ausência de imagens.
Antes de se falar nos edifícios mais significativos, convém comentar dois elementos de construção: o arco e a cúpula; e ainda dois elementos construtivo-decorativos: o iwan e as muqarnas, que as construções islâmicas, tanto religiosas como civis, tinham em comum.
No que respeita ao arco, nenhum outro estilo dispõe de uma variedade tão extensa de tipos e de formas. Tem-se, um vasto elenco de tipos, com esquemas muitas vezes inspirados não em exigências estéticas, mas sim puramente decorativas: o arco de ferradura, o lanceolado, o trilobado ou o polilobado, as muqarnas e outros.
Quanto às cúpulas, as primeiras verdadeiramente islâmicas desenvolveram-se no Egito, onde estas apoiam-se sobre um alto anel (o tambor), ligado à planta inferior, quadrada. Em seguida, outros tipos de cúpulas foram criadas: cúpula em bolbo, aos gomos, com arestas, ou nervuradas; meias cúpulas com abside, ou cúpulas dispostas a toda volta.
No que respeita ao iwan assumiu cada vez mais a forma de um vasto e profundo portal, com a parte da frente rasgada num alto arco, inscrito num retângulo, e o sofito ligado à parede do fundo por meio de muqarnas. O iwan principal estava voltado para Meca e era flanqueado por dois minaretes incorporados; na parte de trás, abria-se uma sala quadrada coberta por uma cúpula, que constituía a mesquita propriamente dita. As dinastias mongóis dos Timuridas e dos Moghul (Índia) adotaram este elemento como portal de entrada, sobretudo sobre a fachada principal, mas também sobre todos os quatro lados dos mausoléus.
Um motivo arquitetônico tipicamente islâmico é o das muqarnas. O motivo das muqarnas veio a ser usado num sentido exclusivamente ornamental nos capitéis e nas bases das colunas, nos intradorsos dos arcos e até (virado) no exterior de cúpulas.
A arquitetura religiosa exprime-se, no Islão, em cinco edifícios principais: a mesquita, o minarete, a madrasah, os conventos fortificados e o mausoléu funerário, que descreveremos em detalhe.
O muçulmano pode orar onde desejar, em casa, no local de trabalho, em campo aberto. No entanto, foi sempre dada grande importância à oração em comum e a mesquita (termo derivado da palavra árabe masgid, local onde as pessoas se prostam) destina-se a cumprir essa função. O momento da oração em comum - seguida de uma prédica - é ao meio-dia das sextas-feiras, razão por que as mesquitas mais amplas, ou seja, próprias para este ato de culto, são chamadas de Mesquitas da Sexta-feira (masgid-i-giami), ou também, sobretudo no Ocidente islâmico, Grande Mesquita. Por outro lado, as mesquitas eram utilizadas para diversos outros fins: administração da justiça, ensino, como abrigo para sábios em peregrinação, refúgio para os perseguidos. Em muitos casos, de fato, sobretudo nas aldeias, elas eram coligadas a hospícios, cozinhas públicas e hospitais.
Antes da oração, o muçulmano deve purificar-se com uma série de abluções, pelo que em todas as mesquitas existe uma fonte, freqüentemente ao centro do pátio que antecede a "sala de oração" (haram). O fiel, por seu turno, durante a oração, deve virar-se para Meca, pois a parede do fundo da mesquita está virada para a cidade santa, e esta direção (quibla) é indicada por um pequeno nicho (mihrab), derivados dos nichos bizantinos, o qual, com o correr dos séculos, se torna na parte mais preciosamente ornamentada do edifício.
Quanto à mesquita, obedece a três esquemas principais de edificação. O primeiro, o de três naves, multiplicando o número destas últimas até obter um edifício quadrado - o seu interior transforma-se numa selva de colunas, sobre as quais se apoiam os arcos; o segundo o de planta quadrato-cruciforme com pátio central e um iwan em cada lado; o terceiro, a de planta central (sala quadrada) coberta com uma cúpula.
Outro elemento arquitetônico de importância é o minarete. Originalmente, o minarete era construído com planta quadrada, por vezes com um remate redondo. As suas paredes eram decoradas com motivos em relevos e dotadas de janelas. Em seguida, surge o minarete cilíndrico, coberto de cerâmica, com remate de vários feitios. Primeiramente, surge isolado, depois surgem aos pares cada um deles colocado aos lados do iwan principal ou da entrada monumental. Em algumas regiões, os minaretes aumentaram para quatro, situado nos ângulos do edifício, em casos muito raros, ascendem a seis.
Na Turquia, o minarete adquire uma característica forma alongada, com um teto cônico e esguio, muitas vezes com três ordens de estreitos varandis, enquanto que na Índia é mais atarracado e sempre coroado com uma cúpula sobre uma pequena varanda poligonal. No Egito, por sua vez, o estilo empregou um único minarete com base quadrada, parte central octogonal, parte terminal cilíndrica e um longo remate final.
O mausoléu funerário foi introduzido no mundo islâmico pelos Seldjúquidas. Originalmente, teve duas formas, desenvolvidas no Khorasan: a torre sepulcral de planta redonda poligonal ou em estela, de forma muito esguia e coberta por uma cúpula, na maior parte das vezes, escondida do exterior por um teto cônico; e a kubba, sala quadrada coberta por uma cúpula. Os mongóis do período de Tamerlão (Timuridas) e os da Índia (Moghul) adotaram um iwan pouco profundo como portal de entrada e foi freqüente disporem-no sobre todos os quatro lados do edifício.
Nos ângulos destes mausoléus, surgem muitas vezes quatro minaretes, revelando ser freqüente a kubba e a mesquita de planta central inspirarem-se num mesmo esquema.
Decoração
As decorações constituem o verdadeiro leit-motiv da arte islâmica. Uma filosofia como a islâmica, tendente a negar a própria existência do mundo terreno e a ver em todos os encadeados dos acontecimentos a vontade de Deus, não podia senão reforçar o instinto da abstração.
Na arquitetura, superfícies planas e curvas, paredes e pavimentos, exteriores e interiores, estão sempre completamente recobertos de ornamentação em cerâmica (mosaico e ladrilhos), de estuque, de madeira, mármore, pedra, terracota. Elas ostentam um tipo de fresco baseado em motivos vegetais, ou geométricos, ou epigráfico, que é repetido até o infinito e entrelaçado com uma extrema variedade de formas. Os mesmos desenhos eram utilizados, além de nas construções, também na miniatura, na tapeçaria, na encadernação dos livros e nos objetos de uso comum.
A escrita árabe, que se presta muito bem para fins decorativos e a uma contínua variação, foi largamente utilizada na ornamentação das construções civis e dos objetos.
Para a proibição islâmica de representar Deus e, nos edifícios religiosos, qualquer figura humana, o emprego da escrita (o nome de Alá, os seus atributos e versículos do Corão) torna-se cada vez mais necessário.
Cerâmica
A cerâmica islâmica é o elo de ligação entre a cerâmica antiga e a européia da Idade Média. Maneira esplêndida, entre as mais completas, de fazer arte com terra e com fogo.
Entre os egípcios, era já notável a técnica do vidrado e entre os Mesopotâmicos a da coloração a esmalte da cerâmica de cozedura lenta (majólica = louça cerâmica de pasta colorida porosa (faiança), coberta de semalte branco ou colorido e recoberto de verniz opaco). Os islâmicos adotaram este processo, usando ornatos por incisão, em esgrafito (pintura ou desenho que se obtém riscando com um estilete a camada superior da tinta, de sorte que fique descoberta a camada inferior) e aplicações de barbotina (mistura liquida de pasta cerâmica), aplicadas sobre as peças antes de irem ao forno. Utilizaram novos métodos de decoração (em champlevé = esmalte obtido através da incisão (encavado) no desenho sobre a base de metal e colando nos sulcos ou cavidades o esmalte fundido) e, sobretudo, no final do século VIII, a técnica do lustro, a qual mediante um vidrado especial, confere às cerâmcias preciosos reflexos metálicos, com tintas que vão de ouro avermelhado ao verde oliva.
Em conformidade com os desenhos, as técnicas e as formas, os ceramistas islâmicos são classificados com base numa cronologia subdividida segundo os centros de origem.
Após a invasão dos mongóis de Gengis Khan, os centros cerâmicos ressurgiram com técnicas renovadas e decorações frequentemente inspiradas nos modelos chineses, dando lugar a uma tipologia influenciada que a atinge a sua plena maturação no século XIV.
Nas coberturas das paredes exteriores dos monumentos, teve largo emprego a cerâmica de ladrilhos, de mosaico, ou com peças expressamente modeladas.
Escultura
Embora não se possa falar de escultura no verdadeiro sentido da palavra, para os artistas islâmicos limitados, além do mais, a representar de maneira naturalista os seres vivos, nas ornamentações dos monumentos e, acima de tudo, dos objetos de uso corrente, podemos encontrar valores plásticos de notável interesse.
Os metalúrgicos muçulmanos, que assinavam sempre as suas obras, tal como os ceramistas, utilizaram várias técnicas (buril, relevo, moldagem), mas impuseram-se, sobretudo no damasquinado: um sulco rasgado nas chapas metálicas, preenchido com fio de ouro, prata ou cobre, por tal forma bem batidos que não se sentia a mínima rugosidade. Foi assim que foram trabalhados, esplêndidos objetos com superfícies inteiramente cobertas de arabescos, figuras geométricas, escritas.
Houve duas ordens de produções: as que se destinavam às comunidades religiosas (como as lâmpadas das mesquitas, os púlpitos, etc.) e as dos objetos para a casa (tinteiros, braseiras, incensórios, caixas, etc.).
Foi, sobretudo durante as dinastias omeiade, abássida que o trabalho no marfim, particularmente de caixinhas, fez empenhar escultores e artesãos em perfurações e modelados elegantíssimos, freqüentemente inspirados em protótipos bizantinos. Ao mesmo tempo, ganha envergadura a produção artesanal de bronzes: estes objetos constituíram os únicos exemplos de escultura de vulto inteiro da civilização muçulmana.
A difusão ainda maior teve a decoração esculpida da madeira para as portas, dos mihrab (nicho que na mesquita indica a direção para o qual o muçulmano deve voltar-se para orar). Neste campo, impuseram-se os motivos geométricos, que foram continuamente renovados pela fantasia dos artesãos.
Miniatura
O mundo islâmico amou muitíssimo o livro. Toda a gente possuía pelo menos um exemplar do Corão e eram numerosas as ricas bibliotecas privadas. Mas, ainda que a estampa tenha nascido nos países islâmicos no final do século X, o caráter individualista do muçulmano preferiu sempre a edição manuscrita à impressa, pela elegância mais requintada que lhe era atribuída.
No que respeita à miniatura em particular, é necessário dizer desde já que, devido à proibição religiosa das imagens, nenhum Corão é ilustrado, apenas surgindo neles ornamentações geométricas.
Os primeiros centros de relevo formaram-se com os Abássidas e os Seldjúquidas, em Mossul e Bagdá, onde o exemplo das figurações sassânidas e helenístico-sírias foram primeiro ilustrar tratados científicos (muito embora já desde o século X o centro de Herat, no Afeganistão, produzisse imagens em miniatura para documentos astronômicos). Mais tarde, começou-se a ilustrar os livros de fábulas e de contos, campo em que a miniatura encontrou largas possibilidades de desenvolvimento.
Tapetes
O Islão alcançou níveis altíssimos na produção artesanal. Nesta, um dos pontos mais altos é o dos tapetes.
As peças mais antigas de que temos notícias foram produzidas na Anatólia, no século XIII, durante a dinastia dos Seldjúquidas.
Cada região, cada tribo, cada cidade, tem um motivo tradicional particular, cores, tipos de lã e métodos de trabalho próprios, os quais são possíveis agrupar em cinco grandes famílias.
Na Ásia Menor (ou Anatólia) prevalecem os tipos de oração representando um mihrab e também pequenos nichos, repetidos em campos separados, nos tapetes de oração chamados "para a família" (séculos XVII - XVIII).
Nas produções do Cáucaso, surge um tipo de desenho geométrico, com prevalência do pequeno formato alongado. Todas as figuras naturais surgem reproduzidas em motivos estilizados, rigorosamente planos. A Pérsia dispõe de variantes figurativas originalíssimas e esplendidamente trabalhadas: o jardim, com motivos epigráficos, com cenas figurativas zoomorfas, com nichos, com medalhões, com "vasos". Os tapetes da Ásia Central apresentavam muitas vezes uma característica rosa geométrica, além de uma série de outros símbolos geométricos sempre executados sobre um fundo vermelho escuro. Na Índia, foram tecidos exemplares de grandes dimensões, com uma tipologia que se aproxima da dos modelos persas, mas que é marcada por um naturalismo muito mais acentuado de uma maior liberdade de composição.
Fonte:
Ø MANDEL, Gabriele. Como Reconhecer a Arte Islâmica. Livraria Martins Fontes Editora Ltda. S. P, 1985
Meca, 610. Um homem de quarenta anos está pensando seriamente no destino de seu povo. Como guia de caravanas, visitara diversos núcleos cristãos e judeus, e assim conhecera o monoteísmo. Adotando seus dogmas, passou a pregar a existência de um único deus - Alá. Conhecendo bem as condições de seu país, dividido entre muitas seitas pagãs, compreendeu que sua força e unidade dependiam de um ideal comum. A história do Islão começa com esse homem - Abdallahm, mais conhecido como Maomé.
Meca, 622. A nova doutrina conquista multidões. Os grandes comerciantes, ameaçados em seu prestígio político, provocam a fuga de Maomé para Iatreb, mais tarde designada Medina - "a cidade do profeta". Esta data é até hoje venerada como a Hégira, o início da era muçulmana. Em idioma árabe, muslim ou muçulmano (fiel) é todo aquele que aceita o islam (submissão à vontade divina).
Meca, 632. Nos dez anos que separam sua fuga de sua morte, Maomé unifica a maioria das tribos árabes e organiza poderosos exércitos para converter os "infiéis". Deixa também uma série de preceitos morais e civis, compilados no Corão (o livro).
Unidos em torno da religião, mas pressionados pelas secas e pela falta de espaço vital, os islamitas deixam seu território - apenas a terça parte da península Arábica - para iniciar uma fulminante expansão. Em menos de um século, subjugam o antigo Império Persa, dominam quase metade das costas mediterrâneas e ocupam todos os países que se estendem da Ásia menor até o Norte da Espanha: Síria, Palestina, Egito, Marrocos e a maior parte da península Ibérica.
Os muçulmanos adaptaram às próprias necessidades de luxo e beleza tudo quanto iam encontrando nas terras conquistadas. Assim como a arte bizantina, a arte islâmica é essencialmente decorativa, condicionada pela religião, representando, sobretudo uma atividade espiritual.
Pode-se dizer que a arte islâmica se exprime, sobretudo na arquitetura e nas artes aplicadas. A falta de um desenvolvimento notável das chamadas artes “menores”, isto é, da pintura e da escultura, deve ser substituída à concepção muçulmana da natureza, que considera efêmero e por isso inútil reproduzir todas as suas manifestações. A isto se junta à proibição de produzir imagens que pudessem tornar-se objetos de culto, a fim de prevenir tentações idólatras numa religião rigidamente monoteísta.
No mundo islâmico, a coesão religiosa fez surgir, entre os mais diversos povos, manifestações artísticas com muitos traços em comum. Por força da religião, não havia como esquivar-se dos temas sacros; porém, igualmente inspiradores eram os prazeres da vida.
Arquitetura
O fator principal de sua originalidade sempre foi a religião maometana, que se exprimiu, desde logo, no seu local de culto: a mesquita.
Ao contrário da igreja cristã, a mesquita não é a morada de Deus, mas apenas o lugar de encontro dos fiéis, onde se pode orar em paz, com a cabeça voltada para a quibla, pedra que indica a direção de Meca. A torre de três ou quatro andares com balcões, geralmente separada do edifício principal, é o minarete, de onde se anuncia a hora da prece. O pátio descoberto tem no centro uma fonte destinada às abluções (lavagem do corpo) religiosas. As próprias pedras da construção, conjugando cores múltiplas, formam ornamentos que suprem à ausência de imagens.
Antes de se falar nos edifícios mais significativos, convém comentar dois elementos de construção: o arco e a cúpula; e ainda dois elementos construtivo-decorativos: o iwan e as muqarnas, que as construções islâmicas, tanto religiosas como civis, tinham em comum.
No que respeita ao arco, nenhum outro estilo dispõe de uma variedade tão extensa de tipos e de formas. Tem-se, um vasto elenco de tipos, com esquemas muitas vezes inspirados não em exigências estéticas, mas sim puramente decorativas: o arco de ferradura, o lanceolado, o trilobado ou o polilobado, as muqarnas e outros.
Quanto às cúpulas, as primeiras verdadeiramente islâmicas desenvolveram-se no Egito, onde estas apoiam-se sobre um alto anel (o tambor), ligado à planta inferior, quadrada. Em seguida, outros tipos de cúpulas foram criadas: cúpula em bolbo, aos gomos, com arestas, ou nervuradas; meias cúpulas com abside, ou cúpulas dispostas a toda volta.
No que respeita ao iwan assumiu cada vez mais a forma de um vasto e profundo portal, com a parte da frente rasgada num alto arco, inscrito num retângulo, e o sofito ligado à parede do fundo por meio de muqarnas. O iwan principal estava voltado para Meca e era flanqueado por dois minaretes incorporados; na parte de trás, abria-se uma sala quadrada coberta por uma cúpula, que constituía a mesquita propriamente dita. As dinastias mongóis dos Timuridas e dos Moghul (Índia) adotaram este elemento como portal de entrada, sobretudo sobre a fachada principal, mas também sobre todos os quatro lados dos mausoléus.
Um motivo arquitetônico tipicamente islâmico é o das muqarnas. O motivo das muqarnas veio a ser usado num sentido exclusivamente ornamental nos capitéis e nas bases das colunas, nos intradorsos dos arcos e até (virado) no exterior de cúpulas.
A arquitetura religiosa exprime-se, no Islão, em cinco edifícios principais: a mesquita, o minarete, a madrasah, os conventos fortificados e o mausoléu funerário, que descreveremos em detalhe.
O muçulmano pode orar onde desejar, em casa, no local de trabalho, em campo aberto. No entanto, foi sempre dada grande importância à oração em comum e a mesquita (termo derivado da palavra árabe masgid, local onde as pessoas se prostam) destina-se a cumprir essa função. O momento da oração em comum - seguida de uma prédica - é ao meio-dia das sextas-feiras, razão por que as mesquitas mais amplas, ou seja, próprias para este ato de culto, são chamadas de Mesquitas da Sexta-feira (masgid-i-giami), ou também, sobretudo no Ocidente islâmico, Grande Mesquita. Por outro lado, as mesquitas eram utilizadas para diversos outros fins: administração da justiça, ensino, como abrigo para sábios em peregrinação, refúgio para os perseguidos. Em muitos casos, de fato, sobretudo nas aldeias, elas eram coligadas a hospícios, cozinhas públicas e hospitais.
Antes da oração, o muçulmano deve purificar-se com uma série de abluções, pelo que em todas as mesquitas existe uma fonte, freqüentemente ao centro do pátio que antecede a "sala de oração" (haram). O fiel, por seu turno, durante a oração, deve virar-se para Meca, pois a parede do fundo da mesquita está virada para a cidade santa, e esta direção (quibla) é indicada por um pequeno nicho (mihrab), derivados dos nichos bizantinos, o qual, com o correr dos séculos, se torna na parte mais preciosamente ornamentada do edifício.
Quanto à mesquita, obedece a três esquemas principais de edificação. O primeiro, o de três naves, multiplicando o número destas últimas até obter um edifício quadrado - o seu interior transforma-se numa selva de colunas, sobre as quais se apoiam os arcos; o segundo o de planta quadrato-cruciforme com pátio central e um iwan em cada lado; o terceiro, a de planta central (sala quadrada) coberta com uma cúpula.
Outro elemento arquitetônico de importância é o minarete. Originalmente, o minarete era construído com planta quadrada, por vezes com um remate redondo. As suas paredes eram decoradas com motivos em relevos e dotadas de janelas. Em seguida, surge o minarete cilíndrico, coberto de cerâmica, com remate de vários feitios. Primeiramente, surge isolado, depois surgem aos pares cada um deles colocado aos lados do iwan principal ou da entrada monumental. Em algumas regiões, os minaretes aumentaram para quatro, situado nos ângulos do edifício, em casos muito raros, ascendem a seis.
Na Turquia, o minarete adquire uma característica forma alongada, com um teto cônico e esguio, muitas vezes com três ordens de estreitos varandis, enquanto que na Índia é mais atarracado e sempre coroado com uma cúpula sobre uma pequena varanda poligonal. No Egito, por sua vez, o estilo empregou um único minarete com base quadrada, parte central octogonal, parte terminal cilíndrica e um longo remate final.
O mausoléu funerário foi introduzido no mundo islâmico pelos Seldjúquidas. Originalmente, teve duas formas, desenvolvidas no Khorasan: a torre sepulcral de planta redonda poligonal ou em estela, de forma muito esguia e coberta por uma cúpula, na maior parte das vezes, escondida do exterior por um teto cônico; e a kubba, sala quadrada coberta por uma cúpula. Os mongóis do período de Tamerlão (Timuridas) e os da Índia (Moghul) adotaram um iwan pouco profundo como portal de entrada e foi freqüente disporem-no sobre todos os quatro lados do edifício.
Nos ângulos destes mausoléus, surgem muitas vezes quatro minaretes, revelando ser freqüente a kubba e a mesquita de planta central inspirarem-se num mesmo esquema.
Decoração
As decorações constituem o verdadeiro leit-motiv da arte islâmica. Uma filosofia como a islâmica, tendente a negar a própria existência do mundo terreno e a ver em todos os encadeados dos acontecimentos a vontade de Deus, não podia senão reforçar o instinto da abstração.
Na arquitetura, superfícies planas e curvas, paredes e pavimentos, exteriores e interiores, estão sempre completamente recobertos de ornamentação em cerâmica (mosaico e ladrilhos), de estuque, de madeira, mármore, pedra, terracota. Elas ostentam um tipo de fresco baseado em motivos vegetais, ou geométricos, ou epigráfico, que é repetido até o infinito e entrelaçado com uma extrema variedade de formas. Os mesmos desenhos eram utilizados, além de nas construções, também na miniatura, na tapeçaria, na encadernação dos livros e nos objetos de uso comum.
A escrita árabe, que se presta muito bem para fins decorativos e a uma contínua variação, foi largamente utilizada na ornamentação das construções civis e dos objetos.
Para a proibição islâmica de representar Deus e, nos edifícios religiosos, qualquer figura humana, o emprego da escrita (o nome de Alá, os seus atributos e versículos do Corão) torna-se cada vez mais necessário.
Cerâmica
A cerâmica islâmica é o elo de ligação entre a cerâmica antiga e a européia da Idade Média. Maneira esplêndida, entre as mais completas, de fazer arte com terra e com fogo.
Entre os egípcios, era já notável a técnica do vidrado e entre os Mesopotâmicos a da coloração a esmalte da cerâmica de cozedura lenta (majólica = louça cerâmica de pasta colorida porosa (faiança), coberta de semalte branco ou colorido e recoberto de verniz opaco). Os islâmicos adotaram este processo, usando ornatos por incisão, em esgrafito (pintura ou desenho que se obtém riscando com um estilete a camada superior da tinta, de sorte que fique descoberta a camada inferior) e aplicações de barbotina (mistura liquida de pasta cerâmica), aplicadas sobre as peças antes de irem ao forno. Utilizaram novos métodos de decoração (em champlevé = esmalte obtido através da incisão (encavado) no desenho sobre a base de metal e colando nos sulcos ou cavidades o esmalte fundido) e, sobretudo, no final do século VIII, a técnica do lustro, a qual mediante um vidrado especial, confere às cerâmcias preciosos reflexos metálicos, com tintas que vão de ouro avermelhado ao verde oliva.
Em conformidade com os desenhos, as técnicas e as formas, os ceramistas islâmicos são classificados com base numa cronologia subdividida segundo os centros de origem.
Após a invasão dos mongóis de Gengis Khan, os centros cerâmicos ressurgiram com técnicas renovadas e decorações frequentemente inspiradas nos modelos chineses, dando lugar a uma tipologia influenciada que a atinge a sua plena maturação no século XIV.
Nas coberturas das paredes exteriores dos monumentos, teve largo emprego a cerâmica de ladrilhos, de mosaico, ou com peças expressamente modeladas.
Escultura
Embora não se possa falar de escultura no verdadeiro sentido da palavra, para os artistas islâmicos limitados, além do mais, a representar de maneira naturalista os seres vivos, nas ornamentações dos monumentos e, acima de tudo, dos objetos de uso corrente, podemos encontrar valores plásticos de notável interesse.
Os metalúrgicos muçulmanos, que assinavam sempre as suas obras, tal como os ceramistas, utilizaram várias técnicas (buril, relevo, moldagem), mas impuseram-se, sobretudo no damasquinado: um sulco rasgado nas chapas metálicas, preenchido com fio de ouro, prata ou cobre, por tal forma bem batidos que não se sentia a mínima rugosidade. Foi assim que foram trabalhados, esplêndidos objetos com superfícies inteiramente cobertas de arabescos, figuras geométricas, escritas.
Houve duas ordens de produções: as que se destinavam às comunidades religiosas (como as lâmpadas das mesquitas, os púlpitos, etc.) e as dos objetos para a casa (tinteiros, braseiras, incensórios, caixas, etc.).
Foi, sobretudo durante as dinastias omeiade, abássida que o trabalho no marfim, particularmente de caixinhas, fez empenhar escultores e artesãos em perfurações e modelados elegantíssimos, freqüentemente inspirados em protótipos bizantinos. Ao mesmo tempo, ganha envergadura a produção artesanal de bronzes: estes objetos constituíram os únicos exemplos de escultura de vulto inteiro da civilização muçulmana.
A difusão ainda maior teve a decoração esculpida da madeira para as portas, dos mihrab (nicho que na mesquita indica a direção para o qual o muçulmano deve voltar-se para orar). Neste campo, impuseram-se os motivos geométricos, que foram continuamente renovados pela fantasia dos artesãos.
Miniatura
O mundo islâmico amou muitíssimo o livro. Toda a gente possuía pelo menos um exemplar do Corão e eram numerosas as ricas bibliotecas privadas. Mas, ainda que a estampa tenha nascido nos países islâmicos no final do século X, o caráter individualista do muçulmano preferiu sempre a edição manuscrita à impressa, pela elegância mais requintada que lhe era atribuída.
No que respeita à miniatura em particular, é necessário dizer desde já que, devido à proibição religiosa das imagens, nenhum Corão é ilustrado, apenas surgindo neles ornamentações geométricas.
Os primeiros centros de relevo formaram-se com os Abássidas e os Seldjúquidas, em Mossul e Bagdá, onde o exemplo das figurações sassânidas e helenístico-sírias foram primeiro ilustrar tratados científicos (muito embora já desde o século X o centro de Herat, no Afeganistão, produzisse imagens em miniatura para documentos astronômicos). Mais tarde, começou-se a ilustrar os livros de fábulas e de contos, campo em que a miniatura encontrou largas possibilidades de desenvolvimento.
Tapetes
O Islão alcançou níveis altíssimos na produção artesanal. Nesta, um dos pontos mais altos é o dos tapetes.
As peças mais antigas de que temos notícias foram produzidas na Anatólia, no século XIII, durante a dinastia dos Seldjúquidas.
Cada região, cada tribo, cada cidade, tem um motivo tradicional particular, cores, tipos de lã e métodos de trabalho próprios, os quais são possíveis agrupar em cinco grandes famílias.
Na Ásia Menor (ou Anatólia) prevalecem os tipos de oração representando um mihrab e também pequenos nichos, repetidos em campos separados, nos tapetes de oração chamados "para a família" (séculos XVII - XVIII).
Nas produções do Cáucaso, surge um tipo de desenho geométrico, com prevalência do pequeno formato alongado. Todas as figuras naturais surgem reproduzidas em motivos estilizados, rigorosamente planos. A Pérsia dispõe de variantes figurativas originalíssimas e esplendidamente trabalhadas: o jardim, com motivos epigráficos, com cenas figurativas zoomorfas, com nichos, com medalhões, com "vasos". Os tapetes da Ásia Central apresentavam muitas vezes uma característica rosa geométrica, além de uma série de outros símbolos geométricos sempre executados sobre um fundo vermelho escuro. Na Índia, foram tecidos exemplares de grandes dimensões, com uma tipologia que se aproxima da dos modelos persas, mas que é marcada por um naturalismo muito mais acentuado de uma maior liberdade de composição.
Fonte:
Ø MANDEL, Gabriele. Como Reconhecer a Arte Islâmica. Livraria Martins Fontes Editora Ltda. S. P, 1985
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