sexta-feira, 7 de novembro de 2008

HISTORIANDO AS ARTES II

ARTE CHINESA

A China tem, sem dúvida alguma, a mais longa tradição artística do mundo: de fato, esta cobre um período que vai do III milênio antes de Cristo até os nossos dias.
O núcleo original da China foi a bacia do rio Amarelo, onde ocorreram os primeiros achados de requintadas terracotas, as quais, foram nomeadas em conformidade com o local em que foram encontradas. E, para as épocas posteriores, a datação da história da arte chinesa faz referência à sucessão das dinastias que governaram o país.
A primeira destas dinastias, a Shang (1650 - 1027 a.C.), assiste ao surgimento da arte de fundir o bronze: os vasos assim forjados, densamente recobertos de seres monstruosos que deviam expulsar os espíritos maléficos, serviam acima de tudo para os sacrifícios aos antepassados, para os ritos do Céu e da Terra e para outras forças mágicas da natureza; e o mesmo também para os primeiros objetos em jade. Com o andar dos tempos, este profundo sentido do mágico perde-se, e as representações, a princípio tão poderosamente vitais e expressivas, vão-se estilizando até ao ponto de se tornarem puros exercícios técnicos (dinastia Chou, 1027 - 256 a.C.). Por outro lado, o homem começa a surgir nas várias formas artísticas com uma freqüência cada vez maior (dinastia Han, 206 a.C. a 220): claro que não, ainda, o povo comum, mas sim dignitários e damas da corte, os Wên-jen (literatos), os monges, pois a arte chinesa é acima de tudo uma arte de aristocratas para aristocratas.
Na dinastia seguinte, a dos T'ang (618 - 907), a China atinge a máxima extensão territorial da sua história - desde o Tibete, a oeste, até à Coréia, a Leste: encontramos assim, embora profundamente achinesados, elementos de reminiscência centro-asiática.
Tal sociedade, agora evoluída e requintada - mais tarde, conseguirá conquistar culturalmente os Mongóis invasores, aspira ainda à harmonia com o universo; ou abandonando-se completamente à natureza, até se tornar um "suspiro do universo" (filosofia Taoísta). É nesta corrente que se inspira, por exemplo, a pintura intimista da época Sung (960 - 1279).
Ao breve domínio dos Yuan sucederam-se os Ming (1368 - 1644), que reafirmaram o predomínio da raça chinesa; e é ainda a cerâmica que caracteriza a última das dinastias, a Ch'ing (1644 - 1911).

Arquitetura

Na China, a arquitetura deixou traços surpreendentemente pouco reveladores, quando comparada com as outras formas artísticas, da sua evolução: o que se deve, em primeiro lugar, aos materiais perecíveis - a madeira - com que era construído os edifícios, o que permitiu apenas a poucos exemplares chegarem intactos até nós. Seus artífices estão mergulhados no anonimato.

As características essenciais da arquitetura chinesa, não se servem como a ocidental, do sistema trilítico (duas pedras verticais a que se sobrepõe horizontalmente uma terceira), mas que se baseia em sólidos pilares aos cantos, sobre os quais se apóiam paredes ligeiras, sem funções de sustentação. Estes pilares não têm capitel no topo, mas são rematados com entrelaçado de mísulas salientes.
A utilização de semelhante estrutura, que podia ser aumentada com o acrescentamento de novas mísulas vigamentos, permitirá a característica curvatura para cima da parte inferior do telhado. Este também têm saliências que para além de grandes são muito projetadas, as quais para além das razões estéticas têm a tarefa eminentemente prática de afastarem das paredes, de materiais deterioráveis, as abundantes chuvas das monções.
O emprego quase exclusivo da madeira como material de construção explica a quase total ausência de exemplares arquitetônicos que possam pertencer à época pré-Ming (anterior a 1368). O seu uso implica, assim, a necessidade de proteger, mediante uma cintura de muralhas, casas, cidades, por vezes a província inteira. Estas proteções exteriores tornam supérfluas as muralhas defensivas internas e as paredes, as quais, não funcionando como paredes de sustentação, podem ser de materiais frágeis, meros abrigos contra os elementos meteorológicos. Na construção de uma casa, procedia-se antes de mais nada à edificação da plataforma (de terra batida no período arcaico, de pedra e mármore posteriormente): erguia-se então o esqueleto de madeira, que se apoiava em suportes de pedra enterrados no chão ou na própria plataforma, para evitar que a madeira, em contato direto com a terra, apodrecesse; ou talvez os chineses tivessem compreendido que uma estrutura suscetível de deslocamentos, ainda que mínimos era a que melhores condições tinha para resistir aos freqüentes abalos telúricos a que o país estava sujeito.
O primeiro monumento arquitetônico que nos vem à idéia quando pensamos na China é, sem dúvida, o Pagode. Difundido na China com o advento do budismo (dinastia Han tardia) consiste, geralmente, numa torre de planta quadrada, bastante alta, dividida em andares horizontais de tetos sobrepostos, ou, mais simplesmente, de cornijas de alvenaria; na mais antiga conformação dos templos budistas chineses. Com a época T'ang Tardia (618 - 907), esse lugar passa a ser ocupado pelo templo propriamente dito e o pagode desdobra-se em dois edifícios gêmeos colocados a leste e oeste dele; o material de construção também muda e os tijolos passam a substituir a madeira. O mais famoso dos pagodes é o do Ganso Selvagem, em Sian. Trata-se de um dos pouquíssimos exemplares da arquitetura T'ang.
Temos de chegar à dinastia Ming (1368 - 1644) para termos a exata medida da arquitetura chinesa, que encontra a sua mais clara expressão na cidadela imperial de Pequim.
No centro da área da Cidade Chinesa encontra a Cidade Proibida (era esta a verdadeira residência do imperador; o nome deve-se ao fato de só poder entrar ali a família imperial e os mais altos dignitários da corte).
Um outro grande conjunto arquitetônico é constituído pelos túmulos dos soberanos Ming, para os quais se entra por uma longa alameda flanqueada por monumentais estátuas de animais de pedra.
A originalidade da arquitetura Ch'ing (1644-1911) manifesta-se, no entanto, para além das intervenções na cidade de Pequim, também e especialmente nos locais escolhidos como lugares de vilegiatura (veraneio). O exemplo mais famoso é o Palácio de Verão.




Escultura

O gigantesco incremento dado nos últimos anos à exploração arqueológica permitiu fazer um pouco de luz sobre a tradição da escultura na China. As escavações recentes levam-nos até o século XII a.C. com o achado de algumas esculturas de mármore de animais, revelando-se a nítida vontade de dar, com uma extrema economia de meios técnicos, as características peculiares dos temas.
Com a descoberta, em Chang-sha, de um túmulo intacto, ficamos, pelo contrário, na posse, desde 1936, de um grupo de esculturas de madeira datáveis da época Chou tardia (séculos IV - III a.C.). Entre elas, contam-se figuras antropomórficas, zoomórficas e antropozoomórficas. Do mundo do fantástico passamos à dimensão humana: o realismo da época Han é prenunciado pelas figuras de terracota trazidas à luz nas proximidades do túmulo do imperador Shih Huang-ti, da dinastia Q'in (259 - 210). Trata-se de milhares de estátuas em tamanho natural que reproduzem cavaleiros, cavalos e infantaria do exército imperial; muitas delas ostentam ainda vestígios de cores vivas e todas elas apresentam, nas vestes, no penteado ou na atitude, alguns elementos que as diferenciam umas das outras. Os músculos do rosto estão imóveis, embora mostrem expressões diferentes, e o olhar está fixado num ponto longínquo. Estas estátuas representam um sinal ulterior, o mais recente, das agora maduras expressões das épocas Han e T'ang.
Na China, a escultura é, acima de tudo, a escultura budista. O budismo, proveniente da Índia, veio preencher o vazio que as condições de insegurança e a falta de fé nos valores tradicionais tinham criado após a queda da dinastia Han (206 a.C. - 220).
Os primeiros grandes mosteiros rupestres são preferencialmente inseridos muito mais no campo da escultura do que na arquitetura. São obras de milhares de pacientes canteiros e de escultores que escavaram no interior das montanhas verdadeiros pavilhões, galerias, sacrários e nichos, nos quais foram colocados - ou diretamente talhados na rocha - as imagens de Buda e dos Bodhisattva (aqueles que renunciaram momentaneamente à suprema iluminação para socorrerem a humanidade sofredora). Em Tun-Huang, cuja fama se deve, sobretudo às pinturas "a seco" que se desenrolam ao longo das paredes de 486 grutas, podem ser observadas as primeiras produções iconográficas de Buda em terra chinesa: respeitando o tipo indiano, ostentam um panejamento mais rígido e uma quase total ausência de plasticidade no modelado do corpo.
A partir de meados do século VI, percebe-se um aspecto novo na estatuária budista: sob a influência da escola indiana Gupta, as figuras começaram a assumir uma maior plasticidade e o rosto deixa de ter uma expressão estática, para se adoçar num sorriso benevolente.
Também se continuou a escavar e embelezar numerosos templos-gruta, afirma-se a escultura de vulto inteiro, que encontra na madeira, no bronze e na argila materiais mais maleáveis. Uma nova sensibilidade se impõe, estabelecendo uma tradição que perdurará até o final do século XIV. O exemplo mais impressionante dos êxitos conseguidos por este estilo é talvez o grupo de iohan (discípulos de Buda) encontrado numa gruta das proximidades de Pequim. Nestas figuras, não se quis centrar a atenção no simples retrato, mas antes sobre a tensão espiritual de cada uma delas.
O processo de caracterização das figuras budistas continua a encontrar-se agora imediatamente no realismo do rosto cheio, sob o qual desponta um pouco de papada, nos olhos em amêndoa, enquanto que as vestes são ligeiramente agitadas por um movimento que as recolhe em volutas e que é mais visível na pintura contemporânea.


A mais chinesa das divindades budistas é Kuan-Yin (para quem as mulheres chinesas se viravam para que as defendesse da esterilidade, associando-o, talvez, ao culto remoto da deusa-mãe), surge em alguns exemplares de madeira e gesso, pintados e dourados como uma divindade esplêndida e suave.
Com a desagregação da igreja budista, por volta do século XIV, nenhum outro importante estímulo veio dar vida à escultura chinesa.
No que toca à escultura de tema não budista, não existem exemplares suficientemente originais para merecerem ser citados, à parte, talvez a série de animais de pedra que flanqueia a via de acesso às tumbas dos Ming: e estes não tanto pelo valor intrínseco de que figuras assim tão maciças e quase "arcaicas" se possam revestir, no que respeita à história da escultura chinesa, como pelo considerável efeito cênico que produzem sobre o visitante.

Pintura

Os primeiros traços da pintura chinesa estão caracterizados nas terracotas da civilização Yang-shao, que apresentam motivos predominantemente geométricos, realizados a pincel com cores que vão do vermelho tijolo ao negro. Desde o princípio que pintura e caligrafia surgem unidas, quer porque se utilizem dos mesmos instrumentos - pincel, tinta-da-China, seda ou papel -, quer porque os elementos que constituem a escrita chinesa, os ideogramas, nada mais são do que o desenvolvimento e estilização dos desenhos das coisas e de situações concretas, para exprimir o conceito delas. A típica pintura chinesa apresenta-se, por isso, como uma representação acompanhada de uma componente poética que exalta o estado de alma do artista, ou a ocasião particular para a qual foi escrita; o observador pode, portanto, fruir ao mesmo tempo - caso único no mundo - três das artes maiores: poesia, pintura e caligrafia.
O gênero da pintura "de figuras" está entre os primeiros a desenvolver-se na China. No tratamento da figura humana, os chineses quiseram sublinhar e pôr em relevo a idéia de que ela deveria sugerir mais do que a forma estritamente física. Eis a razão por que, no retrato de um culto e requintado funcionário, o elemento de maior relevo é constituído pelos acessórios que o acompanhavam: o vestuário suntuoso revela a sua posição social, o fundo de árvores e rochas sublinha o seu amor pela natureza, uma mesinha com pincéis, papel e tinta-da-China as suas tendências literárias. A expressão do rosto deve ser serena, composta, não existe volume.
A pintura exprime-se mais vivamente nos ciclos inspirados pelos temas budistas e taoístas, ou de histórias sobre os heróis míticos: os chineses sentiam um evidente prazer em representarem gigantescas e multiformes divindades, bestas ferozes e homens de aspecto estranho e terrífico que habitavam em imaginários países nos limites do Império. Não são menos raros, por outro lado, o esboço da vida familiar com o homem entregue aos seus estudos e a mulher aos seus bordados, sobre o fundo do inevitável jardim; o jogo de xadrez, fazer música ou caligrafia são outros temas habituais, como os grupos de animados jogos que discutem ou improvisam versos, bebendo chá ou vinho. A figura feminina também é tomada em consideração: os mesmos imperadores encomendavam os retratos das suas concubinas; a atenção incide sobre a flexibilidade da figura, a originalidade do penteado, a suntuosidade das vestes e das jóias, muito mais do que sobre a expressão do rosto.






O amor constante que na China se tinha pela natureza fez com que se desenvolvesse uma grande variedade de pintura de paisagem. Os motivos naturais, embora sendo representados com realismo, eram acrescidos de atributos ideais (imagens criadas), que se foram consolidando com a tradição: assim, montanhas escuras erguem-se a pique, árvores contorcidas pendem sobre precipícios e mosteiros enroscam-se a prumo sobre estreitas gargantas, indicando a áspera majestade da natureza e a vã vontade do homem de dominá-la.
A perspectiva, ao contrário da ocidental, não obriga o olhar a partir num ponto fixo: o espectador pode observar a cena com um olhar que a apanha toda (a perspectiva a vôo de pássaro), ou então estar em primeiro plano e olhar para cima, para os ásperos cumes; por outro lado, o ângulo da observação também muda, pois os vários elementos são apresentados na linha visual que pareça mais convincente e significativa.
O grande momento da paisagem está na época Sung (960 - 1279); é durante este período que a pintura se divide em duas escolas principais, a setentrional e a meridional.
A escola setentrional caracteriza-se por paisagens com montanhas escuras e imponentes, que preenchem grande parte do espaço; entre os artistas mais representativos deste período recordemos Chü Jan e Kuo-Hsi. Com a escola meridional, influenciada pela seita meditativa budista Ch'an (Zen no Japão), sentimo-nos mergulhados numa atmosfera completamente diferente: a natureza é sempre a grande protagonista, mas o pincel, agora, só se demora sobre os contornos das coisas.
Entre os temas particularmente queridos à pintura chinesa permanece insuperado, pela técnica e variedade compositiva, o denominado "de flores e pássaros", a que se dedicaram artistas como Hsü Ch'i (século XIII), o imperador Hui Tsung-sung (século XII) e Mu Ch'i (século XIII). Semelhantes pinturas que também ornamentavam leque e biombos revelavam uma maneira excepcional de tratar as cores: tanto se pode tratar de uma linha apenas visível de tinta-da-China passada com várias tonalidades de aquarela, como uma pincelada decidida que cria a tensão entre o vazio e o cheio. É freqüente flores e folhas serem dadas unicamente com sucessivas passagens de cor sem qualquer contorno, como no célebre estilo "sem ossos".
Para além da minúcia de execução e da fidelidade ao original, em toda a pintura chinesa o artista tem sempre presente a idéia de especificidade do tema antes do próprio tema: eles devem exprimir a essência das coisas, e quem se afasta deste objetivo trai não só a verdadeira pintura como também o mais profundo espírito chinês.


Fonte:

Ø BEDIN, Franca. Como reconhecer a Arte Chinesa. Livraria Martins Fontes Editora ltda. S.P, 1986

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